O APOCALIPSE GAÚCHO


 
Hoje o dia amanheceu incrivelmente escuro, como se a noite quisesse prolongar seu turno.
Achei que finalmente o céu desabaria numa  chuva apocalíptica, como está escrito que um dia aconteceria. Mas é de chuva que nós estamos precisando. Então não é assim que Deus vai acabar conosco desta vez. A chuva passou e o noticiário vespertino continua a explorar  os mesmos escândalos políticos de todos os dias E as mesmas tragédias cotidianas, aqui e no exterior. E a loucura é a única coisa que todos os homens parecem ter ainda em comum.

Por dois motivos talvez precisemos de um novo dilúvio. Seja para encher as nossas represas quase secas, seja para afogar de novo a humanidade pecadora. Que depois de tantas tentativas de Deus para salvá-la, não consegue mesmo se tornar digna desse apreço. Até o próprio filho Ele já nos mandou para redimir-nos, mas nós o pusemos numa cruz para morrer e depois começamos a vender as aulas que ele nos deu por preços nada sagrados.

Se a velha humanidade foi destruída pela corrupção, como diz a Bíblia, o que podemos dizer desta que é bem mais corrupta?  E ainda por cima produz fundamentalistas mal humorados que matam os outros porque eles têm crenças diferentes das suas.  Ou será porque são animais que não aprenderam a sorrir e também não sabem que Deus fez as pessoas diferentes umas das outras para que elas buscassem complementar-se entre sí?
 
O que distingue os homens dos outros animais é a sua capacidade de pensar nos próprios pensamentos. Assim, as vezes ele descobre o ridículo de suas crenças. E consegue desenvolver um pouco de tolerância, amor e principalmente bom humor. Aliás, o bom humor talvez seja a única coisa que pode salvar nossas almas. Quem consegue viver a sua vida com alegria não fica procurando as diferenças que existem entre as pessoas, mas sim o que as aproxima.

Bem-aventurados aqueles que não levam tudo a sério (pelo menos não o suficiente para matar quem não leva);
Bem-aventurados aqueles que sabem que as pessoas não tem pés de um só tamanho e conseguem calçar e caminhar com os sapatos alheios; e bem-aventurados todos os que conseguem ver o mundo do ponto de vista das outras pessoas e não só do seu. E sabem que não precisam concordar com elas, mas que o respeito pelas crenças alheias é o mesmo que respeitar a própria pessoa.

Parece que o mundo está de ponta cabeça. Chove tudo em um lugar só ─ onde não precisa chover ─ e nem um pingo onde a necessidade é premente. Vejo os gaúchos se afogando nas águas pútridas que sobem dos seus fétidos rios contaminados. E morrem de sede por falta da água limpa que deveria sair ─ e não sai ─ da boca das suas torneiras niqueladas. Enquanto isso discutimos quem é mais adequado para governar um mundo que parece desgovernado por conta das nossas próprias escolhas erradas.

Tanto faz que Deus queira nos matar de sede, ou afogados nos nossos próprios detritos. Nós somos os únicos culpados disso tudo, porque destruímos nossas florestas e poluímos os nossos rios. Depois impermeabilizamos nossas cidades e provocamos todo o desequilíbrio que a natureza está sofrendo. Nós somos o próprio apocalipse e não precisamos que Deus nos mande nenhum outro porque provocar tragédias nós já sabemos fazer muito bem.

Peço a Deus que se ele estiver pensando em acabar com tudo de novo e resolva começar uma nova humanidade, que Ele não procure outro Noé para fazer isso. E que ao invés de profetas malucos e redentores ingênuos Ele nos um mande pelo menos um administrador competente.

─ E se não for pedir demais ─  alguns políticos que não sejam ladrões nem psicopatas.