CRISE HÍDRICA E QUEIMADAS NA AMAZÔNIA: UM CÍRCULO VICIOSO DE DESTRUIÇÃO AMBIENTAL
A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e fundamental para o equilíbrio climático global, está enfrentando uma das mais graves crises ambientais da sua história. A crise hídrica, associada ao aumento das queimadas, está desenhando um cenário alarmante para a biodiversidade e para os povos que dependem diretamente da floresta. A relação entre esses dois fenômenos agrava ainda mais os impactos socioambientais na região e traz consequências diretas para o restante do Brasil e do planeta.
O colapso do ciclo das águas
A crise hídrica na Amazônia não é um problema isolado. Ela está diretamente ligada à degradação ambiental causada pela ação humana, em especial o desmatamento. A floresta amazônica funciona como uma gigantesca bomba de água, retirando umidade do solo e liberando-a na atmosfera por meio da evapotranspiração das árvores. Esse processo gera os chamados "rios voadores", responsáveis por transportar umidade para diversas regiões do Brasil e da América do Sul, inclusive abastecendo o sistema de chuvas do Sudeste e Centro-Oeste.
Com o avanço do desmatamento, esse ciclo natural está sendo interrompido. Em 2023, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registrou uma elevação de 22% na taxa de desmatamento em relação ao ano anterior. Ao cortar grandes áreas de floresta, diminui-se a capacidade da Amazônia de regular o clima, agravando a escassez de chuvas em várias partes do país. Esse impacto afeta tanto a produção agrícola quanto o abastecimento de água nas grandes cidades, intensificando crises que já são recorrentes, como a falta d’água em São Paulo.
Queimadas: Fogo e destruição em alta
Outro fator que agrava a crise hídrica na Amazônia é o aumento das queimadas. O fogo, em grande parte provocado por ação humana para abertura de áreas agrícolas e pecuárias, destrói não apenas a vegetação, mas também compromete os ciclos naturais da floresta. Em 2024, o número de focos de incêndio na Amazônia bateu recordes, com mais de 37 mil queimadas registradas nos primeiros oito meses do ano, segundo dados do Programa de Queimadas do INPE.
As queimadas liberam grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global e agravando o fenômeno das mudanças climáticas. Além disso, as partículas de fumaça afetam diretamente a qualidade do ar, provocando problemas de saúde em cidades amazônicas e até em grandes centros urbanos distantes. A fumaça das queimadas chega, por exemplo, a atingir capitais como São Paulo, deixando um rastro de destruição que se estende por milhares de quilômetros.
Um círculo vicioso
O agravamento das queimadas e do desmatamento intensifica a crise hídrica, criando um ciclo vicioso. Menos árvores significam menos chuvas, e menos chuvas significam mais vulnerabilidade a incêndios, que, por sua vez, destroem ainda mais a floresta. A diminuição das chuvas também impacta diretamente as comunidades tradicionais, especialmente os povos indígenas e ribeirinhos, que dependem dos rios para sua subsistência. A escassez de água compromete atividades de pesca, navegação e irrigação de pequenas plantações, afetando diretamente a segurança alimentar das comunidades.
Além disso, a crise hídrica e as queimadas têm impactos significativos na biodiversidade amazônica. Espécies vegetais e animais, muitas ainda desconhecidas pela ciência, estão sendo destruídas em uma velocidade assustadora. A perda de biodiversidade reduz a capacidade da floresta de se regenerar e compromete ecossistemas essenciais para a saúde do planeta.
Perspectivas e desafios
A crise hídrica e as queimadas na Amazônia são uma questão que transcende as fronteiras regionais. Seus impactos são globais, e sua solução requer uma ação coordenada entre governos, empresas, ONGs e a sociedade civil. As políticas públicas de preservação ambiental, como o fortalecimento da fiscalização e a ampliação das áreas de proteção, são essenciais, mas sozinhas não bastam.
A mudança de paradigma na exploração dos recursos naturais da Amazônia é urgente. É preciso pensar em modelos de desenvolvimento sustentável que respeitem os limites da natureza e promovam a inclusão das populações tradicionais no processo de proteção da floresta. A transição para práticas agroecológicas, a valorização dos produtos da sociobiodiversidade e o investimento em tecnologia para monitoramento e combate às queimadas são passos fundamentais para reverter esse cenário.
Sem um compromisso real com a preservação da Amazônia, a crise hídrica e as queimadas continuarão a ameaçar não apenas a região, mas também o futuro do planeta.
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*João Bosco Campos, Jornalista, Administrador, Eng. Agrônomo, Escritor, Poeta, Ribeirinho, Coordenador Regional da Rede de Trabalho Amazônico (GTA), Membro da Rede dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil (REDE PCTs).