A Casa Comum em chamas
“Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”, assim cantava São Francisco de Assis ao final de sua vida em 1225. No mesmo cântico, exalta o irmão fogo que ilumina a noite, sendo belo e jucundo, vigoroso e forte.
Hoje essas duas criaturas de Deus explodem nos cenários mais sofridos de um país inteiro que parece queimar em chamas, devastando matas e pastagens, cuja fumaça chega às grandes cidades impedindo a respiração de outros seres vivos. A falta de chuvas colabora não apenas para deixar rios sem água, mas contribui também para o aumento do fogo devastador.
O Papa Francisco denuncia na Encíclica Laudato Si’ o mal que provocamos pelo uso irresponsável da terra e abuso dos bens que Deus colocou sobre ela. Crescemos acreditando que éramos seus proprietários e dominadores, e estávamos autorizados a colocar fogo para limpar a terra nas pastagens e nas matas derrubadas. No interior vivenciamos esses mesmos cenários que agora nos enchem de medo e vergonha. Crescemos vendo animais correndo das chamas ou sendo literalmente fritos no fogo vigoroso e impactante.
O processo de colonização do solo brasileiro ao longo de sua história foi gerando uma cultura de domínio sobre a terra e as queimadas vieram com a função de limpar áreas para cultivo, renovação de pastagens, queima de resíduos, eliminação de pragas e doenças, destruição de resíduos urbanos especialmente o lixo e até mesmo como técnica para caça de animais. Constituímos uma cultura primitiva de fazer frutificar a terra à custa de sua vida. Ela grita de dor a cada instante.
Por outro lado, nossos órgãos de governo estão dominados por uma política em que predomina a agenda negativa através da adoção de legislação cada vez mais restritiva para o uso do fogo, incremento de polos de monitoramento, aumento dos contingentes fiscalizadores e adoção de medidas repressivas como multas e outras penalidades. Essa agenda demonstrou nesse ano de 2024 que o problema cresce, permanece de modo latente ou explode com toda intensidade causando graves problemas nos aglomerados populacionais. Estamos com uma política ineficaz para a mudança de uma cultura do uso desenfreado do fogo.
Uma das alternativas desenvolvidas pelas ciências da terra é o desenvolvimento de processo de modernização da agricultura com a incorporação de novas tecnologias que substituem o uso do fogo nos sistemas de produção aumentando a sustentabilidade agrícola.
Há mais de vinte anos, o Brasil criou uma política para mudança desse cenário apocalíptico agindo na identificação e monitoramento das áreas prioritárias, uso de tecnologias para redução da prática de queimadas, incremento de cartilhas de divulgação e orientação e seminários locais e regionais com agricultores. O resultado desse esforço parece que foi devorado pelas chamas, pois somente nesse ano até 11 de setembro o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) detectou por satélite 172.815 focos de incêndio ou queimadas.
A indiferença de cada um de nós a esse grave pecado nos torna cúmplices da mesma situação. Hoje Deus não nos perguntaria apenas onde está o nosso irmão Abel, mas também onde está a nossa irmã terra, os nossos irmãos animais, a nossa irmã água, etc. O Papa Francisco nos convoca como missionários para unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar.
E nos convida de maneira urgente a renovar o diálogo sobre a nossa maneira de construir o futuro do planeta, desenvolvendo um debate que nos una a todos uma vez que o desafio ambiental tem forte impacto sobre todos nós. Em cada comunidade, cada paróquia, cada celebração, cada sala de catequese podemos iniciar processos de construção de uma nova cultura para o uso da terra.
Tanto a negação do problema como a indiferença diante dele afetam gravemente a nossa fé cristã. Resignação acomodada ou confiança cega nas soluções técnicas não produzem resultados. Diz o Papa: “Precisamos de nova solidariedade universal”. Precisamos desenvolver uma cultura solidária com nossos irmãos e com a casa comum.
Os talentos não são suficientes para conter as chamas do fogo devorador. É preciso o envolvimento de todos nós para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus e impedir o crescimento do mal feito chama. Todos e todas podemos colaborar como instrumentos de Deus no cuidado da criação. A salvação de cada um de nós passa obrigatoriamente pela salvação da terra, obra divina, nossa casa comum