Um Prato de Trigo para Dois Tigres Tristes (A Desvalorização do Profissionalismo) - parte 2

Antes de começar este artigo quero fazer um aparte, sobre o título desse artigo.

Não sei se alguém já prestou atenção para o sentido dessa frase: "Um prato de trigo para dois tigres tristes". Não sei se foi essa a intenção de quem a criou ou a utilizou pela primeira vez, mas a conotação mental que eu dou para essa frase tem o seguinte sentido:

O tigre já é um bicho grande, voraz por natureza, ativo, precisa de muita comida. Se ele estiver triste, pior ainda, está com muita fome porque não achou a caça que gostaria de saborear, ou seja, um suculento e grande pedaço de carne. De forma que um prato de trigo para um bicho desses morto de fome, é uma esmola, pra dividir para dois trigres nesta mesma condição, então, pelamordedeus, é pedir para ser devorado pelo bicho! Mas pelo menos o trigre vai tomar suas providências para quem quiser oferecer um pratinho de trigo para ele em vez de um bom e nutritivo bifão de contrafilé! Deveríamos fazer o mesmo!

UM PRATO DE TRIGO PARA DOIS TIGRES TRISTES - A DESVALORIZAÇÃO DO PROFISSIONALISMO (parte 2)

Eu tinha decidido jogar uma pá de cal nesse assunto, não gosto muito de me prolongar em textos, mando o recado, rasgo o pano e pronto, afinal não sou nenhuma escritora hollywoodiana par ficar em episódio 1, epsódio 2, episódio 3 e por aí vai...

Mas eis que hoje abro o yahoo e lá estava no Rio Vagas: “Precisa-se de Analista Financeiro, formado em Economia, Ciências Contábeis ou Administração, que domine o Pacote Office, Outlook, inglês fluente, escrita fiscal, proativo, etc, etc, etc (...) Oferecemos: Remuneração de R$ 700,00 + VT (modal – 1 passagem)” Segurei o meu grito, mas o comentário saiu na hora: “Não dá vontade de mandar um e-mail para o infeliz que publicou esse anúncio mandando ele enfiar essa vaga de emprego no !$#&*&(*&!!!! ?

Tenho estória de muita gente pra contar, na maioria das vezes, as pessoas me pegam de guru, conselheira, oráculo, mãe diná, e por aí vai... Sou boa ouvinte, e boa de opinião, eu acho... Daí que na maioria das empresas que trabalhei sempre tenho lembranças de algo que me contaram. Recentemente trabalho com um senhor que me relata amargurado passagens de sua vida profissional tempos atrás: funcionário de longa data da Votorantim, tinha uma remuneração média de R$ 3 mil, fora os benefícios, uma vida estável e confortável, e hoje tem que suar a camisa por míseros oitocentos reais. Meu pai foi o mesmo caso, atuou em empresas grandes como a Bausch & Lomb, Mesbla, sempre com uma remuneração que, hoje, seria cerca de 7 a 8 salários mínimos, e depois no fim de sua vida profissional o mesmo não conseguia sequer ganhar nem 2 salários, sempre ficava no 1 e meio, quando muito.

Ainda me lembro que meu avô teve 8 filhos, minha avó não trabalhava e assim como os outros 2 casos relatados, vivia-se bem só com ele empregado, a mesa era farta. As mulheres não precisavam largar seus filhos em casa para ir trabalhar e ajudar o marido com as finanças, hoje isso é muito difícil, porque afeta economicamente toda a estrutura familiar, em contrapartida, a mulher sair para trabalhar tão cedo deixando um bebê tão pequenino em casa é terrível, e como isso afetas as crianças, porque se vêem sem suas mães na fase em que mais precisam.

Tanto ele como o senhor da Votorantim tinham idéia de que isso aconteceu porque eles não se adequaram ao novo mercado, não se reciclaram, ficando obsoletos. Na época em que via meu pai penando por levar uma vida diferente do que no início estava acostumado também achava isso, mas e agora?

Vejo jovens formados, repletos de cursos extracurriculares, idiomas, experiências anteriores, e aí vem um safado de um empregador, cara de pau e oferece uma remuneração dessas? Ao inferno com essa vaga...

Mas o mais triste é que não é só essa, são várias, e vai ter sempre um infeliz que vai acabar aceitando o emprego, porque tem pressa. O perfil desse empregado é aquele homem ou mulher que tem 5 filhos, o que paga pensão pra ex-mulher, tem aluguel pra pagar, aí tem que “pegar” a primeira porcaria de emprego que aparece, senão as dividas se tornam uma bola de neve.

Isso me lembra de certa vez que fui levar meu currículo em um hotel conceituadíssimo em Itacuruçá, tinha loucura em trabalhar nesse hotel, chegando lá, entrevista rolando, a dona me pergunta: “A senhora é formada?

Sabe usar o Excel? Sabe falar inglês? E espanhol? Quanto tempo de experiência na função? Tem disponibilidade de horário? Sabe usar o Outlook?

E internet? Powerpoint? Word? Sistema hoteleiro? Noções de compras e atendimento ao cliente? Café da manhã, se precisar? Arrumação de quartos? Pode dormir no emprego?”

A gente vai dizendo que sim até onde dá, né? Pensei que ela iria me perguntar ainda se eu sabia plantar bananeira, assoviar e chupar cana, pular numa perna só com o pé nas costas, fazer mímica, se eu era ventríloqua, se eu sabia virar massa, assentar tijolo, colocar azulejo, rejuntar, e outras coisinhas mais, além de tocar realejo com um mico sentado no meu ombro e chapeú na mão.

Ao final da entrevista mesmo sendo satisfatório para ela toda a gama de coisas que estão no meu perfil profissional, a infeliz vira para mim e diz: “Tudo bem, seu currículo é perfeito, estamos oferecendo R$ 530,00, que com os descontos deve cair para uns R$ 420,00, mais ou menos, sem benefícios, descontamos ainda a alimentação. Virei as costas e fui embora, resmungando pelo tempo perdido e blasfemando impropérios que eriçariam os cabelos mais escondidos. P. que p...!

E isso para uma vaga de Recepcionista Bilingue...

Isso acontece porque nós mesmos profissionais temos permitido. Vendemos nossa mão de obra por uma bagatela, aceitamos condições que não deveríamos aceitar. Além disso, a mão-de-obra barata vinda de longe contribui para depreciar mais ainda a remuneração.

Vejo pelos donos de hotéis, espanhóis abastados que ganham tufos de dinheiro e pagam misérias para seus empregados e sugam o quanto mais podem do trabalho braçal das camareiras, mensageiros e funcionários do operacional e exigem um currículo impecável do administrativo para oferecer uma “ajuda de custo” para um profissional capacitado. Fizeram um cartel, de maneira que NÃO ADIANTA você sair de um emprego e ir para o outro, que o salário oferecido é sempre o mesmo. Assim é mole! Os estrangeiros vêm para cá, muitos deles mal sucedidos em seu país, mas como têm cabeleira loura, pela branca e belos olhos azuis acham que somos um bando de aborígines que podem ser explorados como eles bem entenderem, isso tudo porque eles ainda são descendentes de “sangue azul” dos nossos colonizadores e nós somos uma cambada de “mestiços” descendentes de negros escravos e silvícolas.

O mais triste é como cansei de escutar de meus patrões falando dos funcionários mais necessitados: “A gente dá um emprego, almoço, passagem para essa corja, e eles ainda reclamam!” – Como se estivessem fazendo um favor pelos serviços que estão sendo prestados a ele, serviço que se não fosse feito seus negócios não vingariam.

Quero saber quando isso vai mudar? Quando vamos acordar e impor nossos direitos? Quando vamos parar de aceitar? Nós é que estamos “emprestando” nossos conhecimentos para os empresários, sem esse conhecimento seus negócios não iriam pra frente, nós que temos que colocar em pauta nossas condições, claro que em comum acordo, mas não devemos abaixar nossas cabeças!

Tenho um amigo negro, de comunidade que se formou fisioterapeuta e professor de educação física, fez mestrado e agora cursa pós-graduação, e sofre na pele quando vai procurar uma colocação profissional. Ele diz que só faltam dizer: - Vai procurar um cafezal, negrinho!

Acorda Brasil, vamos lutar pelo que é nosso! As cartas estão na mesa, é só virar o jogo!

JANA CRAVO
Enviado por JANA CRAVO em 15/01/2011
Reeditado em 16/01/2011
Código do texto: T2730631
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