Sobre como e o que ensinar

“Ninguém pode converter (ou educar) ninguém com palavras.

Podemos converter alguém pelo que somos; nunca pelo que dizemos”.

Huberto Rodhen

“As escolas podem servir como uma encarnação do mercado, ou um modelo alternativo de como a vida poderia ser realizada; elas podem ensinar o mercado ou ensinar contra o mercado. Com efeito, a decisão sobre por qual desses rumos enveredar é intrinsecamente moral – na medida em que reflete o senso de valores do educador a respeito do que seja ‘o bem’”.

Howard Gardner

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Não me lembro do dia em que senti grande prazer por estar numa sala de aula durante meus anos escolares. Talvez porque seriam muitos e compulsórios.

Até completar cinco voltas ao redor do Sol sobre o planeta, minha vida na Terra fora de “empirismos” – nome que, sabemos depois com os acadêmicos, conceitua processos de experimentações a memorização e retenção do apreendido em vivências prováveis.

Claro que nem tudo o que descobrimos é verdade porque ainda não dispomos dos recursos pedagógicos, das técnicas e instrumentos ao aprendizado de certas coisas que nos oferecem escolas.

Imediatamente depois de nosso primeiro soluço, nossos primeiros sentires serão sempre aromas, toques, sabores, e então crescemos à sensação e compreensão completa da Vida como um complexo interestelar produtor de formas de Sua potência as mais diversas e inimagináveis.

Tais formas – descobrimos mais tarde em nossa passagem por sucessivas salas de aula – são também produtos da imaginação, das artes do Desenho e da Matemática (ou da arte da matemática do Desenho), conseqüência da cultura desenvolvida a nos promover a capacidade de representar as fórmulas do funcionamento do mundo, sendo elas ao mesmo tempo suportes às objetivações de outras realidades.

Quando na Infância, serão os “meninos arteiros”, os aventureiros, que se tornarão artistas-cientistas e cientistas-artistas; filósofos, psicólogos, biólogos e tantos outros despertos e seus monólogos, a nos contar o que descobriram sobre os mecanismos do mundo e dos seres.

A aquisição de tudo aquilo que os possa revelar o gosto pelo conhecimento, e o Sentido daquelas coisas que denominamos “Sagradas”, levou alguns a compreenderem o caráter transcendente maldito da Sabedoria: “muito saber é muito sofrer”, descobriram também com o bíblico rei Salomão muitos outros sobre a Terra. Entretanto, diante de nossa compulsiva curiosidade, do que a Filosofia e, depois, as pró-científicas eficiências descobriram e tem descoberto fundamentos da chamada “Realidade”, nossas mais esdrúxulas fantasias e as mais delirantes interpretações da Verdade se tornaram nada além do que são: resultados de jogos da imaginação e da Arte – instrumento à objetivação técnica de quaisquer idéias que nos golfem insights mil; desde os conceitos que nos tornam personas, indivíduos, cidadãos, até completos outros mundos.

Porque, a bem da Verdade, “somos deuses”, e a constituição de tudo o que existe, e do que ainda existirá de visível e de invisível às manifestações da Vida – não apenas como Ela é, mas como pode vir a ser (sabiam também os fundadores do chamado realismo fantástico), é milagrosa e primordialmente auto-processada de formas muito mais fantásticas do que qualquer Salvador Daqui possa imaginar, e infelizmente mais incognoscível do que qualquer método filosófico didático-pedagógico possa pretender nos tornar cientes.

Para a maioria das crianças a Escola sempre foi um lugar terrível. A despeito de sua necessária função de repassar conhecimentos à domesticação dos instintos, conhecimento técnico e desenvolvimento dos primeiros estágios de nossa civilizada Humanidade, sua pré-história remota à vida de espécimes nômades pré-sapiens que, antes de se organizarem em grupos familiares, estavam submetidos pelos ensinamentos impulsionados pelas pulsões de sua memória ancestral.

Quem já não ouviu dizer que “a Vida ensina”? E não apenas nossas experiências de vida nos ensinam, mas a Vida, em Seu autodidatismo, em Sua auto-gestão, repassa a Si mesma o apreendido nas formas que naturalmente engendra através dos processos de agrupamento e reagrupamento dos genes, que formarão organismos capazes de intenções e ações de descobertas e transformações.

Desde os pós-nômades os processos de domesticação fundam culturas que, ao mesmo tempo, estabelecem novos e melhores métodos de domar a fera que, a despeito de nos reconhecermos “humanos”, ainda se nos persiste o ser.

No percurso, durante necessárias admoestações, os chefes das famílias recém-formadas presenteavam as deficiências cognitivas de sua prole com violências. Das pedradas, pauladas e chicotadas, com a evolução das técnicas de ensino, baseadas em suas posturas “político-pedagógicas”, os prêmios por “incompetência intelectiva”, felizmente em ordem decrescente de intensidade, foram das câmaras de tortura às palmatórias e, depois, na modernidade e na “pós-modernidade”, aos simples eventuais beliscões e/ou cascudos maternos e paternos.

Pouco tempo atrás era de exclusividade dos religiosos católicos a função de repassar as informações que, baseadas em ensinamentos cristãos – e segundo padrões europeus – pretendiam civilizar os indígenas recém-descobertos no “Mundo Novo”. Foi preciso vestir os selvagens, impor-lhes novas identidades, hábitos, costumes... Afinal, por que permitir aos machos que expusessem sem vergonhas seus bilaus, mesmo se reconhecidamente também feitos à imagem e semelhança dos de Deus? E como ficaria o moral do Papa se visse o tamanho que o Altíssimo reservara à avantajada formação do pinto do Pajé?

Brincadeiras à parte, séculos depois do descobrimento do Brasil o ensino finalmente deixa de ser função exclusiva da Igreja. Contudo, seus princípios de informar, moralizar, civilizar (embora não necessariamente “humanizar”) permanecem baluartes de suas ações.

No passado, para tanto valia recorrer a qualquer instrumento de persuasão ao aprendizado, sem que importasse aos educadores de então o que as escolas leigas, moderna e pós-moderna (pelo menos em princípios) parecem pretender tentar considerar; ou seja: as especificidades de temperamento, cultura familiar e tendências vocacionais dos estudantes à triagem do que mais precisam ser estimulados a apreender com prazer.

Mas, ainda em minha época de estudante primário, durante a feitura dos deveres de casa, eu chorava sobre os livros e cadernos, enquanto levava puxões de orelhas por ainda não ter apreendido o que meus pais, dia após dia, lição após lição (na maioria das vezes com dedicação e paciência), tentavam me fazer apreender.

Mas, felizmente me livrei dos cascudos e puxões de orelhas na hora de fazer o dever de casa. Porque meu pai decidira que eu iria também toda manhã à escola onde estudava à tarde. Ele tinha acertado com o Diretor para que me orientasse nas lições de manhã, e então eu passava umas três horas com ele na diretoria tentando apreender nomes de figurões do passado, datas, regras de gramática, matemática, o que é rotação, translação, botânica e a localização exata de lugares distantes no globo terrestre e fora dele, como Bangladesh ou Marte – nos quais nunca pensei que iria querer chegar, como fazem ainda nossos filhos e filhas.

Hoje, para sentir e saber sobre a irritação e o desespero de meus pais ao tentar me auxiliar nas tarefas da Escola, tive que lidar com minha inevitável irritação durante as orientações às tarefas de casa de Rafael, meu filho mais novo, único que mora comigo dos três machos que ajudei a por neste mundo-cão. E também há Sophia, minha única filha, hoje, tempo de prática de inclusões no universo escolar, com quatorze anos de convivência com sua Síndrome de Down.

Com os dois aprendo como lidar com as diferenças ao desenvolvimento de suas específicas motivações à descoberta e aprendizado do mundo.

Entretanto, certa psicóloga norte-americana me disse, observando sobre as “viagens” a que nos levam certas drogas, que a verdadeira viagem seria ver o mundo com o olhar do outro.

Meus filhos e minha filha, entre outros, nunca verão o mundo com o meu olhar, nem eu com o deles; nunca sentirão nada do que senti ou sinto agora sobre a Vida e Seus mistérios.

Até aqui, tudo me faz crer que, em meio a tantas e tantas e tantas visões do mundo, descortinei certos véus postos em meus olhares pelos pré-conceitos. Mas, pergunto: e se, algum dia, pudermos dizer sobre certos aromas a ponto de fazer outros os provarem em suas vidas?

Então, que assim possa vir a ser e que, finalmente, possamos considerar possível informar outro sobre o que descobrimos sobre o mundo, sobre nós mesmo e sobre o sentido final daquilo que buscamos construir e que classificamos de "Humanidade".