A CRISE É ÉTICA
Quando surgiram os primeiros sintomas da doença fatal que acometeu o sistema socialista, não tardou muito para que fosse decretada a falência múltipla dos órgãos e daí a cair o muro de Berlim foi só um passo rápido. Nem precisou rolar muito sangue, pois o estrago que o modelo comunista provocou nos anseios individuais era tamanho que nem se verificou uma resistência sólida às reformas que se seguiram .
Os comunistas – afora os afortunados membros da “nomenclatura” que gozavam de privilégios – legavam para o povo a privação daquilo que é essencial a todos os seres humanos, isto é , o direito a sonhar e o alimento da esperança de crescer e prosperar.
Mas passados alguns anos, eis que vivemos um momento de intensa crise no sistema capitalista. Na Europa , em diversos países que outrora figuravam como ícones de estabilidade social , os protestos se intensificam e o povo ganha as ruas bradando em alto tom contra a crise econômica, contra o desemprego e a perda de garantias que sempre geram exclusão e empobrecimento às massas assalariadas. Nem mesmo as ruas do império – os EUA – estão livres de barricadas e protestos, num sinal de algo muito grave está sendo gestado nos porões da sociedade.
Há alguns anos eu não me atreveria a escrever o que estou agora plasmando neste pequeno e sutil artigo, mas hoje tenho a convicção de que o atual modelo capitalista baseado na especulação e na cobiça desenfreada pela mais valia está condenado a um fim trágico e, provavelmente, a um desfecho melancólico . A violência que não se viu no fim do socialismo será vista – tenham certeza – no extermínio deste câncer batizado de globalização.
Afirmo isso simplesmente por uma única e óbvia conclusão , qual seja , a crise não é econômica , mas sim ética . Sobretudo o que define o caos nas economias globais são as práticas imorais dos detentores do capital .
Há que se ter em conta que no auge do sistema capitalista os donos dos capitais mantinham seus ativos atrelados a princípios de pátria e de povo . Uma empresa era uma extensão da bandeira de seu País e continha, como convém , um patrimônio de conhecimento e de tecnologia que compunha algo assim como o DNA de um determinado produto .
Uma ‘marca’ comercial de um veículo ou de um sapato remetia o comprador diretamente para um povo e , assim , podíamos afirmar que um determinado carro “alemão” era muito robusto e que outro “japonês” possuía componentes eletrônicos de última geração. Chocolates e queijos eram vistos como ícones de outras nações e, por aí seguia-se numa linha de raciocínio sempre atrelada a cultura e povos.
O capital prescindia de um ambiente seguro e essa estabilidade resultava de um estado que sedimentava suas bases nesse conceito, num enunciado equilibrado , onde a sociedade civil era robustecida não apenas no conceito estrito senso de capital monetário, mas também de capital humano e social . O caixa forte do sistema não podia ser interpretado apenas pelo volume de riqueza guardada no cofre , mas e sobretudo, pelo patrimônio social e cultural.
Hoje os capitais, numa ânsia patológica pela mais valia , cobiçando margens de lucro estratosféricas , sem medir conseqüências e a qualquer custo, transferem suas unidades de produção para remotos pontos do planeta em busca de mão de obra mais barata e vantagens fiscais. É o que nos apresentam sob as nomenclaturas de “guerra fiscal” e o “leilão de dignidade laboral” ....
E a perversidade é maior se considerarmos que os preços dos produtos continuam os mesmos , não obstante os custos de produção tenham se achatado e a pirâmide social nunca antes na história moderna esteve com a base tão dilatada e seu vértice mais pontiaguda ...
Os capitais – e por óbvio seus controladores – continuam a “circular” pelo mundo sem nenhum comprometimento com bandeiras, com pátrias e , sobretudo, com a dignidade humana . Custe o que custar , o “capital” enterra biografias, soterra nacionalidades e esmaga as massas, vergadas como presas fáceis por um modelo cruel que lhes impõe a exclusão e a recessão como espólio da ganância .
As liberdades que sempre foram defendidas como núcleo do sistema capitalista não podem gerar o mundo que aí está , onde a imoralidade se impõe sobre a razão e conceitos elementares de nacionalidade - de povo – são sublimados em nome da concentração de lucros. Aquele orgulho que um povo apresentava por “suas” empresas está desaparecendo, foi condenado à morte , em sentença sumária e sem direito de defesa.
Eu pensava que não teria tempo de vida para ver cair o atual modelo, mas apreciando os acontecimentos noticiados pela grande mídia , penso que sobrarão dias para acompanhar a derrocada que virá, a propósito, com uma intensidade muito maior do que a verificada na queda do socialismo . É esperar para ver ....