Tempo de ser criança
Houve um tempo em que todos acreditavam que as crianças eram adultos em miniaturas, ou seja, que tudo que um adulto sabia, as crianças já traziam “escondido” desde sua fecundação, era só questão de eclodir. Nessa época, as crianças eram vistas como seres inanimados, uma simples garantia de continuidade da espécie humana. Elas eram tratadas como detentoras do discernimento necessário para diferenciar o certo do errado, o momento de falar e o momento de calar. E, caso infringissem alguma regra, eram duramente castigadas; e quando crescessem e tivessem seus filhos, agiriam da mesma forma, por puro instinto de repetição. Tanto eram tratadas como pessoas maduras, que sua vestimenta era idêntica a de homens e mulheres, apenas o tamanho era menor. Claro, nesse tempo, nem se sonhava com Literatura Infantil, com músicas infantis, com Educação Infantil e formação de profissionais dirigida à sua educação.
Como a Natureza e a vida em sociedade são cíclicas, estamos retornando a esse passado longínquo e, novamente, tratando as crianças como adultos em miniatura. A impressão que nos causa ao observar uma criança de três ou quatro anos diante de um computador ou manuseando um telefone celular, é a de que este conhecimento já veio como parte do pacote, que era só eclodir. Da mesma sorte, nota-se cada vez mais a aproximação das roupas infantis das adultas. Talvez mais que na fase anterior, pois agora sim a roupa é exatamente igual, apenas em tamanho menor. Os próprios saltos dos calçados das meninas são relativamente tão altos quanto os de uma mulher adulta. Quanto à Literatura Infantil que fortuitamente possuímos, pode ser lida também por adultos, e deve ser lida, para que se saiba acompanhar a leitura das crianças. Já no que tange aos profissionais da Educação, cada vez é maior sua responsabilidade na formação dos adultos em questão.
Porém, a formação das crianças precisa acompanhar o ritmo do desenvolvimento social. A cobrança incide pessoas capacitadas o mais cedo possível para reagir diante de situações-problema, as quais são treinadas a partir de laboratórios que encontram no espaço da sala de aula o abrigo mais adequado. A contrapartida dessa necessidade, é que toda essa preparação está começando cedo demais, ou seja, os pequeninos estão recebendo uma quantidade tão grande de informações, que estas acabam ocupando um espaço precioso e indispensável nessa fase: o tempo de ser criança.
A busca pelo aperfeiçoamento exige tempo e disposição. Isso leva ao atropelo dessa fase fundamental na formação do ser humano. É essa a fase das descobertas e da inocência. Está faltando a fabulação da infância, o faz de conta e a magia. Tudo isso está sendo substituído pela realidade virtual, inclusive as brincadeiras, que cada vez mais envolvem ferramentas de rede, e outras reproduzem o mundo e o linguajar adultos. Embora pareça que essa preocupação tenha se tornado tema de debates recentemente, há muito tempo grandes pensadores buscam uma maneira de pensar a Educação, respeitando o tempo e as fases da pessoa.
Um bom exemplo é o pensador Jean Piaget. Seu modo de tratar a criança vai ao encontro do tema desse texto. Depois de Piaget, principalmente, entendeu-se melhor que as crianças e os adultos raciocinam de modo diferente, que as crianças se encaixam às regras, aos valores e aos símbolos da maturidade de maneira gradual (Fonte: Revista Nova Escola, Ed. Grandes Pensadores, Jl, 2008). A infância é o momento da vida em que queremos ser adultos porque “adultos fazem coisas legais, podem usar salto alto, maquiagem, ter dinheiro”, enfim, parece sempre que são sinônimos da plena felicidade.
Não que seja errado preparar bem as crianças para o futuro. Errado é permitir que o futuro invada o presente de modo devastador a ponto de dependermos dele para guiar toda e qualquer ação. Adultos sentem saudade da infância. Sentem falta de fingir que são gente grande, só que sem as responsabilidades e os horários a cumprir. Todos têm pressa de crescer, e ao crescer, percebem que teria sido bom passar mais um tempinho na infância. Como não é possível voltar no tempo, há que se apreciar cada fase da vida. Isso não significa estagnação ou atraso. O nome disso é Respeito. Respeito ao Tempo. Respeito ao ser humano que nesse instante, é uma criança.