ANGOLA - UM OUTRO PLANO "MARSHALL"

ENSAIO SOBRE A ECONOMIA ANGOLANA

UM OUTRO “PLANO MARSHALL”

Os europeus quando há quinhentos e mais anos vieram para África, trouxeram consigo ideias de uma economia cuja lógica era muito própria e beneficiava principalmente os povos dominadores pois estes traziam “bugigangas” e levavam ouro, especiarias e outros bens e escravos.

Esta economia dos povos europeus fundamentou-se na exploração dos povos autóctones “pacíficos” que habitavam por direito natural em suas terras africanas aonde tinham nascido e este domínio era imposto pela força do canhão e da pólvora e não pela razão fundamentada numa lógica social, ambiental e económica universal, equilibrada e respeitosa, numa troca cultural.

Apenas alguns poucos seres humanos desterrados, que vinham nestes grupos europeus, tiveram a percepção necessária para compreender que ali viviam humanos, povos com uma civilização e lógicas de organização social, económicas e políticas próprias.

A ideia que muitas vezes se partilhou, mesmo no campo académico entre alguns historiadores, foi simplista e paternalista porque aos dominadores assim continua a ser mais conveniente: “a de que esses povos tinham apenas como único objectivo viverem, bem alimentados por frutos do mar, frutos das árvores e da caça, num clima propício e uma natureza exuberante, gentes que eram com certeza felizes em seu habitat natural, famílias normais que viviam em terras imensas não superlotadas de pessoas e por isso a luta pelas terras não perturbava a harmonia entre aquelas tribos do sul”.

Esta é uma abordagem idílica com maior encaixe no campo literário da poesia e que – intencionalmente – vitimizava os dominados mas continuava a não lhes reconhecer as estruturas organizativas próprias da sua civilização.

Ocorre que o campo académico investiga e não é estático e abre-se a novos pensadores e a novas propostas de abordagem.

Hoje, século XXI, são por demais conhecidas abordagens históricas que se referem ao facto de os povos dominantes, no caso os europeus, terem invadido África e outros continentes, desde há centenas de anos.

A história não se apaga mas nunca se chegará a saber que desenvolvimento natural teriam as civilizações invadidas.

Tem-se apenas como resultante dessa invasão e nos países de origem, hoje em dia, uma economia que se pode considerar altamente consumista e até primitiva na sua forma de acumular capital como também no desenvolvimento dos povos colonizadores com fortíssimos conflitos na consolidação de suas identidades históricas e na formação do Estado Nação.

As consequências de toda esta dominação e imposição de modelos económicos, sociais e ambientais externos a cada civilização, são claramente notados nos desequilíbrios que actualmente são vividos e sentidos em todas as sociedades humanas e que já trouxeram consequências desastrosas para a vida no planeta e certamente trarão muitas mais pois as sociedades humanas, no geral, são muito lentas nas suas transformações e desenvolvimento mental.

As sociedades humanas, no geral, têm muito medo do novo, do diferente e do desconhecido, têm medo de arriscar mesmo intuindo que desse experimentar podem advir coisas inovadoras e interessantes.

Se a vida humana sobreviver a este sistema económico e ambiental actual, certamente outro sistema económico, social e ambiental mais equilibrado poderá ser construído e será interessante que os povos do sul, desde já, tenham também alguma ou muita participação nessa construção inovadora pois estamos no século XXI, era da informação, tendo a universidade como instrumento e eixo de reflexão desta realidade concreta, podendo assim adequar-se o conhecimento a um desenvolvimento real capaz de se apresentar e estabelecer parcerias como igual.

O que impede aos povos do sul desbravarem novas ideias? Serão sempre os povos do norte unicamente a determinarem novos rumos nas sociedades humanas? A África não pode assumir lideranças? Não há cidadãos em África capazes de ousarem um novo pensamento e novas experiências? África hoje é um conjunto diversificado de raças e culturas de origens planetárias, assim como todos os outros continentes e a Europa é um excelente exemplo dessa miscigenação cultural e racial.

Os povos do sul até hoje parecem adquirir com dificuldade a força mental necessária e capaz para ultrapassarem os modelos impostos e potenciando outros sistemas económicos mais equilibrados, sustentáveis e justos.

As Nações do Norte e do Sul, na sua generalidade, parecem não compreender que esta economia global é fundamentada em regras económicas, sociais e ambientais desequilibradas muitas vezes e os povos do sul, na maioria, supõem que utilizando-se do mesmo raciocínio dos povos do norte, das mesmas regras, conseguirão igualar-se a eles e beneficiarem dos mesmos padrões de vida. Fados de uns e fardos de outros.

Alguns poucos privilegiados nacionais podem até beneficiarem-se deste modelo económico actual mas serão sempre uns poucos pois a maioria certamente não conseguirá ter acesso aos mesmos benefícios que os povos do norte tiveram até agora pois o planeta caminha neste modelo actual para uma exaustão dos recurso naturais mais ainda porque a população mundial cresce exponencialmente e apenas a natureza poderá dar um “basta” neste caminhar. A sociedade humana está a demonstrar incapacidade para resolver esta crise criada por si. Pragmáticos mas positivos temos de agir.

É necessário e urgente, neste inicio do século XXI, nesta era da informação on-line, uma análise profunda em busca de novas soluções económicas. sociais e ambientais mais equilibradas, que satisfaçam e preservem melhor o planeta e suas sociedades e as universidades e escolas devem ter um papel preponderante nesta reflexão, nesta transformação urgentíssima.

É preciso insistir, sobretudo ao nível da educação, que as portas que o mundo digital abre, não devem levar a confundir informação com conhecimento nem distanciar-nos cada vez mais do local para um global uniformizante mas simplista.

Angola após a sua independência em 1975, está envolvida numa teia de fios económicos e sociais difíceis de desemaranhar pois o período pós-independência ficou marcado pela continuidade de conflitos armados mas desta vez, e mais uma vez, usados por interesses estrangeiros e também no interesses financeiros de alguns poucos ditos nacionais.

A velocidade do tempo não pode fazer-nos correr o risco de nos afastarmos cada vez mais do caminho que nos leve a encontrar os melhores azimutes para um desenvolvimento humano sustentado.

Após o novo executivo angolano ser eleito, propondo paradigmas económicos e sociais diferentes do executivo anterior, houve e persiste a esperança de se encontrarem novos rumos e soluções que satisfaçam a grande maioria do país no curto e médio prazo, entre as quais os instrumentos de consolidação de identidade do estado nação que permitirão certezas nas soluções de longo prazo.

Perante a gravidade do estado da economia que encontrou, o novo executivo optou por soluções económicas urgentes entre as quais um acordo com o FMI, organismo internacional sediado em New York, soluções estas que exigem de nós uma maior consciência da necessidade de pensar local e adequar os conhecimentos a uma realidade contextual concreta de forma a não incorrermos em riscos de soluções simplesmente impostas como verdades absolutas.

A realidade do que era preciso enfrentar para se ultrapassar a situação herdada do executivo angolano anterior, com novas e difíceis decisões económicas , não demorou a fazer-se sentir ao nível micro da quotidiana economia de cada um de nós: a população na sua grande maioria perdeu seu poder de compra em quase cem por cento e se em 2017 e 2018 cem kwanzas compravam dez pães, hoje compram apenas um ou dois pães e amanhã poderá ainda ser mais grave.

Ou seja, o levantar do véu sobre uma forma de agir do passado e a gravidade do que seria preciso enfrentar para assegurar mudanças sustentáveis, deixou à vista a difícil situação da crise que já se havia instalado e que bateu à porta da sociedade angolana, na maioria, perante a inevitabilidade do executivo de tomar medidas de correcção que, antecipadamente, sabia que seriam duras.

Como equilibrar então a inevitabilidade das mudanças e suas consequências, minimizando os efeitos sobre os cidadãos e tornando-os agentes de mudança e cidadania tambem, nesses esforço?

O primeiro passo, em nosso entender, está na necessidade urgente e imperiosa de assentarmos os pés num contexto que é o nosso.

Estamos a falar de Angola, não estamos a falar de países como o Dubai, Qatar, Israel e até Portugal, países que têm poucas riquezas naturais em seus territórios.

Estamos a falar de um país potencialmente muito rico em natureza onde novas medidas económicas não devem passar a percepção de que se piora a vida de sua população que numa grande maioria já é pobre.

A necessidade de se tomarem novas medidas económicas em Angola, exige naturalmente alguma retracção mas não a quase total depauperação e estagnação do país pois não são muitos os cidadãos e seus filhos e empresas nacionais que estão a conseguir sobreviver com dignidade a esta crise.

Torna-se ainda imperativo buscar aliados na classe média entretanto consolidada que é, normalmente, quem se sente mais atingida por estes processos e que mesmo constituindo uma pequena percentagem da população, tem uma imensa capacidade de influenciar políticas e correntes de opinião.

Medidas económicas em Angola devem ter sempre um sentido ascendente, não descendente, pois Angola tem riquezas suficientes para garantir uma economia mais estável e desenvolvida desde que bem administrada e com garantias soberanas:

A – O Executivo ao experimentar novas medidas económicas teria e tem de começar por arrumar a casa de dentro para fora ou seja, uma das primeiras medidas do executivo quando tomou posse deveria ser deixar de subsidiar as energias, gasolina, gasóleo, eletricidade e água, o que iria refrear a economia para um patamar mais realista e menos especulativo e com uma diminuição muito acentuada das despesas do governo.

B – Numa segunda medida, o executivo tem de enxugar o excesso de funcionalismo público que também é uma das dificuldades maiores financeiras do país pois uma parte muito significativa das divisas e impostos são canalizados para cobrir as despesas do funcionalismo público e sabe-se que este funcionalismo público além de ser pesado financeira e estruturalmente com muitos entrenós, é uma entidade cujos serviços muitas vezes não são eficientes e eficazes nem rentáveis pois há funcionários a mais exercendo funções a menos e até não exercendo função alguma útil, bem pelo contrário criando dificuldades para garantirem facilidades.

Os funcionários despedidos, inicialmente de forma voluntária, passariam por uma formação técnica no sentido de desenvolverem novas competências profissionais e também seriam motivados e preparados para tornarem-se novos empreendedores, com apoios institucionais reais.

Talvez se o poder de compra da maioria da população não tivesse diminuído tão drasticamente, como aconteceu com a liberação do câmbio logo no inicio do novo paradigma e consequente desvalorização do Kwanza, mesmo com o aumento de desemprego devido ao despedimento de uma parte do funcionalismo público, seria possível à sociedade sobreviver sem passar fome desde que o restante da população, formal e informal, não perdesse seu poder de compra acentuadamente e as empresas funcionais não fossem desmanteladas devido principalmente ao câmbio e desvalorização da moeda Kwanza.

A fome está a ser o principal estrangulamento da economia angolana juntamente com o desmanche perigoso das pequenas e médias empresas angolanas devido à perda do poder de compra de todos e consequente desemprego.

C - Após a diminuição de despesas do governo com estas duas importantes medidas, caso estas medidas estivessem a ser implementadas correctamente, e sem o restante da economia perder acentuadamente seu poder de compra, o governo desburocratizaria os seus serviços, corrigiria o que está mal, ordenaria melhor os serviços fiscais e inovaria com o IVA na formalização das empresas infrormais, obrigaria ao cumprimento, por parte das instituições Financeiras, das regras bancárias na compra e venda de divisas, nos seus serviços e no credito à economia e também privatizaria suas empresas públicas.

D - As empresas públicas e privadas têm também de participar no esforço económico, social e ambiental e os administradores públicos têm de ser responsabilizados com rigor no cumprimento de suas funções em termos de eficiência e eficácia.

E - O aspecto da corrupção deve estar em destaque e ser tratado com rigor pois dificulta muito o desenvolvimento sustentado do país.

F - A inserção de novas notas da família Kwanza ou até a troca de moeda deveria ser feita antes de liberação cambial ou só após uma estabilização real desse mesmo câmbio pois tem sempre efeitos especulativos e a estabilidade da moeda é muito importante.

G – Após a implementação das medidas anteriormente descritas de uma forma muito genérica, então haveria certamente espaço para a liberação cambial de forma livre, com algum controle inicial e um estoque suficiente de divisas para dar lastro à moeda e cortar os efeitos especulativos de grupos desestabilizadores, sempre os há em muitos países, até o mercado ser o motor equilibrador do valor real das moedas e esta medida teria de ser num tempo médio, jamais num tempo curto.

Talvez Angola estivesse agora mais tranquila para tomar decisões politicas, económicas, sociais e ambientais e pudesse projectar melhor o seu presente e o seu futuro.

Com as medidas económicas que foram implementadas até agora, causou-se o desmantelamento de muitas empresas angolanas e outras, formais e informais, e consequentemente gerou-se mais desemprego, diminuição na arrecadação de impostos, aumento da criminalidade, da fome e piora na saúde pública.

Também não se entende que um Ministro que esteve directamente envolvido nestas tomadas de decisões económicas, tendo ocupado um cargo da mais alta relevância a nível interno e externo, simplesmente tenha sido substituído, abandonando totalmente suas responsabilidades e hoje não participe mais no acompanhamento económico das medidas adoptadas pelo país durante sua gestão e que tanto afectaram a nação, interna e externamente.

Neste caminho em que Angola está, não será fácil encontrar soluções sustentáveis a curto e médio prazo e isto pode agravar ainda mais a crise económica e social pois os investidores nacionais que conseguiram sobreviver, retraem-se cada vez mais a novos investimentos e novos projectos e se a casa angolana continuar com muita desordem, certamente os investidores estrangeiros também deixarão de ter interesse em Angola pois não querem correr riscos, em todos os domínios, e não adianta o executivo querer escamotear estas informações e realidades pois tudo o que é ruim se transmite mais célere.

Há que encontrar novas soluções urgentemente.

PROPOSTA DE UM PLANO ECONÓMICO PARA ANGOLA SIMILAR AO “PLANO MARSHALL”.

O PLANO MARSHALL ( Programa de Recuperação Europeia) foi o principal plano dos Estados Unidos, à época considerada a principal potência militar e ECONÓMICA mundial, para a reconstrução dos países aliados europeus nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial.

Esta iniciativa recebeu o nome do Secretário de Estado americano George Marshall.

Os americanos financiaram com quatorze mil milhões (14.000.000) de dólares, hoje equivalente a cem mil milhões (100.000.000), a reconstrução da economia europeia e este valor foi entregue à Organização Europeia para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECDE).

O objectivo deste plano era reconstruir as regiões europeias devastadas pela Segunda Guerra Mundial, modernizando sua industria e melhorando a prosperidade europeia.

Os principais beneficiados foram o Reino Unido (recebeu 26% do total deste valor), França ( 18%), Alemanha Ocidental ( 11%) num total de dezoito países.

Sem aqui se aprofundar muito este plano Marshall, prós e contras, no entanto trouxe benefícios económicos para estes países e ajudou muito na sua recuperação.

Porquê não se criar um Plano Económico similar ao “Plano Marshall” para Angola?

Analisam-se aqui algumas ideias básicas mas naturalmente é necessário um planeamento profundo e cuidadoso de maneira a se definirem as melhores soluções, mais equilibradas e realistas, para o desenvolvimento de um plano económico capaz de alavancar Angola para um patamar mais desenvolvido onde já deveria estar.

Os Estados Unidos da América neste ano de 2020 apresentaram uma proposta de paz para Israel e Cisjordânia, proposta esta não aceita pela Cisjordânia, aonde os Estados Unidos financiariam a economia da Cisjordânia com cinquenta mil milhões (50.000.000) de dólares.

Há alguns países mais desenvolvidos com uma grande capacidade financeira, Alemanha, Japão, China, Estados Unidos, Inglaterra, e outros, não muitos, que poderiam estar interessados em financiar a economia angolana, dentro de parâmetros mais rigorosos e com contrapartidas lógicas que beneficiassem ambas as partes.

Angola poderia propor um plano a médio e longo prazo para um desenvolvimento sustentado e diversificado de sua economia, financiado por um pequeno grupo de países financeiramente capazes e interessados, liderado por um grupo angolano da elite económica, experiente e bem informado, e por uma assessoria económica de excelência e rigorosa por parte dos países interessados, com garantias soberanas, num prazo de trinta anos talvez, num valor considerado suficiente, talvez acima de duzentos ou trezentos mil milhões de euros ou dólares, valor este a ser calculado correctamente, que permitisse construir um desenvolvimento acelerado e diversificado de sua economia, de forma sustentável, aberta ao investimento estrangeiro privado e público, reconstruindo-se as estruturas funcionais internas de Angola, de forma definitiva e com qualidade, ambientalmente equilibradas.

O Japão, por exemplo, durante a era colonial, explorou ferro no sul de Angola e poderia voltar novamente a desenvolver este e outros projectos num acordo de trinta anos, por exemplo, e ao fim deste tempo devolveria estes projectos aos angolanos, totalmente desenvolvidos e após este tempo poderia continuar a ser parceiro nos mesmos.

Os alemães, poderiam explorar Okavango para turismo e explorar outros produtos no sul pois já estão há muito s anos nesta região e são os melhores nestes projectos de turismo.

A Alemanha, com seu rigor e capacidade tecnológica, poderia desenvolver projectos industriais fundamentais na desenvolvimento da economia angolana, tipo industria de vidro, aço, betão, transportes, energia renovável, etc., explorando-os durante trinta anos e entregando-os totalmente funcionais ao término dos contractos e até continuando nas parcerias.

Outros países participantes deste plano poderiam desenvolver e explorar determinadas riquezas que Angola tem, durante trinta anos por exemplo, tempo considerado suficiente talvez para desenvolver determinados projectos.

As riquezas advindas destes projectos económicos pagariam o financiamento inicial e ao fim destes anos, estas regiões teriam de ser entregues desenvolvidas e funcionais aos angolanos devidamente preparados para tal administração e até manter estas parcerias caso houvesse interesse das partes.

Porquê Angola não pode ter a ousadia de pensar, projectar e executar em parceria com alguns poucos países disponíveis, financeiramente mais capazes e desenvolvidos, um plano semelhante ao Plano Marshall?

Outros países potencialmente menos capazes e num patamar menos desenvolvido anteriormente, construíram seu desenvolvimento sustentado em trinta e quarenta anos e hoje são referência mundial.

Valdemar F. Ribeiro

Economista, empresário Industrial e ambientalista.

Lubango/Angola aos quatro de Fevereiro de 2020.