NÃO PRECISAMOS DE EDUCAÇÃO!

Esse é o primeiro verso da célebre música “Another Brick in The Wall Part II”, da não menos célebre banda de rock inglesa Pink Floyd. Embora o título deste pequeno (esboço de) ensaio seja forte, provocador e contundente, assim como a música do Pink Floyd, não é exatamente isso que defenderemos aqui, assim como cremos que também não é exatamente isso que Roger Waters e companhia defendem quando dizem “We don’t need no education…”. É lugar-comum criticar a educação brasileira em contraste com a educação européia (a norte-americana não é lá tão boa como deve pensar a maioria das pessoas), mas não é da educação brasileira que Waters se refere. Tampouco cremos que a referência seja à educação britânica. Talvez ele esteja falando da educação “em si”.

Longe de nós analisarmos ontologicamente o “ser” da educação. Não cremos que isso seja necessário, nem mesmo que seja possível. Também não convém analisarmos a educação em sua história, mesmo por economia e por falta de competência. No entanto, não vamos nos poupar de fazer algumas intervenções históricas logo no começo. Também não nos interessa, a princípio, fazer disntições geográficas do fenômeno da educação. Embora essa proposta pareça muito interessante, este ensaio é apenas o vestíbulo de um estudo que será mais aprofundado no futuro – ou não. Nosso interesse, a princípio, é meramente conceitual, mas isso nos dará já de início um vasto horizonte através do qual poderemos descobrir certas coisas a cerca da educação e compreender as críticas de Roger Waters à mesma, seja brasileira ou européia.

Convém, antes de tudo, saber sobre o que estamos falando. A educação, como um todo, não se limita apenas ao processo de ensino e apredizagem. Podemos falar em educação de vários tipos, mas nenhum deles é capaz de representar tão bem este conceito como a educação escolar, e é precisamente esta que será o objeto e modelo das nossas maiores críticas. Os romanos, como sabemos, acreditavam deter a “humanitas” (isso já foi comentado na resenha “O HUMANISMO EM MARTIN HEIDEGGER”), a “natureza humana”, a racionalidade que os diferenciava dos outros animais, e a “civilização” que os diferenciava dos “bábaros” ou “incivilizados”. A crença de que que a cultura grega e romana eram as únicas que poderiam derivar da “humanitas” gerou o etnocentrismo desses povos. Daí surge a necessidade de se criar instituições especializadas em desenvolver a “humanitas” a fim de preservar, através do adequado treinamento da razão e da valorização da cultura, a “civilitas”. A instituição criada tinha o intuito de inserir os jovens na sociedade, fazendo-os entrar em contato com os valores, a cultura e a sabedoria do seu povo. Era o que poderíamos chamar hoje de “educação”, e sua função era essa inserção social (daí o nome “educação”, do latim, “educare” que quer dizer “inserir”) e a preparação dos jovens para a vida adulta . A educação tem, pois, como principal função, a sobrevivência da sociedade, de seus valores e da sua cultura.

Praticamente tudo na escola tem o propósito de transmitir os valores da sociedade. A disciplina, o respeito às hierarquias, as regras do relacionamento inter-pessoal, o comportamento adequado às diferentes situações, a interação e, sobretudo, a cultura. Tudo isso, mais que o intuito de desenvolver a razão (o que nos impediria de nos tornarmos bárbaros), tem o intuito de manter a sociedade viva e sólida. O valor social da educação é sua utilidade. Ela está longe de ser a inseparável companheira do conhecimento, como querem alguns pedagogos. A ciência é ensinada nas escolas por ser um importante legado cultural do Ocidente, a forma mais precisa que encontramos de responder às questões que nos afligem, mas, sobretudo, por ela ser de extrema utilidade para a sociedade. Todavia, nem sempre foi assim. Por muitos séculos as ciências foram ignoradas pelo Ocidente e até intencionalmente rejeitadas. O conhecimento empírico era, para o pensamento platônico de muitos filósofos medievais, um conhecimento vulgar, tosco e indigno da verdadeira sabedoria. Esta estaria mais preocupada com coisas invisíveis, mas inteligível, atingidas apenas pelo raciocínio filosófico. Os dados dos sentidos eram vistos como indignos da grandiosidade de Deus. Assim sendo, é fácil compreender porque as ciências começaram a crescer no seio da incipiente sociedade burguesa, vulgar e mundana. Desde o princípio da ascensão da burguesia que a ciência se tornou um instrumento (como quase tudo no mundo burguês) indispensável para nossa sociedade ocidental.

Mas as ciências não são ensinadas nas escolas por serem a Verdade, nem por seu valor de verdade, mas por sua utilidade enquanto instrumento de desenvolvimento social. A nossa sociedade está pouco preocupada com a verdade. Por isso, criacionistas, desistam de tentar ensinar Criacionismo nas escolas, porque, mesmo que esta doutrina fosse verdadeira (o que não creio), ela não é útil. Comparemos as aplicações do criacionismo e da Teoria da Evolução e veremos que a primeira não possui nenhuma aplicação imediata em prol do desenvolvimento da sociedade. Não estamos rejeitando o criacionismo. Estamos até mesmo fazendo uma defesa dele, pois os motivos para ele não ser ensinado nas escolas não está em sua verdade/falsidade, mas na sua utilidade/inutilidade. Aprendemos ciências, não por ela ser mais verdadeira que a pseudociência, mas por ser mais útil.

É essa a educação que nós e Roger Waters não queremos. Não queremos ser meros intrumentos para a manutenção de uma sociedade. Queremos uma educação que nos ajude a transformar a sociedade, que nos ajude a sermos os agente das transformações que ela sofre ao longo do tempo, não meros espectadores esperando que alguém surja, como sempre surge, para nos salvar e mostrar toda a sujeira escondida debaixo do tapete, antes que suas idéias também se cristalizem, fazendo parte dessa grande série de valores sólidos, troféus a muito custo conseguidos e demasiadamente valorizados, mesmo quando ultrapassados. Todavia, para isso precisamos conhecer a sociedade em que vivemos, entrar em contato com ela, o que o processo tradicional da educação já contribui significativamente. Mas a ciência que nos é transmitida na educação escolar tradicional não passa de um conjunto de teses tratadas de maneira dogmática, que nada nos ensina sobre ceticismo ou pensamento crítico. A Filosofia não passa de uma longa história sobre eminentes pensadores, que foram grandes, mas que já estão mortos, e cujo único valor foi ter contribuído para nosso vasto legado cultural. O mesmo se faz com as artes, uma série de belos achados, destituídos do seu papel libertador para ser quase que uma decoração de luxo ou uma distração para intelectuais.

A educação transformadora precisa começar observando os erros da sua própria sociedade, em vez de tentar cristalizá-los como algo totalmente natural, ou produto da magnífica razão ocidental. Não queremos uma educação que seja como uma prostituta, que se deita com aquele que está disposto a pagar mais alto, mas uma educação que tenha o poder de nos tornar pessoas realmente livres.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 06/03/2010
Reeditado em 15/04/2010
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