Vale dos Desaparecidos

Parece nome de filme faroeste, mas não é. É o Vale do Paraopeba, com centenas de mortos e desaparecidos, na maior tragédia do Estado. Esta evidente a incúria de uma empresa que se julga infalível nas suas decisões, passando por cima das manifestações que não constam de sua cartilha. Não se trata de demonizar a atividade mineral, mas sim de chamar à responsabilidade todos os atores que contribuíram para a tragédia anunciada, desde o momento que os consultores foram chamados para garantir uma segurança que não havia.

Não vamos esconder os outros problemas que condicionam a atividade. As relações promíscuas entre as grandes mineradoras e os políticos, que fazem, abertamente, o lobby na defesa dos interesses corporativos, relegam para segundo plano a obrigação de deixar um legado no rastro das regiões onde atuam, com projetos consistentes, tanto na atividade ambiental como na social. Aliás, as distorções encontradas nas agências reguladoras da mineração são as mesmas extensivas a outras agências de controle da atividade econômica, até hoje politicamente aparelhadas. A corrupção está enraizada na cultura da administração pública.

Minas Gerais é um Estado privilegiado; se o leitor abaixar-se para pegar uma pedra e jogar em um cachorro doido, pode estar pegando um pedaço da nossa riqueza. Nela pode conter ferro, manganês, carbonatos de cálcio e magnésio, silício e outros. Conforme a região, a pedra pode conter até uma pitada de ouro. Então, não venham dizer que o nosso minério é finito, usando frases de efeito como “minério só dá uma safra”. Daqui a mil anos, se, e quando, começarem a rarear os minérios de ferro de alto teor, ainda teremos as minas com teores menores. Para isso temos os processos de concentração.

Naturalmente, existem questões de mercado, que devem orientar o país como potência competidora. Nota-se, porém, um condicionamento oculto, impedindo a discussão, com seriedade, das matérias que interessam à sociedade. O tema precisa sair dos gabinetes de Brasília e das corporações comprometidas. Royalties, alíquotas tributárias, compensações ambientais e sociais e agregação de valores, são temas que interessam à sociedade como um todo. Sem esquecer a prevalência das questões de segurança que afligem os moradores do entorno

Em artigo publicado na imprensa, o professor José Osvaldo Lasmar mostrou um exemplo do comprometimento político em outros países. Ele cita a espetacular recuperação da região carbonífera de “Nord Pas de Calais”, na França. Antes degradada, a área, hoje, se constitui em um cartão-postal, com grande apelo turístico e cultural. Legislação impositiva e vontade política são elementos essenciais que rareiam no nosso rico país mineral e na nossa pobre administração pública. No rastro deixado pelas mineradoras deve preceder uma atitude de recuperação, com projetos que preservem a dignidade do ser humano impactado. É muito pouco o que se pede.