O fim de uma geração

Artigo escrito em 2007.

Serão mais 5,5 mil desempregados no estado com o fechamento da empresa calçadista Reichert em Campo Bom. Apesar de ter sido uma das maiores empresas do setor no Brasil, hoje ela é mais uma a sucumbir diante da produção e exportação chinesas. São centenas de famílias que confundem suas histórias, onde têm no calçado o responsável por todos os bens financeiros que hoje possuem. O que será o amanhã é pergunta que certamente não cala para muitos deles, onde toda a sua experiência trabalhista se resume a uma esteira de uma indústria de calçados.

Sou filha de calçadista, apesar de fazer mais de 12 anos que meu pai não faz mais parte desse bolo, muito do que sou hoje também devo ao que ele conquistou dentro de algumas dessas empresas. Contudo não consigo ficar de fora de todo esse contexto, pois me compadeço e sou parte dos muitos familiares que também estão apreensivos com o desemprego de pais, filhos e mães de famílias tendo que conviver com a incerteza que gera um acontecimento como esse, independente do país.

Dois, das centenas de pais de família sem emprego, são meus tios, que assim como minha mãe, meu pai, e muitos outros, deixaram o interior do estado para firmar residência no Vale dos Sinos nas décadas de 60 e 70, tempos áureos do calçado, quando o Brasil e mais, o Rio Grande do Sul, representavam uma importante parcela na produção mundial de calçados. Ao que tudo indica essa crise que hoje Campo Bom, Novo Hamburgo e cidades arredores vivem terá um final diferente do que foi a crise de 1994, quando houve a queda da produção no setor juntamente com a queda do dólar, similar com a atualidade, porém ocorreu a volta por cima. O cenário de hoje se torna um pouco diferente, talvez o detalhe atual no “diferente” seja o determinante para todo o cenário no Vale dos Sinos mudar em definitivo. A quanto se fala do grande dragão chinês que vem engolindo o mercado mundial que antes fazia com que todo esse setor funcionasse a absorver grande parte dos trabalhadores brasileiros? Num mercado que antes era nosso, hoje a China já manda em 85% do que os Estados Unidos compram. Ela é responsável por 62% de todo calçado vendido no mundo. E mais alarmante: a preços imbatíveis.

O que resta a um país que em dita ao empresário, taxas abusivas de impostos? Resta a este, como sempre, tomar suas próprias decisões que muitas vezes, como é o caso do Calçados Reichert, envolvendo milhares de brasileiros, tomar a melhor entre as piores decisões: fechar as portas. O que pode ser melhor ou menos pior, em toda essa situação? Que os 5,5 mil desempregados que ao final do mês de junho deixarão a Reichert sairão com suas indenizações pagas. A decisão que esses brasileiros juntamente com os empresários estavam esperando do governo teve que ser tomada por eles antes de um caos de proporções ainda maiores. Nada foi feito para preservar mais essa empresa brasileira funcionando, então o desfecho é igual a de muitas outras desde 1994.

Disso tudo se tira a conclusão de que é preciso, sim, estar aberto a mudanças, transformações e novo em nossas vidas. O mercado não terá como absorver todos que a partir de julho baterão a sua porta, mas também recai sobre esses desempregados a certeza de que serão obrigados a fazer a diferença entre esses muitos que estão com eles. Os que melhor se adaptarem as modificações e estarem aptos a querer coisas novas, talvez tenham mais chances. É claro, que o Vale dos Sinos nunca mais será o pólo produtor de calçados que foi entre 1970 e 1980, estamos diante de mudanças, de um perfil novo que se apresenta. As razões disso tudo sempre serão questionadas, como fiz anteriormente dizendo que faltou a mão decisiva do governo para dar um fim diferente a tudo isso. Como ele não veio, a realidade é o que resta. Amarga, dura e inegável. Conforme Darwin, o homem evolui determinado pelas condições de sobrevivência de cada lugar do planeta adaptando-se a elas, então frente a essas novas condições é preciso adaptar-se. Não fechar os olhos para as possíveis novidades que possam surgir, não deixar que todas essas motivações para o desanimo e a falta de esperança na vida fechem as portas. Mais do que nunca, agora é hora de batalhar para que as conquistas provindas do calçados possam ser aumentadas com o trabalho em outros setores.

Para quem está de fora de toda essa tempestade fica fácil falar e analisar a situação. Mas também diria Roberto Menna Barreto é preciso estar de fora do problema para conseguir resolve-lo. Talvez seja isso que o governo está fazendo, ficando de fora. Talvez o que nos separa da resolução desse problema seja a incapacidade de raciocínio do governo. Mas ora, vamos, o que estou dizendo. Ia me esquecendo que para resolver mensalão, máfia das ambulâncias, fraudes à previdência, é necessária muita capacidade de raciocínio.