A População Humana também tem que seguir os Princípios Naturais de Crescimento
A População Humana também tem que seguir os Princípios Naturais de Crescimento
Luiz Eduardo Corrêa Lima
(Professor Titular de Biologia da FATEA/Lorena/SP,
Professor de Biologia da Escola Damasco/Caçapava/SP e
Monitor de Educação Profissional do SENAC/Guaratinguetá/SP)
Apesar de toda a falácia existente sobre a questão do crescimento populacional humano, o número de seres humanos no planeta continua progressiva e perigosamente aumentando e todos os efeitos oriundos desse aumento populacional absurdo e inconsequente são cada vez maiores. Não creio que haja muita necessidade de esclarecer tecnicamente aqui o que acontece quando uma população natural cresce fora do controle. Entretanto, para não parecer aos leigos que estou inventando problemas onde eles não existem, farei um breve resumo da questão.
Toda população natural tem um potencial biótico teórico para crescer que a permitiria crescer indefinidamente, independentemente da sua taxa de mortalidade ou de emigração. Esse potencial biótico costuma ser representado por uma curva exponencial com a forma de “J”. Entretanto, esse crescimento indefinido não acontece na natureza, porque existe um conjunto de fatores, que constituem a resistência do meio (resistência ambiental), fazendo com que a curva que cresceria continuamente seja puxada para baixo, impedindo assim o seu crescimento indefinido. Essa curva é representada por uma forma sigmoide, semelhante a um “S”.
A resistência ambiental é condicionada por inúmeros fatores que podem interferir no crescimento da população como espaço físico, carência de recursos, carência de alimentos, presença de predadores e mesmo cataclismas ou grandes eventos geoclimáticos, que podem mudar a conformação do ambiente significativamente fazendo com que a população não seja capaz de resistir e subsistir. O caminho natural e único das populações naturais presentes nessas situações é a diminuição progressiva de seu tamanho e a consequente extinção. Quero ressaltar que tudo isso pode acontecer naturalmente com qualquer população de organismos vivos existentes no planeta, inclusive com a população humana. Somos organismos vivos como outros quaisquer e estamos sujeitos aos mesmos mecanismos planetários.
Assim, o crescimento real de uma população segue um padrão definido que é regulamentado pela capacidade reprodutiva do seu potencial biótico e pela resistência ambiental. Enquanto a população é pequena a resistência ambiental é pequena, mas quanto mais a população cresce maior fica a resistência. Essa situação é conhecida como capacidade de suporte do meio ou carga biológica máxima e em última análise e ela quem garante uma situação final de equilíbrio populacional. Essa situação final de equilíbrio populacional se mantém com flutuações médias em torno de um tamanho populacional ideal ao longo das gerações e desta forma as populações naturais tendem a se perpetuar no ambiente em que vivem.
É bom também lembrar que, salvo raras exceções, a maioria das populações naturais de organismos vivos não é cosmopolita. Aliás, a maioria das populações cosmopolitas hoje existentes assumiram essa condição em consequência da ação antrópica. Isto é, foi a população humana que propiciou o ir e vir de muitas espécies pelo planeta afora e que fez com que muitas dessas espécies hoje possam estar em quase todos os locais planetários. Entretanto, é preciso que fique claro que essas populações inicialmente se desenvolvem em áreas restritas, elas eram populações endêmicas que viviam em regiões com recursos naturais e espaço físico definidos.
Esse fato do endemismo primitivo precisa ser destacado, porque ele torna a resistência do meio ainda mais limitante ao crescimento populacional, haja vista que são necessárias características ambientais específicas para que as diferentes populações possam sobreviver nos diferentes ambientes. Algumas populações naturais foram capazes de desenvolver significativas possibilidades adaptativas e assim conseguiram resistir em outras regiões. Porém, essa não parece ser uma regra natural abrangente e efetiva na natureza, porque a grande maioria das populações naturais não consegue sobreviver sem essas condições ideais especiais.
No caso humano, em que pese o fato da população humana primitivamente também ser uma população natural, nossa condição endêmica foi desde o início mascarada por nossa capacidade migratória e exploratória. A espécie humana se distribuiu pelo planeta e se tornou uma espécie cosmopolita e além disso, também se tornou uma espécie capaz de criar mecanismos que podiam suplantar alguns dos limites impostos pela resistência ambiental, quando até foi capaz de modificar o meio à sua volta adequando esse ambiente ao seu próprio interesse. Não bastasse isso, a espécie humana inventou e incrementou a agricultura, a domesticação e a transformação física e química dos materiais. Além disso, ela desenvolveu a cultura e através dessa característica pode ir passando o que aprendia e conhecia através da educação e do ensinamento às gerações subsequentes. Nossa espécie criou muitas coisas e se aprimorou cada vez mais nessa capacidade quase exclusiva de se apropriar da natureza e de mudar significativamente o ambiente a sua volta.
Nesse sentido, a espécie humana é realmente muito diferente da grande maioria das demais espécies vivas. Entretanto, é necessário que fique claro, que isso não torna a espécie humana definitivamente independente do ambiente em que vive no planeta, seja esse ambiente qual for, porque tudo o que é utilizado pela população humana é necessariamente originário do planeta Terra que é finito e limitado de recursos naturais. Assim, o poder da espécie humana de modificar as coisas em seu interesse, embora real, é temporário, pois em última análise sempre há dependência do ambiente planetário como fonte de recursos, qualquer ocorre com qualquer espécie viva. A diferença efetiva é apenas o fato de que o espectro de captura e exploração da espécie humana é maior, em função de sua capacidade adaptativa maior e de sua expressiva tendência exploratória e criativa, além, obviamente, de sua condição de espécie cosmopolita assumida secundariamente e de seu próprio desenvolvimento cultural.
Ao longo do tempo, a espécie humana conseguiu fazer com que a resistência ambiental fosse mascarada e até certo ponto, suplantada pela sua capacidade criativa e modificadora. A população humana criou mecanismos adicionais que levaram a modificação dos padrões naturais de crescimento populacional, através da superação da resistência ambiental e do consequente aumento do seu potencial biótico. Assim, ao contrário de outras populações naturais, nós humanos, suplantamos um pouco os limites naturais, por conta de ações tecnológicas que modificaram as nossas possibilidades de crescimento populacional. Essas ações tecnológicas, além de reduzir as taxas de mortalidade e ampliar as taxas de natalidade, permitiram novas situações de ocupação de espaço, de produção de alimentos, de segurança e resistência as ações externas.
Enfim, a população humana, em certo sentido deixou de se enquadrar nos preceitos mínimos estabelecidos à uma população natural, pois foi capaz de adequar quase tudo ao seu interesse imediato e assim pode continuar crescendo de maneira aleatória, porque a maioria dos fatores limitantes estava aparentemente sob o seu controle. Nesse quadro, chegamos a 6 bilhões de habitantes no ano 2000, já passamos de 7 bilhões em 2012 e não sabemos onde vamos parar. Várias pesquisas existem sobre essa questão e os melhores cenários apontam para uma possível estabilização e um “equilíbrio natural” que se dará em torno dos 10 bilhões da habitantes. Na verdade, os cenários variam entre 9 a 12 bilhões. Mas, a que custas ambientais, sociais e econômicas vamos conseguir atingir essa pretensa estabilização?
Hoje quase ¼ da população humana já está vivendo na mais total miséria. Doenças degenerativas oriundas principalmente de maus hábitos alimentares, como o câncer nos diferentes órgãos digestivos, têm matado muita gente. Doenças respiratórias, oriundas de poluição atmosférica têm produzido outro enorme contingente de vítimas. Os ecossistemas naturais desaparecem e são degradados continuamente, por falsos interesses florestais, industriais e minerários. As cidades “incham” de indivíduos, prédios, carros, resíduos e não têm mais como permitir o transitar normal das pessoas e a assim, a violência urbana e mobilidade urbana viraram grandes problemas sociais em consequência da carência de espaço. O consumismo exacerbado e a falta de critério no uso dos recursos naturais, torna cada vez mais difícil e caro o custo de vida.
Em suma, o caos é total. Nada disso parece estar preocupando a população humana que não para de crescer e de aumentar as necessidades de recursos naturais. Será que teremos que produzir mais transgênicos; desmatar maia áreas naturais; utilizar mais agrotóxicos; destruir mais solos férteis; poluir e contaminar mais água, solo e ar; produzir mais resíduo sólido orgânico; gerar mais resíduo químico industrial; extinguir mais espécies vivas degradando ambientes naturais?
Nos últimos anos tem sido observado o aumento progressivo da temperatura planetária, originário principalmente das ações antrópicas, em consequência da produção e liberação excessiva de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. O Aquecimento Global é um fato comprovado e o homem é o principal culpado desse fenômeno, embora muitos ainda insistam em não querer acreditar, esse é um efeito real e cada vez mais evidente das ações antrópicas no planeta. Por outro lado, também têm acontecido eventos geoclimáticos extremos com maior frequência e cada vez mais violentos, os quais também resultam das atividades antrópicas planetárias.
Ora, parece que a resistência ambiental finalmente está mostrando as suas garras e a população humana, como qualquer outra no planeta se evidencia incapaz de resistir e não está conseguindo vencer a natureza. Nós humanos, apesar das aparências e de nossa arrogância e egoísmo, nós não somos “super seres biológicos”, somos iguais a qualquer espécie viva existente no planeta. Nossa população também se comporta como qualquer outra e precisamos estar em acordo com as regras naturais de ocupação do espaço planetário, de limite da utilização dos recursos naturais e de tamanho efetivo da população.
Baseado nisso, precisamos estabelecer rapidamente um padrão de controle populacional planetário que seja compatível com os interesses naturais, pois todas as ações humanas decorrem da necessidade cada vez maior em função da população que não para de crescer e, o que é pior, cresce descontrolada e aleatoriamente. A espécie humana já superou os limites naturalmente estabelecidos e agora só existem duas alternativas possíveis à nossa sobrevivência: ou mudamos os nossos hábitos e tratamos o ambiente em que vivemos como algo efetivamente importante e, para tanto, é necessário começar a diminuir nossa pegada ecológica, o que só poderá acontecer, minimizando progressivamente o crescimento da população humana ou então continuamos a seguir o caminho errado em que investimos historicamente e que lavará certa e rapidamente em direção à extinção anunciada e prematura de nossa espécie.
A escolha é nossa. Agora não se trata mais de discutir picuinhas. Os fatos estão aí para quem quiser ver. A realidade à nossa volta fala por si. A questão é de vida (continuidade) ou morte (extinção) da espécie humana.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (58) é Biólogo; Professor de Ensino Superior, Médio e Técnico; Pesquisador; Ambientalista e Escritor;
Vice- Presidente da Academia Caçapavense de Letras; foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.
Artigo anteriormente publicado no Portal da Educação (06/03/2014).