A RIDÍCULA VERDADE
 
Quatorze pessoas morreram em deslizamento de terra em Niterói, no último dia 10  deste mês. Sempre a mesma coisa nesta época do ano. Nós nunca aprendemos. Seca e chuva são respostas da natureza contra quem vive agredindo-a. A China é hoje é o país mais poluidor do planeta. Estranho paradoxo para o povo que criou o Taoísmo, essa maravilhosa filosofia que emula a virtude do meio e exalta a sabedoria da natureza. Nos inspirados versos do Tao Te Ching, escritos há mais de 2.000 anos, Lao Tsé já fala do perigos que corremos em consequência do abandono do “caminho natural”, ou seja, o desprezo que a nossa “científica civilização” vota á ordem natural das coisas. “Quando o Grande Tao é abandonado” diz ele, “surgem a bondade e a justiça. Depois a sabedoria e a prudência, e propaga-se a hipocrisia. Quando os membros da família não se reconhecem mais, inventam-se o amor aos pais e a piedade filial. Quando os Estados sofrem corrupção e desordem, surgem os funcionários fiéis.” Sábia constatação. Existe uma ordem natural nas coisas. Mas o homem, com seus desejos, suas ambições, sua pretensa sabedoria, a desequilibra. Quando começa a sofrer as consequências desse desequilíbrio, busca meios de corrigir e remediar os males que causou a si mesmo. Então inventa conceitos como justiça, direitos humanos, bondade, piedade e tudo o mais que se convencionou chamar de virtudes humanas ou elementos de civilização. Que no fundo, nada mais são do que uma tentativa de remediar o mal que a humanidade fez a si própria destruindo a ordem natural das coisas.
Lao Tsé tinha razão. A natureza não faz nada errado nem deixa existir o que não tem utilidade. Tudo que rema contra ela provoca desequilíbrio e desordem. Se as águas do céu caem nos lugares errados é porque alguma razão existe. Nós provocamos o caos com nossas imensas aglomerações urbanas, ruas e praças impermeabilizadas e lotadas de detritos e resíduos, estradas que cortam montanhas e destroem florestas, reservatórios e plantações que modificam ambientes. Quando chove, as cidades ficam inundadas de água suja, e as nossas niqueladas torneiras, que deviam trazer água limpa para o nosso consumo permanecem secas. E as terras das encostas, sem anteparos e proteção, rolam sobre casas e estradas. Talvez fosse útil, para todos nós, uma releitura do Tao Te Ching. Ali se diz que a verdade, frequentemente, soa paradoxal. Como o Tao não tem afetos, quem mais sofre com as respostas da natureza são sempre as pessoas que estão mais desprotegidas. E nem sempre são aquelas que mais a agride. Como diz Lao Tse, isso também se explica pois quando o sábio ouve falar no Tao, abraça-o com zelo, quando se trata de um interessado, pensa nele de vez em quando, mas quando é um ignorante, ri às gargalhadas. É isso. A verdade, de tão óbvia, muitas vezes nos parece ridícula.