Aspectos socioambientais do Capibaribe para um programa de extensão na bacia

O presente trabalho decorre de nossa inserção nas atividades do Programa Capivara, um programa de extensão que tem como meta contribuir com o fortalecimento da educação socioambiental em escolas e outras instituições educativas localizadas na bacia hidrográfica do Capibaribe (Pernambuco). O Programa Capivara iniciou suas atividades de planejamento em meados de 2011 e terá vigência durante 2012. Trata-se de uma iniciativa da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Comitê de Bacia Hidrográfica do Capibaribe (COBH Capibaribe) com o apoio do Ministério da Educação (MEC) e da Agência Pernambucana de Águas e Clima (APAC).

Nesta apresentação, em particular, temos o objetivo de identificar alguns aspectos expressos nas paisagens socioambientais e culturais da bacia, que possam servir de elementos para planejar ações de educação socioambiental fundamentadas no conhecimento dos lugares. Para isso, argumentamos que a história e a cultura constituem elementos centrais, capazes de despertar possibilidades de aprendizado compreensivas dos processos socioambientais existentes.

Nosso ponto de partida são algumas mudanças nas paisagens enunciadas sobre a bacia. Dizia-se do Capibaribe no início do século XIX:

O rio está ligado da maneira mais íntima à história da cidade. O rio, o mar e os mangues. Assassinatos, cheias, revoluções, fugas de escravos, assaltos de bandidos às pontes, fazem da história do Capibaribe a história do Recife (FREYRE, 1942).

Quando Gilberto Freyre relata a condição do Capibaribe em seu relevante Sobrado e Mocambos aponta para uma realidade cotidiana na cidade do Recife. De fato, o Capibaribe corta importantes bairros como Várzea, Apipucos, Capunga, Poço da Panela entre outros, sendo que ao final encontra-se com o rio Beberibe e juntos deságuam no Porto da cidade.

Nesse percurso que se inicia na divisa de Poção com Jataúba (PE), percorre um trajeto de cerca de 280 km, cortando importantes cidades pernambucanas como Taquaritinga do Norte, Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru, Limoeiro, Paudalho, São Lourenço da Mata, Camaragibe até encontrar a capital, Recife. Importantes afluentes estão ligados a ele como o rio Tapacurá.

Durante seu percurso uma série de intervenções negativas ocorre proporcionada pelas cidades que o acompanham. A participação da população ribeirinha, da cidade e das fábricas com efluentes e lixos conduz o rio a um estado muito diferente do que Freire demonstra em suas obras. Os impactos ambientais causados desde o encontro com as primeiras cidades e a forte carga de dejetos depositados na região metropolitana afetam não só a qualidade da água e, consequentemente, da vida das populações adjacentes, mas de toda biodiversidade que depende desse ecossistema.

Em se tratando de biodiversidade, um fato se destaca é a presença histórica das capivaras nas áreas alagadas do rio Capibaribe. Capibaribe é um nome proveniente da língua tupi caapiuar-y-be ou capibara-ybe (ou ipe) e significa rio das capivaras. Por esse motivo, nosso programa (Programa Capivara) sugere este animal como um símbolo da resistência da vida sobre os ataques que o desenvolvimento insustentável lança contra as águas do Capibaribe, que foi, outrora, o rio das capivaras.

Com efeito, há muitas questões sociais e econômicas que hoje desafiam a gestão sustentável da bacia. No Alto Capibaribe, por exemplo, o pólo de desenvolvimento do Agreste que abarca uma das mais importantes regiões do Estado. Nessa área denominada de Pólo do Jeans, se concentra a segunda maior produção de jeans do país, perdendo apenas para o estado de São Paulo. Na medida em que desencadeia crescimento econômico e geração de empregos, gera também efeitos secundários indesejáveis, como o desenfreado crescimento urbano sem ordenamento, construções urbanas em áreas irregulares, resíduos e efluentes das indústrias de confecção que são lançados às águas do Capibaribe sem tratamento, entre outros problemas que contribuem para que a água se torne imprópria para o uso.

No Médio e no Baixo Capibaribe a situação não é melhor, mas, ao contrário, as condições do rio agravam-se. Nesta região, só conhecemos as condições saudáveis do rio quando retomamos seu passado histórico. Gilberto Freyre em seu livro Nordeste relata que naquele tempo (séc. XIX) era possível ver “famílias inteiras mergulhando no rio e nele passando parte do dia, abrigando do sol sob pequenos telheiros de folhas de palmeiras; cada casa tem o seu, perto do qual tem um pequeno biombo de folhagem para vestir e despir”. Essa realidade era algo corriqueiro nos dias de sol na capital pernambucana como, provavelmente, ao longo de toda bacia. Com o passar do tempo e a evolução dos vilarejos e cidades, não só os costumes foram mudando, como também as feições da paisagem e a qualidade da água para tais usos.

Esses e outros aspectos estão sendo estudados para compor processos de educação socioambiental na bacia que integram pesquisa, ensino e extensão junto a escolas e outras instituições educativas e culturais. A estrutura do Programa contempla ações nas três regiões da bacia do Capibaribe, denominadas de Alto, Médio e Baixo Capibaribe. No Alto encontram-se as cidades de Toritama, Santa Cruz do Capibaribe, Taquaritinga do Norte, Brejo da Madre de Deus e cidades próximas; no Médio, estão Paudalho, Limoeiro e cidades vizinhas e, por fim, o Baixo Capibaribe compreende São Lourenço da Mata, Camaragibe e Recife, como também cidades ligadas aos afluentes do rio.

A metodologia do Programa contempla quatro projetos: de formação sobre a sustentabilidade socioambiental da bacia; de mobilização e articulação na bacia; de produção acadêmica; e de conexão e comunicação por meio de ambientes tecnológicos.

O Programa Capivara utiliza um conjunto diversificado de procedimentos de representação, levantamento de informação e meios de comunicação, que valoriza os seguintes processos: a) a identificação de problemas socioambientais pelos próprios participantes com base em uma avaliação do ambiente no qual vivem o seu dia-a-dia e das perspectivas de seus pares, de outros grupos da comunidade, especialistas, administradores e políticos; b) a investigação dos problemas e das questões consideradas problemáticas a partir de diversas fontes e métodos de levantamento de informações; c) a análise e interpretação dos dados com o objetivo de criar um quadro o mais complexo possível dos fatores e variáveis envolvidas no problema pesquisado; d) o planejamento de ações ambientais, que compreende o debate em torno das possíveis alternativas, o reconhecimento das potencialidades ambientais, sociais e culturais locais e a comunicação com os sujeitos envolvidos; e) a organização da “memória” e a avaliação dos resultados da investigação e das ações empreendidas, com o propósito de inaugurar novos ciclos de pesquisa, educação e ação e de definir indicadores para monitorar o êxito das ações propostas e levadas a efeito.

Os projetos em desenvolvimento investem na interação permanente do ensino, pesquisa e extensão, apostando na produção de conhecimentos acadêmicos socialmente relevantes. Parte-se da premissa de que as mudanças culturais, sociais, políticas, econômicas e ambientais que todos vivemos no presente torna indispensáveis os esforços em uma formação que contemple, além da reflexão sobre os efeitos profundos da ciência e tecnologia na sociedade, nos indivíduos, na cultura e no ambiente, a adoção de abordagens teórico-metodológicas que assumam os princípios da articulação entre teoria e prática, da complexidade e da interdisciplinaridade no entendimento da realidade e no equacionamento dos problemas locais e globais.

Conferir tal significado à educação hoje implica qualificá-la a partir da sua inserção sociocultural e política, evitando-se qualquer visão que, de algum modo, a aprisione em uma condição instrumental, normativa e prescritiva. Ao contrário, elege-se aqui a instituição educativa como espaço de formação, criação e expressão de multiplicidades, em relação produtiva permanente com outros setores da sociedade. Isso significa, certamente, inverter concepções de processos científicos e pedagógicos de longa tradição – os quais sustentaram um ensino prescritivo e uma prática docente reprodutora de saberes institucionalmente legitimados e, geralmente, distantes dos espaços de sua difusão e aplicação -, envolve problematizar os conhecimentos e as categorias teóricas e metodológicas com que nos acostumamos a lidar para interpretar o mundo. Isso conduz a deslocamentos individuais e coletivos nem sempre simples ou simplificáveis, porém, instigantes, visto que representam uma oportunidade de produzir e fazer proliferar modos de pensar e de conhecer orientados pela prática do questionamento sistemático e crítico da realidade, pela interlocução permanente com os agentes nela implicados e pela abertura à afetação possibilitada pela experiência.

De nossa experiência iniciada há poucos meses, não podemos apresentar resultados, mas somente indícios. No momento, para não nos colocar à frente do que o futuro reserva, cabe-nos apenas destacar que há acerto quando nos propomos a fortalecer práticas já existentes na bacia. E dizemos isto por que nos encontros realizados interagimos com vários atores e instituições ávidos por mobilizar ações articuladas e consistentes em favor da vida natural e cultural na bacia, dos quais acreditamos que frutifiquem muitos outros projetos e ações de educação socioambiental contextualizadas na bacia.

Lindembergue Francisco dos Santos – Graduando em História – UFRPE (Bolsista do Programa Capivara de Educação Socioambiental da UFRPE)

Josilene Alves de Souza – Graduanda em Ciências Biológicas - UFRPE (Bolsista de Extensão do PET Ciranda das Ciências da UFRPE)

Carmen Farias – Professora do Departamento de Biologia da UFRPE

Conheça mais em www.lindemberguesantos.blogspot.com.br

Lindembergue Santos, Josilene Alves de Souza e Carmen Roselaine Farias
Enviado por Lindembergue Santos em 10/01/2013
Reeditado em 10/01/2013
Código do texto: T4076738
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