Lucro Privado e Prejuízo Socializado
 
O governo Barack Obama tem recebido críticas no sentido de que está conduzindo o EUA para o socialismo, por conta de sua operação de salvação das montadoras norte- americanas, com o governo injetando recursos públicos nas mesmas e assumindo parte do seu controle acionário.
Em recente entrevista ao jornal americano, "The Washington Post”, o secretário do Tesouro, Timothy Geithner, teceu tais comentários, o que demonstra que a situação saiu do plano das especulações e tomou contornos de assunto oficial.
O que pensar de tal situação? O primeiro ponto é reconhecer que quem propõe tal crítica confunde intervenção do estado com socialismo, e tem o liberalismo não como uma abordagem econômica, mas como crença política. O segundo ponto é que não estuda história: já os anos pós Crise de 1929, e pós-Segunda Guerra, são ricos em exemplos da intervenção do Estado na economia, seja no EUA, seja na Europa, e nem por isto gerou países socialistas por conta disto.
Terceiro, entende a teoria econômica de forma instrumentalizada, e não analítica, dado que a vê apenas como capaz de produzir diagnósticos, mas sem o poder de interferir. Mais do que isto, defende a ‘livre iniciativa’, mas não percebe que os grandes oligopólios acabam por banir a alma privada do capitalismo são concentrações de capitais tamanhas que são antidistributivas nos aspectos da renda, condição fundamental do surgimento da burguesia em contraposição à concentração da riqueza patrimonial da aristocracia decadente, ou seja, naquele momento o mercado propiciou pulverização de patrimônios, e distribuição de riquezas. A riqueza em moeda auxiliou o desmontar da estrutura apoiada na hereditariedade dos nobres fidalgos.
Este primeiro se dá entre o século XVI e meados do século XVIII, enquanto que os oligopólios têm como marca o final do século XIX. Este, embora privado, acaba indo contra as leis básicas de ajuste de mercado, oferta e demanda, à medida que passam a influenciar justamente sobre os preços, graças ao seu domínio sobre os mercados. Se isto cria uma maior estabilidade por parte das empresas, também implica prejuízos ao consumidor. Entretanto, em economia não é possível se ter apenas visão de curto prazo, é necessário projetar para o médio e longo, ou seja, no caso citado se poderia defender que tal situação aumenta a produtividade, a médio e longo prazos, reduzindo preço e beneficiando o consumidor.
Mas, dito isto, se poderia argumentar que isso se faz retirando do consumidor parcelas de recursos maiores do que se as empresas atuassem, de fato, em livre concorrência. Enfim, são muitos os argumentos, mas o fato é que o oligopólio acaba mesmo que contrariado, tem o seu aspecto socializante, pois implica grande concentração de capital,  que emprega número expressivo de trabalhadores, e que, por seu lado, atua de modo vascularizado na economia, ou seja, o seu funcionamento não é restrito ao seu grupo, mas influencia outros segmentos de mercado. Sua crise acaba por não ser pontual, mas afeta de modo geral o sistema.
O que acontece é que, como tais grupos são bastante organizados, eles inclusive financiam muitos dos candidatos a cargos eletivos, o que vai além do patriotismo, e tem efetiva função utilitária de ter seus representantes junto ao centro de poder. É o tal ‘lobby’. E para quê ter influência? Sem dúvida, para exercer pressão sobre o poder público, para que este os beneficie no plano privado. Assim, quando o Estado despeja recursos públicos para salvá-los dos seus prejuízos, parece que o discurso de socialização não surge. Isso embora tal atitude implique a socialização dos seus prejuízos, o que cria, na prática, uma situação onde o prejuízo é público, mas o lucro, privado.
No caso atual das montadoras norte-americanas, o governo tem condicionado a ajuda com recursos públicos a passar a ter participação acionária nas empresas. Aliás, mais ajuda, pois já foi destinada muita, porém insuficiente para tapar o rombo. Ora, o setor público representante da sociedade deve efetivamente fazer isto e depois a empresa deverá partilhar o lucro com o setor público, que deve aplicá-lo em favor da sociedade.
Mais do que isso, é preciso acabar com essa história de privatização quando a coisa anda bem, e estatização quando a coisa vai mal. O risco deve ser privado em ambos os casos, e deve se pensar se realmente mega-capitais são democráticos ou não. Para que não se tenham dúvidas, aqui se defende a livre iniciativa, mas há que se proporem limites em favor do bem-estar da sociedade. Ora, uma ação individual, quanto maior a sua influência no plano social, maior deve ser o seu controle. Prova disto é a atual catástrofe econômica em potencial dos EUA: as montadoras não têm como se recuperar sem recursos públicos. Ao governo, evidentemente, não interessa que elas quebrem, mas o fato é que elas não podem se utilizar disto para fazer chantagem e premiar quem não teve competência com a privatização de dinheiro público em favor daqueles que defendem a privatização do patrimônio público. Dinheiro público é dinheiro de todos. Ora, se necessita-se dele, está se abrindo mão de parte de seu aspecto privado.
Concluindo, não há dúvida: há necessidade de intervenção do governo norte-americano na questão. O problema está em como fazer isso. A transferência de parte do controle acionário me parece, ao menos, a mais justa no plano patrimonial. Não se trata de socialismo, mas de evitar a socialização do prejuízo.
 
 
Gilberto Brandão Marcon,Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.

Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 27/05/2009
Reeditado em 14/06/2009
Código do texto: T1617286
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