Você devolveria uma mala cheia de dinheiro?
ÉTICA, MORAL E SISTEMA FINANCEIRO
O que você faria se encontrasse uma mala cheia de dinheiro?
Esta é uma pergunta clássica quando se fala em ética. Uns dizem que devolveriam, outros que ficariam com o dinheiro, a maioria afirma que analisaria o contexto, buscando informação sobre o perdedor do precioso bem. Então a sua ética estaria vinculada à do infeliz perdedor da mala. Se fosse alguém que sacou todas suas economias para pagar uma cirurgia, devolveria. Mas se fosse um político corrupto e descuidado, não devolveria.
Tenho um grande amigo que sustenta que o gesto de devolver se constitui num comportamento ético e antinatural. Ninguém pode conscientemente renunciar algo que não tem. Se você não tem o dinheiro e o obtém num acaso imprevisível, somente uma imposição moral muito forte pode lhe convencer a devolver. Quem discutiria o ato de um mendigo deparar-se com um delicioso bombom caído no chão e comê-lo? Não haveria questionamento sobre a propriedade nem sobre o contexto ético e moral que envolveu a perda.
Nossa sociedade tem revelado uma inversão de valores surpreendente. A legislação protege mais o patrimônio do que a própria vida. O capital se concentra cada vez mais nas mãos de quem tem maiores recursos. Todos assistimos pela televisão, jornais e revistas a saga do empresário-apresentador Silvio Santos, diante do rombo no seu Banco Panamericano. Ele conseguiu um empréstimo de dois e meio bilhões de reais para pagar em dez anos, com carência e sem juros. Ora, se fosse uma pessoa comum pedindo dois mil e quinhentos reais para pagar em dez meses, certamente se depararia com exigência de documentos, cadastro, garantias e ainda teria que suportar juros, TAC, IOF e todos os tipos de encargos, que elevariam sua dívida a três, quatro mil reais.
Mas por que o sistema pode emprestar bilhões de reais sem juros a alguém que repassa esse empréstimo a juros extorsivos? Dizem que quem empresta é um fundo garantidor, que tem por missão evitar que o sistema bancário seja implodido. Se um banco quebrasse e o governo não garantisse o dinheiro dos depositantes, ninguém mais manteria seus recursos nas casas bancárias. Então o chamado meio circulante seria muito maior e o governo seria obrigado a emitir muito mais papel-moeda. Difícil de entender, não é? O sistema se protege e as regras que valem para as dívidas do cidadão comum não se aplicam às dos bancos e dos governos.
Você já parou para pensar em por que um cartão bancário serve em todos os lugares, menos nos outros bancos? Você paga com o seu cartão de débito ou de crédito as compras que faz em todos os lugares, se zanga quando o fornecedor não aceita pagamento em cartão. Até mesmo os vendedores ambulantes e os motoristas de táxi andam com aquelas maquininhas que tiram o dinheiro da sua conta e passam para a deles. Então, por que para pagar uma conta num banco você só pode usar o cartão daquele banco? O dinheiro não sai de sua conta e passa para a deles? Que diferença faz se você é ou não cliente daquele banco? A resposta é simples: as administradoras dos cartões cobram um percentual sobre cada transação; os bancos não gostam de pagar taxas, gostam é de cobrar.
O sistema financeiro tem transformado empresas e trabalhadores em devedores caloteiros. A concentração de valores nas mãos de grandes grupos financeiros torna a população refém dos banqueiros, que podem tomar empréstimos sem juros ou a taxas reduzidas para repassar à população comum, às empresas pequenas e médias, cobrando as maiores taxas do mundo e com a garantia de que poderão buscar o amparo de um fundo garantidor se seus negócios não derem certo.
Fica cada vez mais importante, para sobreviver no mundo moderno, seguir o ensinamento ancestral que recebemos de nossos pais: viva com modéstia, não gaste tudo o que tem, pague em dia as suas contas e, principalmente, não tome empréstimos.