Indústria e Produtividade na Economia
Muito se tem falado (e enaltecido) o fluxo de investimentos estrangeiros para o Brasil nos últimos anos, que ajudou a equilibrar nossas contas externas e adiou a crise econômica que hora se descortina. No entanto, apesar de todo este elevado nível de investimentos feito por empresas estrangeiras em nosso país já há bastante tempo, a crise agora chegou, inexoravelmente. O que aconteceu? O que será que deu tão extraordinariamente errado a ponto de mergulhar a economia brasileira novamente na estagnação, apesar da confiança demonstrada pelos estrangeiros, de todos os recursos investidos e de todo o potencial de nossa nação?
A resposta a esta pergunta já foi dada por diversos economistas, baseados em dados do próprio IBGE: Nossa economia perdeu produtividade. Os ganhos em termos de crescimento da mão de obra empregada e de aumento real dos salários não foi acompanhado pelo aumento da produtividade média do trabalhador brasileiro, o que acabou por eliminar o nosso acesso aos mercados internacionais, elevar os custos locais e pressionar a lucratividade das empresas instaladas aqui (principalmente através da concorrência com os produtos importados). Tudo isso acabou por resultar na retração da atividade econômica e em inflação, apesar de todos os incentivos e esperanças do último governo. Mesmo com o nível de emprego elevado como “nunca antes na história deste país”.
Portanto, a questão realmente mais importante que permanece é: Por quê isso aconteceu? Qual o motivo da produtividade no restante do mundo ter apresentado um crescimento significativo nas últimas décadas, principalmente em países classificados como ainda “em desenvolvimento”, ao passo que aqui, com todos os investimentos estrangeiros realizados, ela não parou de cair? Um dos motivos apontados foi a mudança de nosso perfil econômico, com o crescimento do setor de serviços e de bens primários e a queda da participação da indústria no PIB nacional. Mas se boa parte dos investimentos diretos estrangeiros foi aplicado exatamente no setor industrial (com a indústria automobilística como exemplo mais relevante, embora não o único), como é possível que a participação da produção industrial no PIB esteja caindo? Será que as fábricas de empresas estrangeiras instaladas aqui são demasiado antiquadas, com equipamentos primitivos que permitem apenas processos de produção obsoletos? Ou será que nossos trabalhadores, que as operam, tem alguma deficiência física, mental ou educacional que os impede de alcançar os mesmos níveis de produtividade de seus colegas em outros países? Qual é afinal o problema das indústrias instaladas no Brasil, sejam elas nacionais ou estrangeiras, novas ou antigas? Porque sua produtividade comparada com as de suas congêneres de outras nações é tão baixa, e não para de cair?
Na verdade, dos portões para dentro de fábricas em qualquer segmento industrial e nível tecnológico a produtividade varia muito pouco de uma empresa para outra, independentemente do país onde elas estejam instaladas. Eu pessoalmente vi isso inúmeras vezes nos meus serviços de consultoria, pois visitei várias empresas que eram filiais de multinacionais e cujas linhas de fabricação instaladas aqui no Brasil tinham um nível de produtividade similar ao de suas matrizes nos países desenvolvidos, em muitos casos até superior. Basta organizar a produção de forma racional e utilizar equipamentos que não estejam completamente defasados nos gargalos da linha que em tempos surpreendentemente curtos as fábricas de multinacionais instaladas em nosso país conseguem níveis de produtividade (em termos de produção e qualidade / empregado da linha) no mesmo patamar que as instaladas na Alemanha, EUA ou Japão. E isso mesmo quando os investimentos em tecnologia de produção aqui são menores. Cansei de presenciar este tipo de situação.
Pegando um exemplo hipotético proposto recentemente por um economista menos avisado, se, por exemplo, a Boeing decidir montar uma linha de produção em nosso país, digamos em Aracajú, ela fabricará seus aviões basicamente com a mesma qualidade, os mesmos prazos e empregando basicamente a mesma quantidade de recursos e de mão de obra que nos EUA. É claro que isso demandará algum tempo para que se selecione e treine o pessoal, mas as atividades de linha de montagem são basicamente manuais e isso um nativo de Seatle ou um de Aracajú pode fazer basicamente com o mesmo nível de eficiência. E para as tarefas mais sofisticadas que exijam um pouco mais de especialização (como controle de qualidade) pode-se contratar profissionais de outros estados, ou mesmo trazer alguém diretamente dos EUA. Não há nada que inviabilize uma linha de montagem no Brasil com o mesmo nível de produtividade de outra lá fora, como mostram as múltiplas montadoras de automóveis que já construíram ou estão construindo fábricas fora do eixo Rio-São Paulo e operando com basicamente a mesma produtividade, apesar de alguns problemas iniciais (que também acontecem em qualquer lugar).
Podem sim existir algumas peculiaridades menores devidas a questões de escala ou de investimentos (por exemplo, pode ser que uma determinada operação seja feita por robôs na matriz e manualmente no Brasil, simplesmente porque aqui não se produzem peças suficientes para justificar a compra de um robô). Mas o impacto disso na produtividade da produção em si é bem pequeno, na faixa de no máximo alguns pontos por cento, ao passo que a diferença de produtividade entre empresas no Brasil e nos países desenvolvidos é medida em várias centenas de pontos. Por exemplo, um estudo do próprio ministério do planejamento mostrou que em geral as empresas industriais dos EUA tem 500% mais produtividade em termos de faturamento por funcionário que as equivalentes brasileiras, sejam elas nacionais ou filiais de multinacionais instaladas aqui. Não existe robô ou especialização de operários que justifique tamanha diferença.
Já do portão da fábrica para fora a situação muda, devido ao péssimo ambiente de negócios em nosso país. Impostos e juros elevados, excesso de burocracia, falta de infra estrutura, custos de insumos altos demais, instabilidade econômica e etc... de fato criam dificuldades que impactam a produtividade das empresas como um todo (não apenas da linha de fabricação especificamente). Com isso podemos chegar a diferenças de produtividade de várias dezenas de pontos por cento (40%, 50% ou até mais de desvantagem para as empresas instaladas aqui). Mas isso ainda está muito longe de 5 vezes mais produtividade como mencionado no parágrafo anterior. Como explicar esta enorme diferença então?
A verdadeira questão não está apenas no ambiente de negócios desfavorável, e sim em como as empresas de fato ganham dinheiro lá e cá. Qualquer fábrica americana de qualquer porcaria possui um departamento de engenharia muito forte, com décadas de experiência, e desenvolve continuamente uma miríade de novos produtos que são colocados no mercado global (e inclusive produzidos em suas fábricas instaladas aqui no Brasil). O faturamento destas empresas inclui tudo o que elas recebem de todo mundo que fabrica os produtos por elas desenvolvidos, inclusive os royalties enviados por empresas licenciadas. Assim, a matriz de uma VW, de uma P&G ou de uma Samsung não faturam apenas o que suas próprias fábricas conseguem produzir e vender, mas todo o dinheiro que flui de todas as filiais e licenciadas que elas têm espalhadas pelo planeta inteiro (inclusive no Brasil) fabricando os produtos desenvolvidos lá na matriz. Aí sim o faturamento total é muitas vezes maior do que a empresa realmente produz em suas próprias instalações, levando a produtividade por funcionário para valores altíssimos.
Já a grande maioria das empresas instaladas aqui no Brasil praticamente não possui engenharia, mas apenas as instalações industriais (fábricas) e portanto ganham apenas sobre o que elas próprias podem produzir e vender. E elas ainda tem que pagar royalties ou enviar transferências de lucros para suas matrizes no estrangeiro ou seus fornecedores de tecnologia (respectivamente no caso de filiais ou de licenciadas). Neste caso o faturamento líquido (após o envio de royalties/lucros) é muito limitado, e se chegam a estas proporções de 500% ou mesmo mais de diferenças na produtividade comparada com as que se obtém lá fora.
Então este é o ponto: Conseguir que uma Boeing monte uma fábrica em Aracajú poderia sim ser perfeitamente possível (se fosse provado que o ambiente de negócios favoreceria a produção de aviões nesta cidade), e esta fábrica colocada ali poderia funcionar tão bem quanto sua matriz em Seattle. Mas ao contrário do que parece ser o entendimento comum, isso não iria melhorar de forma significativa a proporção entre a produtividade da matriz instalada nos EUA e da linha de produção brasileira, que continuaria cerca de 5 vezes menor. O que faria diferença seria a Boeing trazer UMA ENGENHARIA DE PRODUTOS PARA ARACAJÚ, E PASSAR A DESENVOLVER AQUI NOVOS AVIÕES PARA VENDER NO MUNDO TODO - ENVIANDO PARA CÁ OS GANHOS AUFERIDOS SOBRE ESTES (desenvolver aqui e mandar os lucros das vendas internacionais para a matriz também não adiantaria de nada). Mas isso eu quero ver alguém convencer a Boeing, ou qualquer multinacional, aliás, a fazer.
E infelizmente as empresas nacionais também não costumam fazer isso. A tradição em nossas indústrias é buscar os projetos de produtos já prontos lá fora, para executar apenas a fabricação por aqui, mesmo que as empresas sejam totalmente nacionais. Com raríssimas exceções, uma engenharia de desenvolvimento de produtos competente e ativa é vista pelo empresariado nacional como um luxo totalmente dispensável. Uma Embraer ou uma WEG fazem isso, e aí conseguem ser altamente lucrativas e ter grande produtividade mesmo enfrentando as péssimas condições de negócios existentes em território nacional, praticamente as mesmas enfrentadas por qualquer outra empresa instalada no Brasil. Mas não existem muito mais exemplos que se possam mencionar de empresas brasileiras trabalhando assim, e este é o maior problema do nosso setor industrial.