Sobre sexo e tabu
Archidy Picado Filho
Lendo algo do que publiquei no site Recanto das Letras, a amiga Joseilma Ramalho, professora numa universidade portuguesa, me pediu para que comentasse alguma coisa sobre o tema proposto no título deste. Indiretamente, já abordei o tema num texto chamado “O Sexo dos Anjos” (aqui publicado), onde comentei sobre a natureza essencialmente inocente do ato sexual e, considerando posteriores considerações de “impurezas”, o sexo praticando entre crianças e as avaliações que se fazem sobre o comportamento “perverso” de pedófilos, entre os do clero ou fora dele – embora quase todos unanimemente reconhecidos apenas “monstros” masculinos, sendo poucos os casos em que a atividade de pedófilas é registrada e reclamada.
Aqui, então, analiso tudo a partir de minhas lembranças de criança quando “vítima” de certas "violências" sexuais.
Vale dizer que, num ou noutro momento de minha infância, como parece regra de comportamentos infantis, certos meninos mais velhos quiseram se aproveitar de minha inocência em relação às coisas do sexo, tendo-me “ensinando” um deles, perversamente, por exemplo, que eu deveria cortar com uma gilete o freio do prepúcio da glande de meu pintinho como sinal da perda de minha virgindade! – tendo ele tentado me bolinar um dia, depois das dedadas que moleques davam uns nos outros para humilharem-se.
Mas, foram mesmo meninas-moças das redondezas da casa de minha avó que, quando tinha eu dos cinco aos onze anos, me iniciaram nos prazeres dos afagos que, além de abraços e beijinhos – ainda proibidos em determinadas culturas – toques de lábios, línguas, corpos, mãos, dedos, pintos e “pipitas” podem nos proporcionar. ("Pipitas" era como minha mãe chamava carinhosamente as bocetinhas das meninas).
Para pais e mães, explicar todas aquelas sensações e desejos que afloravam nos jardins da infância era assunto pra ser ilustrado com uma floresta de flores, abelhas e montes de potes de mel, e então foi mesmo atrás de sofás e das moitas que, depois, descobrimos que nossas mangueiras deveriam regar profundamente o jardim de meninas mais velhas a fim de que pudéssemos ajudar a por mais flores e beija-flores no mundo.
Deixando a poesia de lado, o que é e como se constitui um “tabu”?
Segundo o dicionário, o tabu é basicamente uma “proibição convencional, imposta por tradição ou costume, a certos atos, modos de vestir, temas, palavras, etc., tidos como impuros, e que não pode ser violada sob pena de reprovação e perseguição social”.
É aqui que começam os problemas para aqueles que veem importante estimular em seu grupo social reflexões libertárias de certos pensamentos e comportamentos que tabus devem impedir. Mas, para provocar modificações de comportamentos ao alívio do sofrimento dos milhares de vítimas de perversos preconceitos, uma vez começada uma justa empreitada contra intolerâncias descobre-se quão difícil será avaliar até que ponto é negativa ou pode ser positiva uma atitude castradora para o desenvolvimento da “persona social”, necessária à geração da civilidade global. E então “Não” será a principal palavra dita pelos pais em relação à satisfação de muitos desejos naturais de seus filhos à realização dos toques e experimentos que muito naturalmente nos ordenam fazer a Vida. Inclusive para que, conosco, Ela possa apreender mais sobre Si mesma a processar evoluções, e então Ela nos impele mesmo a ir conhecer certos locais de onde muitos pais vieram um tanto temerosos, a nos prevenirem serem de convivências que deveríamos evitar por serem “as mais perigosas do mundo”, sem a experiência das quais, contudo, eles e nós conheceríamos a Vida pela metade.
Todavia, nossos pais construíram tabus porque é exatamente isto o que querem todos. Com apoio da Igreja e suas noções de pecados, todos estão preocupados em manter sobrevivências sempre relativamente saudáveis da vida de seus filhos, filhas e, também, à manutenção de certas qualidades da vida social.
A despeito de toda violência cometida pela Igreja aos seus heréticos opositores, a despeito de todos os muitos ganhos de conhecimentos conquistados através das escolas que ela ajudou a fundar, o processo de educação para a humanidade de nossa natureza animal é inevitavelmente tanto metafórica quanto literalmente castrador – tendo em vista que, em épocas e lugares de maiores intolerâncias, por exemplo, para evitar as excitações sexuais das meninas (alvos principais dos tabus), em certas culturas o atendimento à prática de tabus determinou a supressão do hímen das fêmeas humanas à contenção de seus “despudorados” orgasmos (estando ainda meninas impedidas de nascer e recém-nascidas proibidas de permanecerem vivas em certos lugares deste mundo) – sendo a vergonha filha do pudor a provocar na alma de transgressores de tabus a aflita sensação de terem se tornado “desgraçados inimigos da decência”.
Para dizer a minha amiga Joseilma Ramalho sobre como anda nosso mundo em relação aos tabus idealizados em séculos passados (que persistem ainda em muitos lugares do planeta), bastará talvez que veja o novo documentário “Tabu América Latina” (visite o site http://www.natgeo.com.br/especiais/taboo) da National Geographic a descobrir como vivem as pessoas que os estão quebrando.
Em relação a tabus sobre atos sexuais, há alguns anos eu soube existirem no planeta já onze tipos de preferências sexuais – tendo eu mesmo presenciado um dia, através de um vídeo, alguém a comer maçãs pelo fundo (dele), de onde naturalmente deveriam sair depois de digeridas. E o vídeo, apesar de eu tê-lo considerado uma verdadeira obra de arte, não era uma montagem de imagens a gerar aquela cena aparentemente inverossímil, mas o registro das possibilidades que determinadas pessoas teem de realizar certas coisas, enquanto outras, sentindo como se vestidas com uma armadura de tabus, permanecem com vergonha de tocar até mesmo os próprios corpos.
Para a intelectual norte-americana Camille Paglia, autora do livro “Personas sexuais”, o exercício pornográfico é essencialmente libertário – o que não duvido quando vejo em alguns filmes do estilo em quais níveis os praticantes do chamado “sexo-explícito” põe suas considerações pelos tabus. Segundo constatamos assistindo aos vídeos, muitas mulheres “preferem” cavalos a homens, enquanto outro grupo delas gosta de levar cagadas e mijadas nos seios e na cara. Outras recebem dois paus ao mesmo tempo na vagina, às vezes um em cada um de seus três buracos, os quais podem ocupar alternadamente o anus, a vagina e a boca da mesma ninfomaníaca.
Não tenho pudor de chamar mulheres tão dispostas àqueles exercícios sexuais de “ninfomaníacas”. O termo não é pejorativo. Não estou pretendendo desmerecer os talentos daquelas moças ou diminuir sua importância como seres humanos (sic). O termo diz apenas respeito ao reconhecimento da condição daquelas que, incansavelmente, e de forma sem dúvida admirável, se dispõem a ganhar a vida.
Mas, para fazerem cumprir tabus no ano de 1969 – apesar de ter sido os anos de 1960 determinantes ao início de certas libertações – não seria possível para mim, então com oito anos, estar transitando entre os que frequentassem um festival de artes e visse meu pai a receber um convite a participações numa festa em homenagem às prostitutas – o que ocorre muito naturalmente hoje em dia. Só para se ter uma idéia dos costumes de então, em 1969 minha mãe, então entre as poucas pioneiras desquitadas, sofria as consequências da discriminação negativa de considerável parcela da patriarcal sociedade paraibana de outrora – embora, junto com suas irmãs, fossem já em número considerável as mulheres de sua geração, então representantes da nova geração de sua época, a lhe prestar apoios e assistências em seus primeiros momentos de solidão fora do que pretendera ser sua nova família.
CONTINUA