CAPITAL INTERNACIONAL X NACIONAL

Se você acha que o modo de agir dos capitalistas é o mesmo, independente de sua origem, pretendo que repense isso. Vou falar um pouco a respeito e acho que ao final você poderá concluir sobre o que acho melhor para nós, que não somos capitalistas.

Minha experiência pessoal diz o contrário. O capital é fortemente influenciado pela sua origem, segue os padrões de seu país de origem. Trabalhei numa multinacional americana. O respeito às leis e regras era total. Gastávamos muito mais que os concorrentes para atender todas as normas tributárias, de qualidade dos produtos e leis de consumo. Havia uma cultura de planejamento, de pensar na continuidade da empresa no longo prazo, de investir nos funcionários. Os investimentos viam da matriz, diretos da empresa. O ambiente era profissional, de respeito às pessoas. As pessoas assumiam responsabilidades por seus atos.

Depois que saí de lá, trabalhei um tempo numa grande empresa nacional de odontologia. A diferença era brutal, começava na forma de emprego. Todos executivos eram terceirizados, para pagarem menos impostos. A empresa tinha uma pendência tributária, por interpretar uma lei de forma a recolher menos tributos. Nunca provisionou nada para pagá-la, se perdesse a causa quebraria. Mas ninguém pensava nisso, só no curto prazo. Quando construiu sua fábrica, recorreu a financiamento público. O mesmo recurso que reduzia sonegando tributos. Os donos da empresa agiam como se o mundo girasse em torno deles, todas as decisões eram sujeitas a seus caprichos, o interesse deles era mais importante que o da empresa. Não consegui me acostumar, saí logo.

Não posso assumir que minha experiência pessoal seja igual à de todos, nem basear minha análise nisso, por mais negativa que sejam minhas impressões. Vamos analisar de forma mais ampla.

Pensando na história do Brasil, desde a independência foi um país dominado por uma aristocracia que vivia de exportar produtos agrícolas. Com o tempo surgiram indústrias voltadas para o mercado interno. Não é exagero dizer que o capital nacional reinou absoluto durante quase 100 anos.

A primeira grande abertura ao capital internacional foi a implantação da indústria automobilística. Ela chegou ao país nos anos 50, por esforço do governo. Até onde eu saiba, as indústrias sempre cumpriram seus compromissos tributários. Treinaram pessoas, desenvolveram tecnologias, montaram fábricas. Nunca soube de uma indústria automobilística que tenha tomado recursos públicos, não pagado e fechado as portas e sumido. Verdade que por causa dela não temos ferrovias, mas quem fez as leis que determinaram isso foram os governantes, não as indústrias. Também é verdadeiro que muitas conseguiram vantagens tributárias, obtidas com base em leis, que os políticos locais aprovaram. Mas os casos que não deram certo, Dodge, por exemplo, venderam seus ativos, resolveram seu problema. Porque no seu país de origem, o governo não salva empresa mal administrada.

Um outro exemplo de entrada de capital internacional foi a chamada “privataria tucana”, a venda de empresas estatais de telefonia e energia elétrica para multinacionais, por um valor menor do que o de mercado. Ninguém lembra que as empresas geravam déficits que erram cobertos com dinheiro público. Que havia falta crônica de telefones, e eram precisos meses ou anos para conseguir uma linha por um plano de expansão. As empresas que vieram resolveram em poucos anos a falta de telefones que durava décadas. Hoje temos quase uma linha telefônica por habitante e a mesma tecnologia que o mundo usa. Há problemas e preços altos. O governo que deveria fiscalizá-las não consegue fazer isso. Muitas delas tiveram baixa rentabilidade, insistiram, aportaram mais recursos. Houve até as que foram vendidas, de sua própria iniciativa. De novo, resolveram seus problemas.

Veio um novo governo que via a influência externa como negativa e apostou no capital nacional. Três grandes grupos cresceram como nunca, empreiteiras, os “campeões nacionais” e os grandes bancos. Todos eles enriqueceram às nossas custas. Em troca de financiamento para os políticos, foram beneficiadas com dinheiro público. As empreiteiras, na forma de obras superfaturadas; os “campeões nacionais”, grupo X do Eike Batista, JBS entre outros, com financiamentos públicos a juros baixos do BNDES; os bancos particulares, Itaú e Bradesco sobretudo, substituíram os organismos internacionais na titularidade sobre a dívida pública, tornaram-se os bancos mais rentáveis do mundo, enquanto nós pagamos os maiores juros do mundo.

Estranhamente, um governo de esquerda acreditava no mesmo Brasil para brasileiros dos militares. Enquanto o mundo diminuía fronteiras, a Europa formava um grupo único e reforçava suas parcerias, o Brasil queria uma política independente, aliava-se aos latinos bolivarianos e trocava os grandes mercados internacionais pelo Irã, China, Índia e países não alinhados. Importávamos de tudo da China e exportávamos commodities.

Nossos capitalistas tentaram exportar seus padrões morais para o mundo. As empreiteiras foram para países subdesenvolvidos e ganharam obras financiando os políticos. Fizeram isso nos países aliados ao governo de esquerda, notadamente em Cuba, na Venezuela, na Argentina na época dos Kirschner e na África. A JBS está sendo processada nos Estados Unidos por não cumprir normas legais, da mesma forma que as empresas de Eike Batista. Qual a solução? Acordos de leniência no Brasil para o dinheiro público resolver seus problemas.

Talvez o noticiário brasileiro e minhas experiências sejam visões distorcidas do que é o capital, ou talvez minha opinião seja prejudicada pela minha ideologia. Vamos tentar olhar o mundo.

Durante décadas, o mundo foi dividido entre americanos e soviéticos. O que fizeram os então soviéticos com o capital de sua magnífica produção de petróleo? Patrocinaram regimes parecidos aos seus, dominados por uma elite política e partidos únicos. Assim surgiram ditaduras em Cuba, em vários países africanos, na Nicarágua e outros países. O que ofereceram os soviéticos a esses países? Armas para manter seus aliados e petróleo. Produtos da matriz para a colônia. Não investiram na produção dos países, nem em pessoas. Investiram numa educação ideológica, na divulgação dos valores de esquerda. Mantém ditadores para exportar seus produtos.

O que fizeram os americanos? Criaram companhias multinacionais, que entraram em muitos países. Até onde li, nunca soube destas empresas não pagarem impostos, nem escravizarem trabalhadores. Verdade que financiaram governos conservadores, sobretudo para evitarem estatização de seu patrimônio. Criaram fábricas nesses países, investiram em treinamento de pessoas, divulgaram tecnologias, trouxeram pessoas para os Estados Unidos para conhecerem seus valores. Enviaram grande parte dos lucros para sua sede. Só que deixaram desenvolvimento nos países em que entraram.

Recentemente, o mundo deixou de ser dividido só entre os dois. Temos hoje, várias outras potências com capital, a União Soviética virou Rússia. Os modelos americano e russo não mudaram significativamente, então vamos pensar sobre os outros.

A segunda economia do mundo é a China. Seu modelo de desenvolvimento é, sobretudo, de exportação de seus produtos. Investem pesadamente no seu país, hoje produzem de tudo e não só produtos de baixa qualidade. Atraíram capital do mundo, muitas empresas têm fábricas na China, para exportar e tentar entrar no mercado chinês, o que na maioria dos casos não ocorre, acabam tendo sua tecnologia absorvida e copiada. Os chineses compram de tudo no mundo, sobretudo títulos públicos americanos. Começam agora ter suas multinacionais. Parece que são dominadas por executivos chineses, não se incomodam muito em entrar em negócios suspeitos. Mas estão trazendo desenvolvimento aos países, embora destruam indústrias com sua exportação baseada em dumping.

Não tenho uma conclusão sobre se trazem mais bem ou mal. Tenho muito medo de como vão crescer mais, sua ideologia não é clara. São governados por uma ditadura, a imprensa é controlada e até onde sei, a distribuição de renda é ruim e a corrupção corre solta.

Os alemães e japoneses, as outras maiores economias têm a maior parte de sua economia é baseada em exportação, sobretudo para os mercados desenvolvidos, produtos de alta tecnologia e qualidade. Investem pesado em e educação, respeitam normas, são companhias éticas. Internacionalizam seus valores, adaptam-se aos países. Com menos ênfase, adotam o padrão americano de multinacionais pelo mundo.

Há poucos países que se tornaram desenvolvidos nas últimas décadas, o mais bem sucedido é a Coreia do Sul. No passado, era um país dominado pelos americanos, um importador de produtos. Só que incorporou valores, criou inicialmente produção a baixo custo para indústrias americanas, investiu forte em educação e tornou-se um país aberto ao mundo, baseado em exportações. Suas empresas incorporaram tecnologias e se desenvolveram. Hoje, começam a ir para os outros países. Não sei dizer sobre como agem onde atuam. Parece que são boas empresas para se trabalhar, e o que vejo, que são seus carros e celulares, são de alta tecnologia.

Muito se fala que o capital internacional financiou nossa ditadura e os conservadores. Em minha visão, foram apoiadores, os maiores beneficiados foram os empresários brasileiros. O capital internacional é influenciador, não é decisor. O capital estrangeiro não vive do Brasil, para eles é um de muitos mercados. Ele se alia às elites e garante o espaço para poder continuar vendendo e lucrando no país, porém não é dependente do estado.

Já o capital nacional depende profundamente do estado. Nunca tivemos uma companhia brasileira capaz de se expandir pelo mundo. Todas, sem exceção alguma, vivem do mercado interno ou no máximo de exportar produtos daqui para outros países com apoio de subsídios. Isso porque não conseguem competir sem apoio. O modelo de sucesso do capital nacional é influenciar o governo para obter vantagens. Podem ser regras que dificultem a entrada de produtos estrangeiros, pode ser um câmbio desvalorizado para o mesmo motivo, podem ser regras de licitações que facilitem suas vitórias, financiamento público a juros mais baixos, subsídios à exportação.

O capital segue os padrões de sua origem. As empresas nacionais não pensam em desenvolver tecnologias que os outros não podem copiar para vender para o mundo. Querem é proteger o mercado local para si, com leis criadas pelos governantes que financiam. Sejam petistas ou tucanos, ou de qualquer outro partido. Se algo dá errado, nada de mudar as estruturas, menos ainda de penalizar quem investiu em falcatruas, ou de confiscar suas riquezas.

É mais barato mudar nosso mundinho a seu favor. Negocia uma anistia tributária, um refinanciamento público ou uma proteção de mercado. Esse é o padrão moral do empresário nacional, o “jeitinho”, a exceção para “só na situação atípica” serem favorecidos.

O capital internacional quer mercados abertos, para poder competir. Suas forças são recursos para investir, conhecimento tecnológico e pessoas mais capacitadas pelo investimento em educação. Porque essa é uma fórmula que serve em qualquer lugar, não só nos seus mercados internos.

O que é melhor para nós? O que é melhor para quem não é capitalista, vive predominantemente de salário? É trabalhar para quem oferece mais benefícios, melhores salários e desenvolvimento pessoal. Com toda certeza minha experiência pessoal influencia muito minha visão, acho incomparavelmente melhores as condições que as empresas multinacionais oferecem aos funcionários do que as nacionais. Seu capital é o de muitos acionistas, não de um único dono, que se tiver de optar entre a empresa e seu patrimônio sempre cuidará do seu dinheiro primeiro.

Para mim, sem dúvida o capital internacional traz mais benefícios e menos danos. Os países que se abriram a ele, como Alemanha, Japão, Coreia e até China, cresceram, se desenvolveram rapidamente, tornaram-se mais inclusivos. Na América Latina, o único país que cresce consistentemente há anos é o Chile, coincidentemente o que se abre para o mundo. Os que se fecharam criaram elites que se fortaleceram e enriqueceram cada vez mais. Assim foram as ditaduras por todo mundo, e assim é nosso país.

Não vejo muita esperança do Brasil se desenvolver sem capital internacional, porque os valores do capital nacional e de nossa elite são ruins. É gente que enriqueceu às custas do estado e que sabe que enquanto dominar os políticos que fazem as leis, sempre conseguirá um benefício novo. Ainda que fossem bons valores, sua capacidade de investimento é limitada, pois são recursos de muito pouca gente.

Precisamos de novos valores e certamente eles não virão de nossa elite. Menos ainda dos intelectuais que continuam defendendo os modelos econômicos de Celso Furtado, dos anos 60, da proteção da indústria. Não há quem defenda um país internacionalizado, parte do mundo, incentivando o investimento externo.

A esperança são os estrangeiros que estão vindo para cá e os jovens que vão estudar no exterior. Gente que enxerga que o mundo é grande e o quanto precisamos fazer parte dele. Só não sei se essa gente não vai preferir ficar por lá do que tentar mudar o rumo desse país, eternamente do futuro.
Paulo Gussoni
Enviado por Paulo Gussoni em 22/07/2017
Código do texto: T6062071
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