O MATEIRO E OS MUIAMAS
Seu Jebêncio se diz ser o maior "granjeador" da região, entendendo-se por região as fechadas matas das cercanias de Santo Belo do Ribeirão, Cabijunça da Serra e Capirobinha. Suas histórias resvalam o fantástico - que conhecimento ele diz ter dos animais e das suas especificidades - é bem verdade, nunca falou "especificidade": "os bicho têm cada manha, que vige Deus".
O tontôzeo, uma espécie de roedor de pêlo alaranjado, do tamanho de um coelho grande, esperto feito um rato, é o terror das galinhas - mata por maldade e despeito, segundo seu Jebêncio. Quando ele desanda a falar "dos pássaro", seus olhos brilham. O tiruri, seu preferido, só come daquela frutinha arroxeada, raríssima - taiapu. Fingo-fingo, com seu bico vermelho e azul, é uma raridade, só comparado ao canguçu real que só é visto em dias de chuva fina, isto depois que "o sol vira".
Passando para os insetos rasteiros, as formigas recebem pelo menos meia hora de prosa. As urpias são rivais das juenas, pequeninas e vermelhinhas, mas com uma picada capaz de derrubar neguiu dos grandes - este será descrito mais adiante. Nunca soube se pequeninas e vermelhinhas são as urpias ou as juenas, ou o nome certo seria jurenas?
As marmelas, uma espécie de aranha, são temidas pelos liolás, escorpiões com férnulas avantajadas - férnulas, segundo ele, são ferrões de três garras. Nos seus casos sobre insetos aparecem também os pecuins, os birós e os amiuns - de difícil identificação quanto ao porte e hábitos, são citados penas de passagem, sem pormenores ou detalhes.
O neguiu, já referido, é uma espécie de urso que tem no tamanduá gibil seu grande rival. O gibil é uma variedade de tamanduá com presa tipo de elefante.
Mas quando seu Jebêncio cita os muiamas - ele sempre cita "os muiama" - fica sério e pede silêncio. Pita umas três vezes o cachimbo de sempre, ajeita o esfarrapado chapéu de palha e fala: "Meu filho, os muiama... nem é bom contá. Este negócio de ecologia devia se preocupar com os muiama... eles estão acabando com tudo... nem é bom contá". Repete isso umas três vezes e acaba por se convencer que não deve "contá" e se cala por completo sobre o assunto.
Eu fico sempre imaginando o que será que eles - os muiamas - têm de tão especial para serem tão misteriosamente respeitados e temidos? Como serão os muiamas? Será que estamos perante o dilema: ou acabamos com os muiamas ou eles acabam com a ecologia e com a espécie humana, impiedosamente? A imaginação vai longe, e lá longe, junto com a minha imaginação, me despeço de seu Jebêncio. Espero ele se emaranhar no mato - ele mora no mato, este sim, é um verdadeiro ecologista - lá pelos lados de Capirobinha, no entroncamento de Cabijunça da Serra com Santo Belo do Ribeirão, até perdê-lo de vista e abro o jogo com você: tudo mentira, pura invenção da minha parte. Apenas um pretexto para ter mais um texto neste capítulo.
(DO LIVRO DE HUMOR REFLEXIVO SEXO, MULHERES E ECOLOGIA DE LUIZ OTÁVIO)