Particularidades do Ensino de Ciências
PARTICULARIDADES DO ENSINO DE CIÊNCIAS
LUIZ EDUARDO CORRÊA LIMA
O Ensino de Ciências, mais que qualquer outra área do conhecimento, depende diretamente das conceituações básicas existentes em cada um dos diferentes ramos das Ciências que se queira ensinar. Sem essas conceituações, o Ensino de Ciências passa a ser mera repetição de coisas, sem nenhum sentido prático. Ou seja, o Ensino de Ciências sem esses conceitos é, quando muito, mero diletantismo por um lado ou uma inútil macaquice por outro. Além disso, não se deve perder de vista que um erro conceitual primário, na maior parte das vezes, leva a um erro de entendimento e em Ciências isso produz conseqüências danosas, haja vista que o conhecimento científico é, necessariamente, contínuo e se faltar à base, todo o resto ficará comprometido.
Desta forma, torna-se fundamental que o estudante de Ciências tenha a noção exata dos conceitos que envolvem o assunto que se queira trabalhar, a fim de que haja entendimento pleno e não apenas a repetição do citado assunto. Debates e discussões são muito interessantes nesses momentos, haja vista que oferecem grande quantidade de posicionamentos, permitindo demonstrar a diversidade de situações pelas quais passa a conclusão sobre o assunto. Porém, essa é uma problemática muito difícil de ser resolvida, em função da dificuldade operacional de Professores e alunos e das estruturas administrativas das escolas, as quais, na maioria das vezes, ainda andam na pré-história da Educação.
No que se refere especificamente ao Ensino de Ciências e suas peculiaridades, podem ser levantadas várias causas que, direta ou indiretamente, conduzem a esta situação de dificuldade e que fazem com que o Ensino de Ciências seja muito precário no país. Vejamos algumas dessas causas.
1 – Primeiramente devem ser considerados os problemas existentes de cunho estritamente burocrático e operacional das escolas que, na maioria das vezes não possuem condições mínimas para permitirem o desenvolvimento de aulas de Ciências. Por exemplo, há escolas em que não existem laboratórios, outras que têm laboratórios, mas não tem nenhum tipo de material, pois o laboratório é uma espécie de dispensa onde são guardadas todas as coisas que não prestam. Outras ainda têm algum material espalhado, o qual às vezes permite algum trabalho. Outras até oferecem condições razoáveis para o desenvolvimento de algumas atividades. Enfim, tudo é possível e cada caso é um caso a ser resolvido no momento em que ele surge.
2 – Outro exemplo são as escolas em que o Diretor, ou a autoridade maior da escola, não acha importante certos mecanismos educacionais e entende que aula é professor falando e aluno copiando e que aula de Ciências é coisa inventada para burlar as normas e motivo para deixar de ministrar a aula. Pasmem, mas ainda existe gente que “pensa” assim. Nesse caso, ou o Professor de Ciências encara a briga e faz o que pode por sua conta ou obedece à direção e nada acontece.
3 – Há casos em que não existe estrutura física, mas existe boa intenção e, por exemplo, há um jardim onde os estudantes podem ser levados (quando o Diretor permite) para observar os organismos vivos que lá se encontram, sendo possível traçar algumas idéias e demonstrar alguns conceitos, principalmente na Biologia. No caso da Biologia, também é possível combinar com os alunos e realizar algumas excursões de campo que produzem excelentes resultados. Mas, a Física e a Química que quase sempre necessitam de material específico e espaço físico devido, acabam ficando prejudicadas e nada pode ser desenvolvido.
4 - Algumas vezes a capacidade de compreensão do estudante, particularmente o jovem, ainda não permite o total entendimento do fenômeno, em função de sua visão restrita sobre o assunto e, principalmente da dificuldade de fazer o seu relacionamento com outros aspectos do cotidiano. É preciso que se encontre a ligação entre aquilo que se quer ensinar e a realidade que norteia o estudante, a fim de inserir o novo conhecimento (conceito) como uma complementação daquilo que o estudante já conhece da sua vivência cotidiana. Em Ciências nem sempre isso é possível, haja vista a singularidade de alguns dos fenômenos que às vezes precisam ser discutidos e ensinados. Além disso, há também a dificuldade, cada vez maior, do interesse dos estudantes por questões teóricas e pouco atraentes para os seus respectivos interesses particulares. Tornar as Ciências mais atrativas ao interesse dos estudantes também é uma tarefa a ser desenvolvida pelo Professor de Ciências.
5 - Outras vezes a imagem preconcebida sobre determinado assunto é muito diferente da realidade científica que se quer ensinar. Há situações em que o antagonismo é total entre a crendice popularizada de um assunto e a verdade científica sobre o mesmo. Nesses casos, quanto maior for a distância entre a realidade científica e a imagem preconcebida e irreal que o aluno tem sobre este, maior será o conflito criado na mente do estudante e também a dificuldade de entendimento e a conseqüente formação dos conceitos. Por conta disso, torna-se fundamental, dentre outras coisas, que se acabe peremptoriamente com as crendices e os preconceitos, no que se refere ao Ensino de Ciências. Também se torna necessário que sejam desenvolvidos mecanismos adicionais que permitam demonstrar a veracidade científica e que possam refutar qualquer idéia inverídica sobre os diferentes assuntos. Novas práticas de Ciências e novos experimentos precisam estar sendo desenvolvidos constantemente para tentar suprir essa necessidade.
6 - Muitas vezes há dificuldade do próprio Professor em entender determinado conceito, o que torna praticamente impossível ensiná-lo ao estudante. Não há como ensinar aquilo que não se sabe. Nessa situação, quando muito, o Professor repete aquilo que está escrito em um “livro didático”, apenas para cumprir uma formalidade programática. Mas, na maioria das vezes, o assunto é esquecido e passa-se por cima como se ele não existisse. Isso é inadmissível, não só em Ciências, como em qualquer outra área de Ensino. Mas, lamentavelmente, isso acontece em muitos casos. Desta maneira, só existem duas saídas: ou se aprende aquilo que se tem que ensinar ou não se pode ministrar as aulas, mormente de Ciências.
7 - Outras vezes, o Professor até conhece determinado conceito, mas tem muita dificuldade em esclarecê-lo ao estudante. Isto ocorre quando falta “bagagem” ao Professor. Ou seja, falta embasamento teórico (falta leitura) e conseqüentemente falta capacidade argumentativa que possam permitir ao Professor explicar o conceito e incuti-lo na mente do estudante. Lamentavelmente, esse tem sido o mais comum dos casos e isso nos leva a refletir sobre outros problemas: quem são e qual a formação teórico-cultural dos professores de Ciências do país?
8 - Outras vezes é o próprio Professor, por incrível que pareça, quem é preconcebido em relação a determinado assunto e não aceita, por questões culturais (principalmente religiosas), discutir e ampliar os seus horizontes sobre o mesmo. Esta situação tem que ser banida, pois traduz uma postura incompatível com um Professor de Ciências, o qual deve, antes de tudo, estar com a cabeça aberta para o novo conhecimento científico. Um Professor de Ciências tem que ser alguém interessado no seu enriquecimento científico e cultural. Desta forma, tem que estar predisposto às novas informações, refutando-as ou aceitando-as através de argumentação científica relevante. Um Professor de Ciências não pode simplesmente se recusar a discutir determinado conceito, porque ele não acredita naquilo, ou porque a sua religião não permite tal mecanismo. O Professor de Ciências tem que estar pronto para estudar, ensinar e discutir sobre Ciência, independente de qualquer outra coisa. Se não for assim, não terá como ser Professor de Ciências.
Neste momento, é preciso esclarecer uma questão. O Professor de Ciências é um ser humano como outro qualquer e sendo assim sofre todas as mazelas que qualquer outro humano, tendo, inclusive, o direito de ter as suas crendices, por mais absurdas que elas possam ser. Entretanto, o Professor de Ciências não tem direito e nem pode, de maneira nenhuma, transferir as suas crendices para os seus alunos. Há necessidade de que o Professor de Ciências mascare o seu eu pessoal em determinadas ocasiões, para que o Ensino de Ciências seja compatível com o que se espera dele. Para ficar mais claro o que estou tentando dizer, vou dar um exemplo simples dessa situação.
Imagine que um determinado Professor de Ciências tenha medo de sapos, o que não faz sentido nenhum científico, pois o sapo é um animal totalmente inofensivo, mas que é uma coisa muito comum, entre os seres humanos, inclusive muitos dos Professores de Ciências. Então, certo dia, um determinado aluno desse Professor resolve levar um sapo para a aula. Nesta situação, o Professor de Ciências fica enrascado, mas não pode justificar o seu medo com posturas não científicas e também não pode querer que os seus alunos tenham medo de sapo só porque ele tem. O medo de um humano não tem que ser o de outro e no caso particular do Professor de Ciências, o medo não deve existir ou, se existir, não deve aparecer, pelo menos na frente dos seus alunos.
Entretanto, se não houver jeito e o medo aparecer, ele deve ser justificado com um argumento sociológico e não científico. É preciso acabar com a má influência dada por alguns Professores de Ciências que inventam histórias e reforçam coisas absurdas para justificar os seus medos particulares. Se o Professor de Ciências tem medo, que assuma o seu medo sem comprometer a realidade científica. O Objetivo da Ciência é demonstrar a realidade natural aos estudantes e não as crendices. O Professor de Ciências tem que procurar acabar com a ignorância e não reforçá-la na Sociedade.
9 – Outro aspecto interessante que às vezes acontece, diz respeito ao próprio conceito em si mesmo. Quando o conceito não está muito claro, pois há muitos pontos de vista divergentes entre os autores que trataram o assunto, há uma tendência natural de que o Professor tome uma posição em relação à questão e assuma essa posição como verdadeira, mas isso não deve ser de todo correto, pois se o conceito é discutível então, desde que o estudante dê uma informação compatível com a discussão, por menos que o Professor concorde, ele precisa aceitar a posição do estudante. Porém, há muitos professores que não estão dispostos aceitarem aquilo que não concordam e assumem uma postura totalmente anticientífica, a qual é incompatível com o Ensino de Ciências.
10 – A situação acima pode se inverter e o Professor ensina determinado conceito consagrado cientificamente, mas o aluno descobre uma referência contrária ou uma posição pessoal contrária de outro Professor de Ciências. Isso acontece com conceitos que mudaram mais recentemente e que ainda circulam referências bibliográficas antigas sobre a questão. Esse caso é sério e aí não há como fugir ao embate e à discussão, a qual poderá ser até vantajosa para a formação do aluno, pois servirá para demonstrar-lhe que Ciência é exatamente isso, ou seja, discussão, tergiversação e troca de idéias e opiniões, que levem ao melhor entendimento de uma determinada questão. Todavia, é fundamental que se chegue a uma conclusão científica e não a um simples acordo de cavalheiros no fim da discussão.
Enfim, como já foi dito, existem várias dificuldades. Entretanto, elas não podem se constituir em empecilhos ou barreiras intransponíveis para que o Ensino de Ciências se desenvolva a contento. O Professor de Ciências tem que usar toda sua criatividade, tem que ser capaz de superar as dificuldades e fazer com que seus alunos tenham acesso aos conceitos fundamentais.
A partir da conceituação básica, a observação e a experimentação são os caminhos a serem seguidos, conforme determina o Método Científico. Mas, ao longo desse caminho, certamente surgirão gargalos a serem transpostos, pois a Observação nem sempre é possível e a Experimentação, na maior parte das vezes, é impossível, pelo menos nas escolas públicas. Quer dizer, em geral ensinamos Ciência na base do “ouvi dizer que”, ou do “alguém disse que”, mas não temos, nem de longe, como tentar demonstrar ou comprovar o que estamos dizendo. Nessas ocasiões analogias costumam dar bons resultados, mas isso depende muito da criatividade do Professor.
O Ensino de Ciências fica muito difícil para o aluno e complicado para o Professor, o qual tem que “fazer das tripas coração” para levar o seu aluno a “acreditar” em coisas que, muitas vezes, ele não tem como provar. Isto é, o Professor de Ciências ensina sua matéria na base do “acredite em mim e vamos em frente”, como se fosse o “Dono da Verdade”. Aliás, é bom lembrar, mais uma vez, que esta é uma postura totalmente contrária aos interesses da Ciência, pois não existem “Donos de Verdades” em Ciências.
Por outro lado, em determinadas situações em que é possível fazer Observações e até mesmo Experimentações, é preciso que se tenha o devido cuidado com a maneira que se procede, para não se cometer erros grosseiros. A Observação, embora seja um ato relativamente simples, é, talvez, a mais importante parte das atividades científicas e desta forma, também do Ensino de Ciências. É através da Observação que surgem os questionamentos e é na busca das respostas que as Ciências progridem. Entretanto, para tal é muito importante que a observação seja abrangente, detalhada e crítica o suficiente para permitir algum questionamento científico.
Ensinar Ciências no mundo moderno, com tanta diversidade de coisas produzidas pelo desenvolvimento científico e tecnológico, deveria ser uma tarefa cada vez mais simples, pois estamos cercados de ciências por todos os lados, mas a realidade tem demonstrado o contrário. O Professor de Ciências, como facilitador do entendimento científico para jovens estudantes, tem que estar devidamente ciente da missão que assumiu quando resolveu ministrar aulas de Ciências. Urge que se formem professores de Ciências adaptados ao seu tempo, ou seja, inseridos na vida científica e tecnológica atual e com uma visão eclética e realista do mundo, pois só assim poderemos sair do marasmo científico em que nos encontramos em relação ao resto do mundo.
Só poderemos formar os bons Cientistas que o país precisa, quando tivermos produzindo bons Professores de Ciências. Lamento dizer, mas parece que ainda estamos muito longe do que precisamos no que se refere ao Ensino de Ciências.
Luiz Eduardo Corrêa Lima