Dúvidas sobre política e crise econômica
Este artigo foi escrito em janeiro de 2016; desde então muita coisa mudou na conjuntura nacional, portanto recomendo uma leitura mais atenta.
Dias atrás, na época do Natal, fui a um shopping center e fiquei admirado com o movimento. O estacionamento estava lotadíssimo, cheio de modelos novos, daqueles de R$ 100 a 200 mil. Até fiquei com vergonha do meu querido calhambeque.
Ali, não vi a crise econômica de que se ouve falar no noticiário, repetidamente, insistentemente, propagandisticamente.
É verdade que o estacionamento estava lotado, mas as lojas estavam vendendo pouco. Muita gente caminhando no shopping, pouco dinheiro pingando nos caixas. Fui ver alguns presentes para comprar, e logo percebi a razão: os preços estavam altos, muito altos.
Tenho boas razões para acreditar que existe uma certa crise, especialmente no setor público, que não está arrecadando o suficiente para pagar suas contas, nem tem competência para sanar seu orçamento. Tenho boas razões para crer que na mídia politicamente comprometida a lagartixa vira um dragão imenso a assombrar a mente das pessoas.
Não sou bacharel em Ciência Política, mas não sou totalmente burro. Assisto ao noticiário, leio algumas revistas, leio alguns e-mails sobre a suposta "porcaria" que nosso país se tornou a partir de 2002, depois que o PT assumiu o poder, na opinião dos partidos de oposição. Passo os olhos pelos perfis de meus amigos do Facebook, e quando surge alguma curiosidade faço uma rápida pesquisa no Google. Assim, tento compreender o que está acontecendo na economia do país. E sobre a propalada crise surgem mais dúvidas do que explicações.
O que não entendo é porque os preços não baixam. Na minha limitada compreensão da teoria econômica, acredito que quando os consumidores não compram as mercadorias porque estão caras, o melhor jeito de vendê-las é reduzindo os preços. Mas não é isto o que se vê: passaram as festas de fim de ano e em janeiro os preços aumentaram ainda mais. Então, o que temos é inflação, e não crise. Sim, inflação é mau sinal, evidência de que alguma coisa não vai bem na economia, mas aquilo que antigamente se chamava de "carestia" é algo bem pior que isso. E inflação também, já tivemos bem pior, mas o Brasil não quebrou. FHC surgiu montado num corcel branco ajaezado com ouro britânico e americano e num único golpe de sua douta caneta colocou a moeda nacional nos eixos.
Ah!, o volume da produção industrial caiu, as montadoras de automóveis estão com os pátios lotadíssimos de carros encalhados, e isso esses seriam sinais de crise? Claro que o nível de consumo cai: os preços estão altos demais... A renda da classe média está sendo esmagada!
O PIB está encolhendo alguma coisa por cento. E daí? Vai me dizer que os brasileiros não têm reservas para sobreviver até a passar uma crise como esta?
Ou o caso não é sobreviver, mas nunca abrir mão do "padrão de consumo"? O crescimento que acumulamos até agora não conta? Diminuir um pouco será o fim do mundo? Ora, essencial mesmo é manter o nível de produção de comida, senão a gente morre. O resto é relativo.
Numa crise real milhares de empresas pedem falência ou concordata. Não tenho prestado atenção nesse pormenor, mas por acaso você saberia me dizer se tem muita empresa bem administrada em processo de falência, ou pedindo concordata? Tem empresário voltando a trabalhar com carteira assinada porque ficou pobre? Na verdade eu só vejo empregados sendo demitidos, esses sim têm razão ao dizer que estão com sérios problemas.
Será que o sistema financeiro está em crise? Os quatro maiores bancos do país lucram junto “apenas” R$ 5 bilhões por mês. Em crise devem estar os demais bancos, que não lucram tanto, coitados. Crise de vaidade, certamente.
A crise deve estar na indústria e no comércio... Mas, por quê até agora não vi uma notícia de que as lojas baixaram seus preços, para a inflação diminuir, ou que a FIESP reuniu os empresários industriais e estes combinaram de abrir mão do lucro das suas empresas por seis meses, para ajudar os preços a caírem e assim contribuírem para a queda da inflação.
Os verdadeiros donos da economia brasileira, que são as instituições financeiras(*), e elas faturam R$ 64 bilhões mensais só de juros que recebem do Tesouro Nacional. Com a crise, esse dinheiro deveria diminuir, pela queda das taxas de juros, mas o que acontece é justamente o contrário. Com a dita crise, os juros sobem e aumenta a despesa financeira do governo endividado, piorando as coisas para o governo e para a população que paga juros, aumentando a alegria do sistema financeiro e dos políticos de oposição, que assim têm do que acusar o partido do governo. (Como fazia o partido do governo, antes de ser eleito).
Obviamente os banqueiros (sócios de bancos) não embolsam sozinhos esse mensalão de R$ 64 bilhões: a maior parte vai para os investidores, ou seja, para pessoas que têm dinheiro guardado e deixam nos bancos rendendo juros. Seriam estrangeiros os donos daqueles R$ 2,6 trilhões da dívida interna brasileira, dividindo entre si os 64 bilhões mensais? Não, 60% são brasileiros, donos de R$ 1,6 trilhões guardados nos bancos. É uma respeitável poupança, que não deveria estar rendendo juros, mas comprando máquinas e capitalizando empresas produtivas.
É claro que os aplicadores de capital financeiro fizeram por merecer sua poupança, mas por que essa poupança não é usada para capitalizar empresas na forma de capital de risco? Ninguém quer saber da crise do vizinho, apenas a sua interessa.
Claro: cada vez que a taxa Selic aumenta meio por cento, para “combater a crise”, esses brasileiros capitalizados ganham R$ 1,3 bilhões a mais por mês, e os brasileiros sem capital, sejam "ricos" sejam pobres, compram R$ 1,3 bilhões a menos de frutas e verduras, carne, leite e ovos, roupas, sapatos, combustível e coisas realmente essenciais.
Pronto! Falei dos juros e agora terei que ouvir aquela história da contenção da demanda, do comércio que apenas repassa o custo da indústria, que precisa repassar o custo dos impostos e da infra-estrutura ruim etc e tal.
O governo administra mal, não faz o que deve ser feito para o Brasil ter uma economia equilibrada, flexível, voltada para as necessidades mais básicas da sociedade. Mas onde está a iniciativa privada, que não constrói ferrovias, para baratear o transporte, que não aplica dinheiro de verdade em geração de energia limpa, que fabrica mais telefone celular e menos trator, mais carro de luxo e menos ônibus? Que constrói mais apartamento e condomínio de luxo e menos casa popular? É o governo quem deve construir estradas, para depois uma empreiteira cobrar pedágio?
Sim, tem os interesses ocultos, de corporações gigantescas que não deixam ninguém modernizar o sistema de transporte e a matriz energética do país, porque quanto mais rodovias, e quanto piores estejam elas, melhor para que lucra com a venda de pneus, peças de reposição, óleo diesel etc.
Voltemos ao assunto. Não faltam condições para contornar os efeitos da crise e retomar a normalidade dos negócios. Não faltam meios para manter todos os brasileiros empregados e bem assalariados. Falta é todos e cada um esquecer um pouco de si próprio e desejar o melhor para todos. Cada um cuida do que é seu e se lixem os demais. Quem sabe tirar proveito da "crise" deita e rola. A verdadeira crise é de responsabilidade social, de moral para cobrar do governo que desempenhe melhor suas funções, de ciência e consciência para abrir os olhos bem abertos e ver o que acontece de fato.
Acredito, sim, que é possível investir capital com responsabilidade social, e que ao governo cabe, entre outras coisas, conduzir os investimentos para aqueles setores que produzem o que interessa mais ao abastecimento e menos aos "sonhos de consumo". Acredito que um planejamento econômico de verdade reduziria os privilégios do setor financeiro (tanto quanto se sonha reduzir os privilégios dos deputados e senadores), para sobrar dinheiro para os setores produtivos e para os programas sociais. Esse planejamento, no entanto, é conversa para outra hora. Não estou disposto neste momento para ouvir "você é apenas um maldito comunista".
Enfim, não acredito nessa crise do noticiário. Acredito, sim, que existe uma crise de honestidade nos noticiários, e que falar de crise - neste momento - é parte de uma propaganda que visa eleger governantes futuros do tipo que pretende extinguir os programas sociais e "reduzir a máquina pública”. Por redução de máquina pública entendem o sucateamento dos serviços públicos, a condenação dos 12 milhões de servidores, porque alguém quer colocar a mão nos R$ 200 bilhões que eles ganham por mês. Essa falsa modernização não prevê nenhum melhoramento técnico dos serviços públicos, e deixará a dívida pública rolar à vontade, morro a baixo, como bola de neve, porque os donos da economia (já disse quem são) assim o desejam.
(*) Notícia no G1: ""Mesmo em meio à turbulência vivida pela economia brasileira e que pode levar o país a registrar a primeira recessão após a crise mundial de 2009, existe um setor que não deixou de crescer este ano: o bancário. Enquanto a indústria recuou mais de 6% no primeiro semestre e o comércio registrou a maior queda nas vendas desde 2003, o lucro dos bancos bateu recordes. Somados, os ganhos dos quatro maiores bancos cresceram mais de 40% no primeiro semestre, na comparação com os primeiros seis meses de 2014."" (http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/08/mesmo-diante-de-crise-lucro-dos-bancos-nao-para-de-crescer.html, tanscrito hoje, 16/01/2015)