Maçonaria: O Apóstolo Paulo 

     
 
          Em meus estudos maçônicos sempre busco encontrar o que está proposto em nossos rituais dentro do Livro da Lei, afinal esta é a proposta para nos orientarmos na nossa vida cotidiana, de forma que é de se supor que quem produziu a nossa estrutura ritualística também o fizesse buscando orientar-se na mesma fonte.
          Isto posto, meu interesse neste caso se refere à questão do profano que, considerado como “livre e de bons costumes”, acaba selecionado por um irmão da Ordem, e a ela é proposto. Isto ocorrido, aprovado pelos irmãos, o mesmo irá ser iniciado na Maçonaria. Tal iniciação poderia encontrar paralelo em estruturas religiosas, como a circuncisão no judaísmo,  o batismo no cristianismo católico, ou a profissão de fé no cristianismo presbiteriano. Porém, desde de já é bom que fique claro que, no caso da Maçonaria, não existe uma conversão, mas sim uma proposta de alteração consciente a um conjunto de preceitos oferecidos pela Ordem, que de fato não visam a ela mesma, mas à reforma interior do iniciado, no sentido de ter uma nova atitude. Diferencia-se da conversão religiosa por ser ato racional, enquanto nas religiões está ligado à mística da fé.
          Que fique claro que a crença da Maçonaria no Criador  está alicerçada na busca especulativa, e a meu ver encontra sustento filosófico nos princípios lógicos cartesianos, como seu centro de pensar e aceitação do Criador como princípio primeiro.
          O homem livre e de bons costumes desejava encontrar tal situação no Livro da Lei. Há uma passagem que reporta essa situação com vários aspectos semelhantes, de forma a poder afirmar que no Livro da Lei este homem existe, e ele é o apóstolo Paulo de Tarso.
          Vejamos por que assim concluo. Primeiramente faz-se necessário verificar a vida de Paulo, antes dos acontecimentos da estrada de Damasco. Paulo, antes Saulo, (Saul, possivelmente em homenagem ao primeiro rei Judeu, Saul, e depois Paulo que significa pequeno, de rei a menor ), nasceu pelo menos 5 anos depois de Cristo. Era judeu da diáspora, o que significa que não nascera em Israel, mas em Tarso, cidade de língua grega onde é atualmente a Turquia,  em família que havia sido levada para a escravidão à época do rei babilônico, Nabucodonosor.
          À época de seu nascimento, era Roma o grande império a dominar o mundo, e ele tinha título de cidadão romano, o que era incomum, pois custava dinheiro, ou no mínimo influência para ter tal status. Foi educado naquilo que havia de melhor da cultura na antiguidade (cultura greco/romana), mas também dentro dos princípios religiosos do judaísmo, fazendo parte de uma facção conhecida como fariseus, denominação que hoje tomou um sentido pejorativo, em razão de sua ação na condenação de Jesus, ou seja num mundo cristão, que ainda não vivencia o perdão tão pregado por seu inspirador. O perdão que ele adotou mesmo pregado na cruz, ainda não foi adotado por muitos dos seus seguidores, contrariando o preceito do próprio mestre. E voltand à questão dos fariseus, estes à sua época eram os religiosos judaicos mais tradicionais, que mais guardavam os preceitos mosaicos; eram a elite da fé judaica. Paulo era, dentro de sua comunidade, uma das grandes promessas. Formado na lei ( uma espécie de advogado), possivelmente se não tivessem ocorrido os acontecimentos de Damasco, seria um dos membros do Sinédrio, também execrado na cultura cristã. Este era o tribunal judaico, o que na época de Jesus, tinha o seu poder limitado em razão de Israel se encontrar invadido por Roma, assim fazendo prevalecer como leis civis, o direito romano, sobre o judaico, que entretanto entendeu à época Jesus como “blasfemador”. Em razão disto, a cena onde Pilatos lava as mãos, Jesus não seria condenado dentro do direito romano, porém havia sido condenado dentro dos preceitos do direito judaico, afinal é sempre bom lembrar que ele era judeu. Apenas para acrescer, no futuro Paulo, já apóstolo de Jesus, aprisionado e condenado pelos judeus, alegará sua cidadania romana, e será enviado a Roma para ser julgado, o que lhe garantiu mais alguns anos de apostolado, somente sendo morto depois, em razão da perseguição aos cristãos promovida pelo imperador Nero, tendo a cabeça decepada por soldados romanos.
           Paulo, antes da passagem de Damasco, era exatamente aquilo que poderíamos dizer livre ( muito mais que qualquer judeu sem cidadania romana. Um exemplo disto é que, tivesse Jesus tal cidadania, e a tivesse evocado, sem dúvida não seria crucificado, mas como já disse, isto estava atrelado a uma elite, e Jesus era judeu de origem humilde. ) e de bons costumes ( fazia parte da elite religiosa farisaica dos judeus, embora os saduceus fossem a elite econômica entre eles).
          É justamente por isto que Paulo acaba na situação de um tribuno judaico, um agente de justiça de Israel. Por seu lado, no critério religioso os romanos não intervinham, deixando à nação dominada esta função, e isto em relação à nação judaica, nascida a partir da revelação mosaica do Deus único, não era coisa de pouca importância. Ora, o que dizia Jesus é que ele era o filho de Deus, que era o caminho. Havia, inclusive, um messias profetizado, e Jesus poderia ser aceito pelos judeus se tivesse assumido um comportamento belicoso, afinal os judeus sonhavam com o messias para libertá-los de Roma. Jesus era especial, em vida já reunia seguidores, mas o problema é que ele, ao invés de trazer uma mensagem nacionalista e de força, apoiada numa justiça dura e inflexível, de punibilidade dos pecados, ele vem falando de perdão. Ao invés do “olho por olho, dente por dente”, sugere amar uns aos outros”. Fosse apenas os judeus... mas não, era universalista. Enfim, perante os costumes e leis judaicas, o judeu Jesus, como ele próprio disse, era o escândalo.
          Paulo, assim, era uma espécie de promotor e executor de justiça, tendo sob o seu comando soldados judeus ( que como já disse atuavam exclusivamente para as questões judaicas). Prova disto é que, conforme narrativa bíblica, foi sob o seu comando que o cristão Estevão foi morto. Crime? O mesmo de Jesus: blasfêmia. Aliás, perante os judeus os cristãos cometiam justamente este crime, eram “blasfemadores”, o crime mais grave, pois no entender dos judeus em desrespeito a Deus, à medida que aceitavam Cristo como filho de Deus e os seus preceitos que atingiam de frente a lei judaica , ou seja para os judeus, os cristãos eram “criminosos” diante da sua lei, cometiam o pior dos crimes, o de blasfêmia; daí a punibilidade com a morte.
          Eis, então, o porquê de Paulo se dirigir a Damasco: ele assumira perante o Sinédrio a função de capturar cristãos. Por esta razão dirigia-se àquela cidade, acompanhado de soldados judeus, uma espécie de promotor acompanhado de força militar. O homem livre e de bons costumes cumprindo a sua obrigação, evidentemente dentro dos preceitos jurídicos da época. É preciso observar : não podemos ler a Bíblia pensando-a como uma história entre “bandidos” e “mocinhos”, pelo contrário ela é história real, assim narra acontecimentos inerentes a um momento passado, portanto adequados aos seus costumes e métodos. Acresço mais: não tivessem ocorrido os acontecimentos da estrada de Damasco, Paulo poderia ter sido o líder do extermínio de cristãos. É bom lembrar que à época desses acontecimentos o cristianismo era um advento local, sua universalização futura será justamente comandada por Paulo. Ou seja, o cristianismo nesta época surgia como espécie de ceita de judeus em relação à sua tão cara religião, para complicar os apóstolos de Jesus. Eram homens simples, o que gozava de melhor situação era Matheus, um cobrador de impostos, e estes homens é que dirigiam-se para os vários pontos de Israel buscando pregar a nova doutrina, a boa nova. Para as autoridades judaicas, criminosos religiosos, blasfemadores, daí a perseguição.
           E eis a grande surpresa, o grande perseguidor, que assim o fazia cumprindo o que julgava o seu dever, e se tem dúvidas em relação a isto basta ver o significado de Paulo na construção do cristianismo, acaba de alguma forma, através de um acontecimento inusitado e transcendental se transformando no seu grande defensor.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 29/04/2009
Reeditado em 29/04/2009
Código do texto: T1566946
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