As Novidades nas "Cadernetas" dos Poupadores
Novamente se transformam em notícia alterações na caderneta de poupança, aplicação financeira voltada ao pequeno aplicador brasileiro. Tanto é assim que, segundo dados do Banco Central, de seu total de poupadores 93% têm um total de depósito inferior a R$10.000,00.
A questão é polêmica sob alguns aspectos, e sem dúvida o primeiro se relaciona ao trauma deixado pelo último governo que interferiu no seu funcionamento, ainda no início dos anos noventa: o extinto e de triste lembrança período Collor, e seu marketing pirotécnico onde, dentre as suas famigeradas medidas, decretou o sequestro da poupança.
Neste sentido o atual governo (de seu antigo adversário, o presidente Lula), vem buscando desmentir tal possibilidade, o que realmente se faz necessário, à medida que o mercado financeiro por si só é avesso ao risco, o que dirá numa situação como a atual de crise incubada e nascida neste território.
Numa análise que vai além do discurso político seria um verdadeiro “tiro no pé” se o atual governo adotasse qualquer medida neste sentido, justamente ele que teve como primeira meta atuar sobre a credibilidade, visando à confiança do mercado.
Em que pese a crise, no que se refere à área da gestão econômica há que se respeitar a atuação governamental. Ou seja, entendo que o risco de confisco é nulo e afirmo mais, seria uma tremenda tolice.
Isto posto, saindo do plano da boataria, se faz interessante analisar o que há, de fato, em torno da ‘fumaça’ gerada pelo assunto. O que temos hoje é uma situação há muito desejada pela população brasileira, ou seja, a redução da taxa de juros, o que vem ocorrendo muito mais por conta da conjuntura atual do que do modo estrutural. Entretanto, gerir significa saber aproveitar as oportunidades, e isto vem sendo efetivamente feito.
Quando afirmo que se trata de opção conjuntural é porque a queda dos juros somente surgiu por conta de resposta à intensa queda de demanda provocada pela crise internacional. Há que se recordar que antes do último trimestre de 2008 o problema central vivido pelo Brasil era um aquecimento excessivo da economia que levava o governo a manter a taxa de juros em níveis mais elevados, visando ao esfriamento da economia. O desaquecimento veio, não dentro do esperado, mas bem mais intenso, e não por conta da política monetária do governo, mas sim do contágio da crise internacional.
A mudança de cenário repentina fez o governo rever o seu posicionamento, ou seja, ao invés de atuar no esfriamento, se fazia necessário estimular o aquecimento da economia. Neste sentido ele atuou visando a aumentar o crédito disponível no mercado, onde as principais medidas foram a redução do compulsório bancário e a adoção de um direcionamento descendente em relação à taxa básica da econômica (Selic), além de medidas pontuais de oferta de crédito via suas instituições financeiras: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.
O risco, entretanto, se manteve alto ao longo do início de 2009, de modo que os intermediários financeiros da economia mantiveram taxas em níveis mais altos (depois, com alguma redução), reduziram o prazo de pagamento, além de se tornarem mais severos na concessão de créditos. Não por acaso o governo se viu instigado a recorrer à política fiscal como meio de combate à queda de demanda. Também promoveu a redução de impostos (se bem que por prazo determinado), objetivando que a redução de preço decorrente viesse a estimular o consumidor às compras, já dentro de um quadro de crédito mais barato.
Eis que a queda da Selic trouxe um problema. Isto porque se trata da taxa que remunera os títulos públicos, que são por seu lado a garantia das operações de open market, ou seja, de mercado aberto, justamente as operações de curto prazo em torno das quais o governo promove a rolagem diária da dívida pública, através da emissão e compra dos seus títulos.
Acontece que a humilde caderneta de poupança tem, como meio de remuneração, juros de 0.5% ao mês mais TR, ou seja, a taxa referencial, que por seu lado não é uma taxa de juros e nem de inflação, mas sim uma média da remuneração paga pelos 30 maiores bancos nos seus CDBs.
Acresça a isto a isenção de imposto da caderneta, contra a tributação em torno de 20% da aplicação em fundos, e teremos que o “patinho feio” do mercado de aplicação financeira acaba tomando ares de “cisne”, com remuneração superior aos fundos. Resultado: onde antes nadavam sardinhas e de vez em quando uns atuns, aparece uma invasão de tubarões.
Deixando de lado as metáforas, a situação é bem simples: trata-se do aplicador de fundo passar os seus recursos para a caderneta de poupança.
Para o governo uma boa consequência seria que a queda da Selic barateasse o refinanciamento da dívida, porém também teria consequências negativas. Uma seria a perda de arrecadação, dado o fato de uma aplicação ser tributada, enquanto a outra é isenta. E não sendo isto pouco, também implicaria uma substantiva redução do tamanho do mercado, ou seja, dos recursos disponíveis para arrolar a sua dívida, o que acabaria por determinar ou a redução do imposto ou o aumento dos juros para novamente tornar atrativo o mercado de fundos.
Isto no que se refere ao governo diretamente. Mas existe outro fator ligado à pressão exercida pelo segmento bancário. Ora, os bancos cobram pela administração destes fundos e estariam perdendo receitas com a transferência dos fundos para a poupança. Além disto, no que tange os valores aplicados na caderneta de poupança, os bancos têm que aplicar no mínimo 65% destes recursos em financiamento imobiliário, o que condicionaria parte dos recursos que os mesmos hoje captam a custo relativamente baixo.
Há que se pensar ainda que com relação às mudanças, se estas passarem pela TR deverá implicar mudanças também no FGTS, que é corrigido pela referida taxa, mais 3% ao ano. Neste caso os seus compulsórios depositantes podem sofrer com as alterações.
Enfim, a frase é bem pouco científica, mas elucidativa: ‘alegria de pobre dura pouco’. Ninguém se incomoda muito quando a caderneta de poupança não remunera adequadamente os seus aplicadores. Esse pessoal miúdo não faz frente ao pessoal graúdo, que têm mais força para expressar a sua cidadania.
Conclusão, não haverá confisco, mas as possibilidades de que ocorram mudanças são efetivamente concretas.
Gilberto Brandão Marcon, Professor da UNIFAE, Presidente do IPEFAE, Economista, pós-graduado em Economia de Empresas, com Mestrado Interdisciplinar em Educação, Administração e Comunicação.