Perdi minha comanda! E agora?

“Regra nº 1: o cliente tem sempre razão.

Regra nº 2: caso o cliente esteja errado, retorne à regra nº 1.”

É com esta filosofia de trabalho, estampada em grande parte dos estabelecimentos comerciais por aí, que começamos nosso texto. Tais regras não são – e nem devem ser – levadas como verdade absoluta, porém o que acontece na prática está muito longe do que se idealiza, principalmente quando ocorre a perda da comanda de consumação em casas noturnas. Quase sempre a alegação (inaceitável) é que o consumidor perdeu a comanda propositadamente só para pagar menos.

É bem verdade que muitas baladas atualmente dispõem de cartão identificado com foto ou impressão digital do consumidor que atesta, no momento de cada compra, a titularidade da comanda e ainda permite que o cliente solicite o seu devido bloqueio em caso de extravio. Há outras casas, mais antigas, do tempo do vovô, que se valem do sistema de pagamento à vista do que é consumido: as arcaicas “fichas”.

Entretanto, a grande maioria das boates e barzinhos ainda utiliza a comanda em branco, aquela cheia de quadradinhos a serem preenchidos, que geralmente quase sempre causa grande transtorno e constrangimento quando é perdida.

As casas noturnas costumam estipular expressamente nas próprias comandas o valor a ser pago em caso de extravio, que geralmente corresponde ao valor total a ser preenchido. Atropelando qualquer respeito que possa haver em relação ao frequentador honesto e afrontando o ordenamento jurídico brasileiro, exigem na maior cara-de-pau o referido pagamento, ofendendo violentamente o Direito do Consumidor.

Primeiramente, não há que se falar em tal cobrança tendo em vista que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei” (Constituição Federal, artigo 5º, inciso II).

Logo, se não há lei obrigando o consumidor a controlar o que consome em determinado estabelecimento, é de fácil entendimento que tal incumbência é de responsabilidade da própria casa e que admitir hipótese em contrário configuraria prática abusiva, lesando indevidamente o cliente honrado.

Infelizmente sabemos que, na prática, ocorre o inverso.

Em regra, os consumidores são constrangidos, colocados em situações embaraçosas e, não muito raramente, são coagidos e ameaçados por pura e equívoca alegação de perda proposital do cartão de consumação por má-fé. Como já disse, não há cabimento algum encarar a situação desta forma, já que não há como provar que o consumidor efetivamente agiu de má-fé, fazendo com que infeliz e invariavelmente os bons paguem pelos maus.

A solução mais simples: bom senso

A solução mais simples – e ideal – para uma situação de perda de comanda é dizer o que se consumiu, pagar e todo mundo ficar feliz

Contudo, não vivemos em um conto de fadas. Caso você seja constrangido e impedido de ir embora pagando o que disser que consumiu, você tem duas alternativas: a brasileira ou a nordestina. Depende de como quer reagir diante de estar sendo vítima de vários crimes ao mesmo tempo e tendo sua honra e dignidade feridas.

O método brasileiro para lidar com o abuso:

Na brasileira, você chama umas testemunhas, paga o valor estipulado pela boate (pedindo nota fiscal), vai pra casa puto da vida, corre atrás de um advogado e briga na justiça – comum ou via PROCON – para ter o dobro daquilo que você pagou acrescido de correção monetária e juros legais (Código de Defesa do Consumidor, artigo 42, parágrafo único).

O método nordestino

Na forma nordestina, você liga para a Polícia Militar solicitando uma viatura com urgência e registra um boletim de ocorrência por crimes de:

• constrangimento ilegal (você está sendo constrangido a fazer algo que a lei não manda),

• ameaça (se for o caso)

• e cárcere privado (artigos 146, 147 e 148 do Código Penal, respectivamente).

Coloque-se à disposição para pagar o valor referente àquilo que consumiu e, caso haja recusa do estabelecimento, volte pra casa com uma cópia do b.o. ciente da possibilidade (remota) da casa noturna ajuizar uma ação contra você.

Vale lembrar que as mesmas considerações são aplicadas aos casos de perda de ticket de estacionamento, quando costumam cobrar o valor de uma diária completa.

Permaneça firme independente de sua escolha brasileira ou nordestina. Não permita que lhe tratem como mau-caráter, intimidem e constranjam ilegalmente por um mero extravio de comanda. Devemos nos valer da lei, bater o pé e embasar nossos direitos.

Preste atenção...

• o pagamento da taxa de serviço de 10% sobre o valor consumido em qualquer estabelecimento é opcional e a imposição de seu pagamento configura prática abusiva;

• a cobrança do “valor artístico” sobre apresentações ao vivo é legítima se o cliente for informado expressamente no momento que entrar no local;

• e a cobrança de consumação mínima como forma de entrada em algum estabelecimento é também medida abusiva (porém não vejo vantagem em trocar o valor da consumação pela entrada e depois gastar consumindo).