Falta de Didática ou Falta de Conhecimento?
Falta de Didática ou Falta de Conhecimento?
Luiz Eduardo Corrêa Lima
(Professor Titular de Biologia/ FATEA/Lorena)
Ainda lembro quando eu estava no quarto ano do Curso de Graduação de Licenciatura em Ciências Biológicas, das Faculdades de Humanidades Pedro II – FAHUPE, lá na cidade do Rio de Janeiro, onde me formei, embora já faça mais de 32 anos. Lembro daquela Professora de Didática que, logo no primeiro dia, começou sua aula dizendo: “Didática não se ensina”. Infelizmente não consigo recordar o nome dela, embora recorde do apelido que possuía, o qual infelizmente não devo (não posso) citar aqui. Coisas particulares (segredos) da vida de estudante, que não vem ao caso no momento, mas que sempre é bom recordar para manter a mente alegre e ativa. Mas, ela continuou dizendo: “Didática se tem ou não se tem” e “para ser Professor é fundamental se ter Didática”.
Com certeza, tanto eu, quanto meus colegas de Faculdade, já sabíamos que a frase era verdadeira, porque embora estivéssemos iniciando o último ano de nossa graduação, todos nós já tínhamos mais de 15 anos de vivência escolar e já havíamos passado por inúmeros professores em nossas vidas escolares. Assim, nós, não só sabíamos como podíamos confirmar a veracidade daquela afirmativa, pois éramos capazes de rapidamente fazer uma análise de todos os professores que passaram pelas nossas vidas e avaliar a postura e a competência didática de cada um desse professores. Entretanto, nós adorávamos, eu particularmente me realizava, quando ouvia a Professora da Disciplina de Didática afirmar didaticamente que “Didática não se ensina”. E ela dizia esta frase quase sempre.
Peço, desde já, que me desculpem pela repetição da frase inúmeras vezes no texto, mas para mim é profundamente interessante ver a coragem e ao mesmo tempo o contrassenso de alguém abertamente dizer que aquilo que faz, nesse caso, ensinar Didática, seja uma utopia, ou melhor, um absurdo, uma ilogicidade, porque é algo que não pode ser feito. Mas, vou me basear nesse argumento para tentar chamar a atenção do fato de que tem muita gente fazendo confusão sobre o que efetivamente seja Didática.
Comecei a ministrar aulas regulares em setembro de 1976, quando estava no segundo ano da Faculdade, no Colégio e Curso Regente, na Praça da Bandeira, na cidade do Rio de Janeiro e nessa época eu ainda não conhecia aquela que seria a minha Professora de Didática. Aliás, para ser bem sincero: acho que naquela época eu nem sabia o que era Didática, se é que hoje realmente sei? Mas, de qualquer forma, quero acreditar que hoje compreendo um pouco melhor sobre esse assunto e vou me atrever a falar um pouco sobre a minha experiência didática.
Naquela época, lá no Colégio Regente, eu tinha que ministrar aulas de Ciências para o Ensino Fundamental, além de Citogenética e Genética para o Ensino Médio. Para conseguir cumprir essa obrigação eu tive que estudar, estudar e estudar bastante. Ora, isso foi muito importante, porque me permitiu efetivamente aprender aquilo que eu precisava ensinar, até porque algumas partes das matérias sob minha responsabilidade eu nunca tinha visto na vida e outras, que até tinha visto, simplesmente não me lembrava de quase nada, porque não faziam parte da minha área próxima de interesse. Assim, a solução era uma só, como já disse, tive que estudar muito para aprender e tentar desenvolver condições para ensinar aos meus alunos.
Comecei muito jovem, com apenas 20 anos, porém, deixando a modéstia de lado, me atrevo a dizer que sou um bom professor desde aquela época. Acho que tenho grande facilidade de comunicação e argumentação, o que me permitiu desenvolver uma Didática muito boa e pelo que percebo, pelo tratamento e pelas homenagens que recebo todos os anos, a grande maioria dos meus alunos concorda plenamente com esse meu pensamento. Entretanto, devo reconhecer que antigamente eu era muito melhor, porque eu sabia que não tinha conhecimento suficiente sobre muita coisa que deveria ensinar e por isso mesmo eu procurava aprender essas coisas e como já disse, estudava bastante. Hoje, quase 35 anos depois, erradamente, eu imagino que como já tenho conhecimento, como efetivamente já sei algumas coisas, eu já não procuro tanto pelas informações e estou estudando cada vez menos. Isto é, tenho que admitir: eu já fui melhor, pois me dedicava mais. Posso estar enganado, mas acredito que infelizmente isso acontece com quase todos os professores ao longo do tempo. Mas, com o conhecimento que temos, ainda conseguimos seguir em frente.
Nesses quase 35 anos de magistério, eu me orgulho de dizer que NUNCA tive problemas com alunos por questões didáticas, até porque eu sempre fiz questão de conhecer muito bem sobre o assunto que tinha para ensinar e por isso mesmo, como já disse: eu estudava, estudava e estudava bastante. Vou mais além, embora NUNCA tenha tido problemas, eu penso que, se por acaso tivessem ocorridos alguns problemas, tenho a convicção de os meus alunos poderiam reclamar de qualquer coisa que fosse possível acontecer nas minhas aulas, menos falta de conhecimento do assunto a ser ensinado, porque sempre me preparei a contento para ministrar as minhas aulas, pois, como profissional do magistério, sempre entendi esse aspecto como sendo preponderante ao bom andamento do ensino.
Quando conheci, na faculdade, quase dois anos depois de que eu já estava ministrando aulas regulares, a minha Professora de Didática, a única Professora de Didática que tive em toda a minha vida e quando ela disse, pela primeira vez, para mim e para os meus colegas de classe que “Didática não se ensina”, pois “Didática se tem ou não se tem” e mais, que “para ser Professor é fundamental se ter Didática”, eu quase tive um colapso e fiquei temporariamente perturbado. Imaginem que eu já ministrava aulas há quase dois anos e não sabia que tinha que ter a tal da Didática. Caramba! E eu que me dedicava muito e pensava que estava fazendo a minha tarefa de professor corretamente, o que seria de meu trabalho e de toda minha ação profissional?
No entanto, com o passar das aulas de Didática, eu pude entender melhor o que ela estava querendo dizer com aquela frase contundente e aparentemente ilógica sobre sua disciplina. Na verdade ela estava se referindo ao fato de que a Didática em si não produzir conhecimento específico para ninguém, o que ela faz é propiciar a forma e os mecanismos que permitam a aquisição e a consequente transmissão desses conhecimentos. Assim, gradativamente fui me acalmando e me restabelecendo daquele impacto negativo inicial. Ao final daquele ano, quando terminei a Disciplina de Didática eu pude claramente compreender que Didática é a maneira pela qual se transmite os conhecimentos ao aluno e cheguei à conclusão que eu fazia a minha parte, pois estudava, aprendia e procurava desenvolver mecanismos que permitissem e facilitassem aos meus alunos o entendimento da matéria que eles precisavam conhecer. Como já disse, acho que tenho feito isso bem até hoje.
Mas, ao concordar com a idéia de minha Professora de que a “Didática não se ensina”, o que se ensina é o conhecimento em si, comecei a questionar outra coisa: como alguém que não tem conhecimento pode ensinar alguma coisa a alguém? Pois então, daí para frente essa questão tem sido a minha cruz, porque além de ser professor, assim como minha Professora de Didática, eu também sou formador de outros professores e vejo que a safra de novos professores ao longo do tempo tem sido, lamentável e infelizmente, cada vez pior.
Mas será que está faltando Didática? Creio que não, até porque a parafernália de recursos didáticos (multimeios) que favorecem as técnicas de ensinamento e aprendizado é cada vez melhor e mais eficiente, porém, ao que parece, está faltando muito conhecimento, mormente nos professores. Lamento dizer, mas estamos investindo demais nos meios (aparelhos) e pouco nos fins (pessoas). Hoje temos muitas maneiras que nos facilitam na tarefa de trabalhar o conhecimento, mas não temos conhecimento suficiente para desenvolver essas tarefas a contento. Está faltando exatamente o conhecimento. A maioria dos professores de hoje está mais para contadores de histórias do que para artistas, pois fazem relatos, mas não vivem, não conhecem realmente, aquilo que pregam em suas aulas.
Os DataShow da vida e outros equipamentos acessórios ao ensino, que deveriam ser ferramentas auxiliares, valiosas e algumas vezes fantásticas para permitir o bom andamento do processo de transmissão do conhecimento, passaram a ser muletas sobre as quais muitos dos professores se debruçam para poder andar. Ou seja, o que era para ser acessório passou a ser essencial. Infelizmente, o conhecimento está no PowerPoint do computador e é projetado numa tela, mas não está na mente e nem no intelecto do professor. Lamentavelmente eu estou cansado de ouvir a seguinte frase, oriunda de muitos professores: “sem DataShow eu não dou aulas”. O que é mais triste é que realmente, sem o Datashow, muitos deles não conseguem mesmo ministrar as suas respectivas aulas. Por que será?
Aí eu volto a lembrar da minha Professora de Didática: como é possível ensinar aquilo que não se sabe? E o que é pior, como é possível avaliar, exigir e cobrar dos alunos aquilo que não se conhece? Há alguns anos atrás, por volta de 1990, eu escrevi um pensamento que está inserido na terceira página de um livro que publiquei em 1996* e que embora não traga nada de novo, acredito que precisa ser repetido aqui: “É impossível ensinar o que não se sabe. É impossível saber o que não se aprende. É impossível aprender o que não se estuda.”
Pois é, meus amigos. Muitos professores estão precisando estudar para aprender, adquirir conhecimento e assim poder ensinar melhor. Didática não se ensina, ou se tem ou não se tem e para ser professor é fundamental que se tenha Didática. Desta maneira, para ter a Didática necessária e ser bom Professor, o conhecimento é fundamental, pois só pode passar conteúdo quem tem algum. Vamos por as mãos na massa e voltar ao tempo em que a gente estudava, estudava e estudava para aprender e consequentemente poder ensinar alguma coisa aos nossos alunos.
*LIMA, L.E.C., 1996. A Qualidade do Livro Didático no Brasil: Considerações Gerais e o Caso da Biologia, Centro Cultural Teresa D’Ávila – CCTA, Lorena, 84p.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (54) é Biólogo (Zoólogo), Professor, Escritor e Ambientalista;
Membro Fundador da Academia Caçapavense de Letras – ACL;
foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.