As entrelinhas do preconceito
Por mais secularizados e niilistas que, de fato, somos, o ideário cristão ainda povoa de forma inconsciente nossas mentes. Percebo isso nas conversas diárias.
Ouvi de “educadoras” uma frase que dizia assim “Joaquim, você não acredita! O moleque é loiro dos olhos azuis, bonito, mas é um capeta! Quem o vê não diz o quanto ele é danado!”
A “educadora” referia-se a um aluno muito indisciplinado na escola que dirigia e da dificuldade de acreditar, dada a aparência do garoto, que ele agia desta maneira.
Eu imediatamente captei as entrelinhas do que a “educadora” disse e certamente acredita: Um garoto com características opostas as do citado moleque, ou seja, de um negro, maltrapilho e feio, poderia-se esperar um comportamento daquele, mas de um menino loiro de olhos azuis era algo inacreditável.
Foi aí que lembrei do ideário cristão, de anjos de cabelos louros cacheados e olhos azuis, e que até Cristo é retratado dessa maneira idealizada. Ou seja, a representação da bondade é branca e o contrário disso representa as coisas ruins. Ideologia que “pega” até nas cabeças de gente com nível superior, pós-graduados, educadores, dirigentes de escola...
Uma outra colega, também diretora de escola, ao atender uma família em estado de desagregação e desestrutura familiar, uma família de alemães que vieram de Santa Catarina, soltou esta pérola:
“Nossa! São alemães! Não é de se esperar dessa gente que estejam assim!”
O que também significa nas entrelinhas de seu dizer que se espera isso de uma família de favelados, negros e mulatos brasileiros, mas não de uma distinta e branca família de alemães.
Pensei comigo: Olha por quem nós fomos e somos educados? Que valores essas pessoas nos passam? Que mundo estão construindo e legando ao futuro, aos nossos filhos?
Educadores?
No fundo, a educação é mais do que títulos, graduações e pós-graduações. Mas algo que construímos todos os dias em cima de muita reflexão. O que me faz a cada dia desconfiar mais dessa nossa pretensa educação e de nossos pretensos educadores.