PIX: UMA INOVAÇÃO, MUITAS DESCONFIANÇAS

* Por Herick Limoni

Uma das coisas que mais causava irritação nas transações bancárias era o fato de uma transferência entre contas, além de cara, demorar bastante tempo para ser compensada. Certa vez, quando fui adquirir um veículo, tive que ficar na agência até depois do fechamento para conseguir movimentar o valor para a conta do vendedor e fechar o negócio. Isso após muitos telefonemas, irritações e impaciências.

Hoje, algo que causa bastante irritação é a limitação diária de saque. Se você não for um daqueles clientes vips e não quiser perder bastante tempo em uma agência bancária, terá que se contentar com o valor que o banco estabeleceu para você naquele dia. Não é um desaforo? O dinheiro é seu, e não importa o quanto tenha de saldo, terá que se contentar com o que lhe impõem. Terrível.

Voltando ao assunto anterior. O Banco Central, visando resolver esse problema, expediu, em dezembro de 2018, o Comunicado Nº 32927, no qual dava o pontapé inicial para que fosse criada uma ferramenta de transferência bancária instantânea. Quase dois anos depois à aprovação da ideia, eis que surge o PIX. Trata-se de um mecanismo no qual, através de uma chave, denominada chave PIX, é possível realizar transações automáticas para qualquer pessoa que também possua uma chave dessas. Basta digitar a chave do destinatário e pronto, o dinheiro sai virtualmente de uma conta para outra. E o melhor: de graça!!!

Mas é exatamente daí que surgem as minhas maiores desconfianças. Ainda que essa inovação seja fruto de uma imposição do Banco Central, e que, portanto, não poderia deixar de ser acatada, por que motivos estariam as instituições bancárias realizando exaustivas campanhas sobre algo que não lhes resultará em lucro? Você já viu algum banco dando algo de graça para alguém? É pra ficar com a pulga atrás da orelha ou não? Se você não sabe, os bancos são obrigados, há anos, a ofertar contas bancárias com pacotes básicos gratuitos, nos quais estão inclusos quatro saques, duas transferências entre contas do mesmo banco, dois extratos impressos e fornecimento de até 10 folhas de cheques por mês. Mas posso afirmar que você não viu nenhuma propaganda sobre isso. E por que isso não ocorreu? Não sei, mas meu objetivo aqui é fazer-lhe refletir sobre o assunto.

Além disso, essa massiva campanha a favor do PIX têm sido realizada por outros atores que não as instituições bancárias, o que por si só já seria bastante estranho. Não é raro ver propagandas a favor da nova modalidade estampada na traseira de ônibus, em placas publicitárias espalhadas pelas cidades, em outdoors, etc. Mas a campanha está tão incisiva que, dias atrás, em um programa dominical sobre automóveis em uma determinada emissora de televisão, fizeram uma reportagem exclusiva sobre o dito cujo, demonstrando as facilidades com que os compradores e vendedores de veículos terão com a transferência instantânea (a partir de então, os negociantes que aderirem à novidade não terão que passar pelo que passei).

Em um país em que não é comum que se dê algo sem esperar nada em troca, os meus sentidos me enviaram um alerta: “você acha mesmo que algo gratuito, e que seria bom para a população, teria toda essa campanha de adesão?” Não sei, mas por via das dúvidas resolvi esperar. É normal que as novidades nos causem certa desconfiança, pois geralmente representam algo que foge ao nosso conhecimento, ao nosso controle, pelo menos inicialmente. E gostamos de permanecer em nossa chamada zona de conforto, sem sustos, sem sobressaltos. E decidi, então, permanecer assim, até que se comprove que não há nenhuma outra intenção por trás dessa inovação.

Os mais novos irão me chamar de arcaico. Outros, dirão que sou medroso. Alguns mais, que sou pessimista. Todas as alternativas citadas são verdadeiras. Infelizmente, os anos vividos em um país conhecido mundialmente pelo “jeitinho brasileiro” fizeram-me uma pessoa que desconfia de tudo, até da própria sombra. Se daqui algum tempo ficar comprovado que minha desconfiança é exagerada, não terei a menor dificuldade em sucumbir ao novo sistema, mas até lá, continuarei com a velha e confiável dupla DOC e TED.

E você, já parou pra pensar nisso???

*Mestre e Bacharel em Administração de Empresas, escritor amador e entusiasta da literatura.

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