As desigualdades Sociais no Brasil

Definir as funções do Estado moderno não é tarefa simples, dada a complexidade e a diversidade de funções atribuídas a ele na atualidade. Mas numa definição clássica diz-se que a principal função do Estado seria a proteção. Ou seja, o Estado nasce a partir da necessidade dos cidadãos de proteger suas propriedades de invasores, tanto internos quanto externos. E para que essa proteção se efetue, é necessário que os cidadãos deleguem o poder a um corpo representativo que seria o governo. Mas, essa delegação de poder deve ser algo acordado, combinado, deve-se estabelecer um contrato entre o corpo representativo e os cidadãos, que os filósofos chamados contratualistas: Hobbes, Loock e Rousseau chamam de contrato social.

O sistema representativo funcionaria muito bem se não fosse por um problema: a sociedade não é homogênea. Existem dentro dela diversos grupos de interesses que buscam sempre priorizar as suas próprias necessidades, a despeito dos anseios de outros grupos, quando estão no poder. Alguém poder afirmar que o fato de a sociedade não ser homogêneo não chega a ser um problema para o sistema representativo, pois todos os grupos que constituem a sociedade devem estar devidamente representados dentro do governo do Estado. Aí surge outro problema: o da equivalência da representatividade: nem todos os grupos estão devidamente representados no governo do Estado por que alguns grupos têm maior poder econômico do que outros e consequentemente detêm maior controle sobre o Estado. Assim se determina as relações de poder dentro da sociedade, os grupos de maior poder econômico controla o Estado e têm prioridade na destinação dos recursos.

O economista e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), J. P. Stedile, em artigo na Revista Caros Amigos edição do mês de julho de 2009 exemplifica: “Os agropecuaristas intensificaram as pressões para que o estado brasileiro liberasse recursos (...), pediram e levaram ao redor de 97 bilhões de reais do governo, em financiamento (...). A agricultura familiar... vai levar apenas 9 bilhões de reais de credito”.

É importante ressaltar que a geração de excedente é relativamente maior na agricultura familiar do que na agricultura extensiva. Com o volume de credito de 97 bilhões de reais, o agronegocio gera um produto de 120 bilhões de reais. Já a agricultura familiar gera um produto de 80 bilhões de reais com apenas 9 bilhões de credito. Então o que faz com que o governo destine um valor maior de recursos para o agronegócio que gera um PIB relativamente menor, em detrimento da agricultura familiar que é relativamente mais produtiva? É exatamente a diferença de representatividade. Os agrocapitalistas conseguem eleger uma maior quantidade de representantes para o governo do que os agricultores familiares.

Aí está a raiz da desigualdade social: se a forma de governo é representativa, os grupos que estão numericamente mais representados no governo terão prioridade na participação dos recursos do Estado. Se apenas os empoderados economicamente elegem seus representantes, ou a maioria deles, eles terão vantagem quando da votação para destinação dos recursos e os grupos sem poder econômico ficarão sem representatividade suficiente para aprovar os projetos de seu interesse.

Segundo Maria L. Fatorelli, auditora da Receita Federal do Brasil, o governo brasileiro gastou com a divida interna R$ 207 bilhões entre janeiro e abril de 2009. Isso é cinco vezes o gasto com servidores públicos; dezoito vezes o gasto com saúde, quarenta vezes o gasto com educação ou 1210 vezes o gasto com reforma agrária (Revista Caros Amigos, JUL/09).

A divida interna é contraída junto a bancos, fundos de investimento, etc., através da venda de títulos públicos. Os recursos arrecadados, em tese deveriam ser utilizados para fazer frente aos compromissos do Estado com a manutenção da maquina estatal, com investimento na infra-estrutura do país, em educação, saúde, geração de tecnologia. Porém não é o que acontece na prática, como mostram os dados acima. A maior quantia dos recursos é gasta com a manutenção da maquina estatal, o que beneficia apenas uma pequena quantidade de funcionários burocratas do estado.

Historicamente as desigualdades sempre existiram e sempre existirão nas sociedades e isso não é novidade. O desafio maior é reduzi-la a níveis menores, ou seja, tornar menor o fosso que divide os que têm poder econômico e os que não têm. E isso também não é novidade uma vez que os paises europeus industrializados já conseguiram diminuir essa distancia. Uma das saídas para isso ainda é a mobilização popular: primeiro para escolher representantes dignos do cargo que ocupam e segundo para fazer pressão sobre o governo para que seus anseios sejam atendidos.

Alem disso, as desigualdades não são fruto apenas das diferenças de renda, existem outros fatores que contribuem para a exclusão social como as diferenças de raça/cor, de gênero, de estado mental. E no Brasil essas minorias têm pouca ou nenhuma representatividade. Em relação à representação dos negros no congresso brasileiro uma pesquisa da revista ISTOE e do Instituto FSB com 247 congressistas revela que para 0,4% dos congressistas a representatividade do negro é alta; para 3,3% é alta; 16,7% acham que é mediana; 47,3 acham que é baixa; e 32,2% acham que é muito baixa (Época, edição de 6 de julho de 2009, nº. 581, p.44)¹.

Mais alguns dados do Laeser (Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Raciais) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostram que o número de deputados negros eleitos não espelha o total da população brasileira. Dos 513 deputados da atual legislatura, 11 são negros (2,1%) e 35 pardos (6,8%). No Senado, há somente um negro e quatro pardos entre os 81 senadores². O levantamento da UFRJ, feito em 2008, também mostra que o problema não é exclusivo do Poder Legislativo. De um total de 68 juízes de tribunais superiores, apenas dois (3%) são negros².

Como falar de democracia diante deste quadro tão desigual? Por que uma diferença tão grande na representatividade será que faltam candidatos negros? Certamente faltam candidatos negros, já que o congresso nacional votou e aprovou recentemente o estabelecimento de cotas para candidatos negros nos partidos políticos.

Diante de uma situação em que faltam candidatos negros para os cargos representativos, não se pode dizer que vivemos num regime de plena democracia. Existe sim uma pseudo-democracia que respeita apenas os direitos de uma minoria rica que não tem nenhum tipo de compromisso com a maioria pode.

1-http://www.irohin.org.br/imp/template.php?edition=25&id=212 em 11/10/2009. 17h15min.

2-http://www.uniblog.com.br/yndeedked/408246/senado-cota-racial-nas-eleicoes.html em 10/11/2009. 17h11min.

Taciturno Calado
Enviado por Taciturno Calado em 20/03/2011
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