BOLSA DE VALORES

Embora apresentada como uma opção de investimento, a bolsa de valores corresponde apenas a um joguinho de ricos. As regras são muito simples: o jogador (investidor) compra ações (títulos correspondentes a propriedade de uma parte de uma empresa), e depois as vende; ganha se vender mais caro que comprou, perde se vender mais barato. A brincadeira pode se repetir indefinidamente, às ordens do investidor.

Embora pareca se tratar de um joguinho idiota, sem nenhuma graça, como muitos outro igualmente insípidos, o jogo seduz um contingente considerável de pessoas, e , embora as regras pareçam excessivamente simples para a execução de qualquer manobra interessante, para qualquer demonstração de habilidade, certas sutilezas podem revelar, digamos, a destreza (ou talvez ardil) de certos jogadores.

A prática funciona basicamente assim: o mercado permanece fundamentalmente estável com poucas alterações. Investidores impacientes compram e vendem pequenos lotes de ações com o intuito de agitar o jogo. Algumas pessoas, diretores de empresas, funcionários públicos de alto escalão, têm acesso a informações privilegiadas; podem conhecer com antecedência fatos relevantes que só serão divulgados ao público posteriormente, acarretando alterações nos preços das ações. Esses jogam na certa, apostando nos vencedores, comprando as ações cujo valor subirá, vendendo as que se espatifarão, enquanto seus parceiros perdem.

Eventualmente, bons ventos acabam soprando, e uma grande massa de curiosos resolve entrar na brincadeira. Nessa hora, os jogadores veteranos dificultam as coisas para os neófitos, aumentando o preço das ações. O aumento de preço faz a compra de ações parecer um grande investimento; os meios de comunicação noticiam grandes lucros com o investimento, alardeiam o aumento do preço de determinadas ações acarretando enormes lucros para aqueles que as compraram meses antes.

Ansiosos e ávidos por participar desses lucros, os neófitos resolvem entrar no jogo, comprando as ações por um preço já bem alto. A entrada de novos jogadores, e de mais dinheiro na roda, acarreta ainda mais aumento no preço das ações, gerando a ilusão de lucros enormes devido á valorização das compras efetuadas. Essa ilusão espicaça a gula, a avidez dos jogadores, especialmente os neófitos, que inebriados pela facilidade dos ganhos "investem" mais e mais dinheiro no jogo, empenhando, talvez, proventos futuros nessa empreitada. A divulgação de tais ganhos seduz mais outros investidores.

Quando isso ocorre, acontece também uma grande entrada de investidores no jogo, as conversas sobre o "investimento" se multiplicam; as notícias sobre o andamento do jogo ganham sonoridade e relevo, passando a ecoar destacadamente em todos os noticiários. Tudo isso acarreta a atração de mais investidores, o aumento no empenho dos que já entraram no jogo e a consequente subida dos preços das ações gerando uma ilusão de lucro que atiça a avidez e faz mover toda a roda com cada vez mais ímpeto.

Em princípio, não há limites para o preço de um título. Pode ser comprado por um real, depois valer dez, cem, mil... pode crescer indefinidamente, até as nuvens. Outra questão é saber se existe dinheiro suficiente para comprar esse sonho.

Como um bolo sem farinha, sem estofo, mas repleto de fermento, o mercado acionário pode inflar de vento até engolir todo o forno, para depois murchar e se derramar sobre a forma, como uma panqueca solada.

Ao perceber os níveis de preços elevados, os investidores tradicionais começam a desovar seus estoques. Vão vendendo para os neófitos os seus papéis praticamente vazios, embora repletos de sonhos. Sabem que o valor com que vendem tais papéis é elevadíssimo, destituído de razão, injustificado. Mas os neófitos anseiam pelos ganhos exorbitantes, e, apostando cegamente na própria sorte, investem suas economias inebriadamente.

Os jogadores veteranos, os ricos, continuam desovando seus estoques de ações, cada vez mais caros.

Um dia, sempre acontece, tudo desmorona. Os sonhos se revelam desvarios. O preço das ações despenca. Nesse dia, todos os neófitos colocam seus papéis à venda, acelerando a avalanche, a queda abrupta dos preços, o desmoronamento dos sonhos. Nesse momento a brincadeira se assemelha a um jogo de mico; perde quem ficar com as cartas na na mão.

A essa altura, os veteranos já embolsaram boa parte do dinheiro circulante, e já se desvencilharam de seus estoques. Ouvem-se as lamúrias dos perdedores que parecem não acreditar no ocorrido, o choro dos neófitos ingênuos que, por vezes, investiram e perderam, as economias de toda a sua vida. O joguinho dos ricos é cruel.

Finda a festa, resta a ressaca. Os ricos contabilizam seus lucros, escorraçam os perdedores lamurientos e retomam seu joguinho sem graça, recomprando por migalhas os papéis agora aviltados, embora comprados dias antes por valores estrondosos.

Ah, esqueci de mencionar que eventualmente as ações propiciam a seus donos uns dinheirinhos, umas migalhas a título de dividendos, com o intuito de mascarar o jogo dando-lhe uma aparência, umas tinturas, de investimento.

E assim o joguinho prossegue.

As bases do jogo

Nos bastidores, tudo funciona assim: uma patota domina a coisa, determina que empresas podem entrar no jogo. Uma vez premiada, escolhida para participar do jogo, uma empresa se valoriza enormemente. Uma empresa que vale, digamos, um milhão pode ser vendida na bolsa por um preço que totaliza dez milhões. Em princípio, o dinheiro recebido pela venda de ações, digamos um milhão de reais relativos a 10% da empresa. pode ser reinvestido duplicando a empresa e supostamente, portanto, também o seu valor.

O valor das ações, no entanto, costuma ficar bastante descolado do real. Trata-se, efetivamente, de um papel em uma roda de jogo; ha pouca vinculação entre o preço de mercado e o valor da empresa real, uma entidade desconhecida pela multidão de jogadores; a ação é um papel.

Entrar no jogo, no entanto, corresponde a um enorme prêmio. Empresas escolhidas para participar da bolsa são amplamente valorizadas só por essa escolha. Atingem valores exorbitantes. Somados, os valores de todas as ações em bolsa, constituem mais dinheiro que o existente no mundo. Funciona assim:

Uma empresa vale um milhão, gera lucros anuais compatíveis com esse valor. Ela entra para a bolsa de valores com preço de 10 milhões, e depois, numa alta de maré, se valoriza ainda mais, chegando a valer 100 milhões. Eventualmente, em situações explosivas, a soma dos valores de suas ações pode chegar a valer 1 bilhão. Note que não há limite para esse valor, trata-se, fundamentalmente, de um sonho. O valor de uma ação é dado pela intenção de compra e venda dos investidores; se os donos das ações resolvem não vendê-las por valor abaixo de 10, seu preço não cairá abaixo disso. Se decidirem que não vendem por menos de 100, será esse seu valor. Assim, o valor de venda de uma ação é decidido, simplesmente, pela quantidade de dinheiro que o investidor aceita receber em troca do papel.

Para a economia como um todo, esse processo tem o efeito de uma mágica.

O valor de uma empresa que entra na bolsa pode decuplicar, centuplicar, quase de imediato, sem nenhum lastro, sem nenhum referente real que o justifique. Isso permite que os capitais se multipliquem como em um sonho. Os investidores resolvem que aquela ação vale muito, decidem não vender, e, como em um sonho, o seu preço dispara, fazendo crer tratar-se de papel muito valioso, muito rentável, embora provavelmente sem estofo, como um bolo de vento inflado apenas por ar quente, como um sonho.

Os sonhos, no entanto atiçam a gula, trazem capital para a brincadeira, dinheiro que pode ser reinvestido no mundo real, ampliando a produtividade das empresas.

Mas a festa sempre acaba; são as crises financeiras. Não existe dinheiro no mundo que possa sustentar a farra, e, um dia, tudo sempre desmorona.

No mundo real, nesse momento, os ricos começam a gritar. Começam a alardear deus prejuízos exorbitantes, contabilizados pelos valores de seus sonhos perdidos.

Os governantes de todos os países se compadecem de tamanha tragédia, já que foram eles mesmos , que viram seus sonhos desmoronar. Entristecidos, compadecidos, os governantes utilizam as reservas de dinheiro espremidas do povo para recompor os sonhos esfacelados.

Compadecidos pelo desmoronamento dos sonhos dos ricos, os governos entregam aos cabisbaixos investidores enormes montantes de dinheiro com o propósito de reinsuflar ânimo no joguinho insípido.

Assim, quando a mágica da brincadeira se revela uma farsa, os governantes intervêm injetando enormes somas de dinheiro para sustentar o golpe, para que a coisa pareça honesta, legitima.

Embora os ricos nada tenham perdido, além de sonhos, além de cifras imaginárias elaboradas na mente de investidores, e sustentadas apenas por negativas de vendas de papéis, os governantes tratam de recompor as supostas perdas, sendo eles próprios, frequentemente, os recebedores do compadecido reembolso.

No mundo real as crises financeiras justificam a reestruturação do quadro de pessoal das empresas, a demissão de funcionários, o enxugamento da massa salarial. “É a crise”, tudo pode ser justificado com essa frase.

Os governos, espremidos pela avidez dos empresários a lhes sugar as entranhas, reduzem as benesses dos funcionários, suas vantagens salariais, abonos e previdência. É a hora dos ricos, o verdadeiro banquete, sobre as ruínas dos sonhos, sobre os cadáveres das empresas esfaceladas.

Assim, a grande mágica consiste em transformar a realidade em sonhos, inserindo empresas reais no mundo mágico do mercado acionário; e em transformar, de volta, os sonhos em realidade, sugando, dessa vez, as reservas monetárias extorquidas do povo pelos governos em nome da recomposição dos sonhos perdidos, das perdas das riquezas imaginadas.

Alheio aos truques dos prestidigitadores que coordenam os mercados financeiros, o povo assiste

embasbacado a sucessão de ilusionismos perpetrados por eles, iludidos pelo surpreendente espetáculo, sem perceber os dedos leves a lhe esvaziar os bolsos.

Enquanto os mágicos vilipendiam e escarnecem dos espectadores, do povo, surrupiando-lhe as reservas suadas, os meios de comunicação envolvem o povo em relatos consternados sobre a perda de cifras gigantescas, cifras apenas imaginadas, mas contabilizadas pelos poderosos, e exigidas por eles.

Respeitável público, as crises financeiras são o coroamento da farsa, o momento no qual, verdadeiramente, os valores estipulados em sonhos acabam preenchidos pelo dinheiro, pelo suor dos que labutaram sob a chibata de seus feitores.