O MARXISMO E SUA INEGÁVEL INFLUÊNCIA NA QUESTÃO ECOLÓGICA
O presente artigo foi construído a partir de discussões em sala de aula, e das leituras de textos que propiciaram um melhor entendimento do tema aqui proposto: O marxismo e sua influência na questão ecológica. Pretende-se construir um paralelo entre o que Marx escreveu em seu livro “O Capital” , e a interpretação de teóricos modernos acerca dos assuntos nele abordados, como o capitalismo e a relação homem/natureza; além de explicar termos que não figuram nos escritos de Marx, a exemplo de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, mas que são de primordial importância para o entendimento da realidade atual.
Comecemos por tratar do tema ecologia, enquanto disciplina acadêmica surge no fim da década de 1960, mas adquire as proporções que conhecemos a partir da década de 1970, devido à crise do petróleo de 1973. A crise petroleira mostrou ao mundo sua limitação na produção de combustíveis fósseis. O interesse pelo tema ecologia foi despertado por pensadores como Herbert Marcuse, sociólogo e filósofo que incentivava a formação de grupos ecológicos e anticapitalistas.
Para traçar um paralelo entre o marxismo e a ecologia, faz-se necessário que primeiro analisemos a maneira com que Marx via a relação homem/natureza e as modificações que a mesma sofreu frente ao capitalismo. Conforme Cantor (2007, p.101), “Marx concebe o homem como um ser natural, vinculado à natureza e fazendo parte dela.”, sendo assim, o homem tem vínculos com a natureza, mas se sobrepõe a ela e a domina, distanciando-se cada vez mais da mesma, principalmente através do trabalho e consequentemente da vivência em sociedade. A partir do trabalho se constrói a sociedade, modificando assim a forma como o homem se relacionava com a natureza, que segundo Granemann (2009), declara:
(...) os processos de manipulação da natureza, em especial no modo de produção capitalista, não carregam a preocupação de preservar a vida já que a crescente conversão de todas as esferas da sociabilidade humana em processos apropriados pelo capital e tornados mercadejáveis propiciaram incessantes produção e consumo de mercadorias que têm ameaçado de destruição o planeta. (p.226)
Desde os primórdios, quando o homem passa a criar instrumentos para facilitar o trabalho, e a partir desse trabalho começa a viver em sociedade, muita coisa mudou. O homem sempre precisou dos recursos naturais para sobreviver, e então ele aprendeu a lidar com a natureza, como por exemplo, ao cobrir o corpo e assim poder continuar a viver em ambientes frios ao invés de migrar em busca de melhores temperaturas. Começa então a vida em sociedade, as pessoas passam a viver juntas, criam-se os grupos sociais e devido a isso se torna necessário que o homem volte a desbravar novos lugares, para acomodar sua crescente prole. Conforme Engels (1999, p. 20), revela “(...) sua influência sobre a natureza adquire um caráter de ação intencional e planejada (...)”. Passa então o homem a modificar o que está em sua volta, primeiro para melhor sobreviver e posteriormente (com o surgimento do sistema capitalista) para acumular riquezas.
O modo de produção capitalista converteu as relações entre o homem e a natureza em relações monetárias; o capitalista não se importa em adquirir lucro dilapidando as fontes naturais do planeta, ao mesmo tempo em que acelera a destruição do meio ambiente, produzindo, além disso, alienação e desumanização. É preciso que chamemos a atenção ao fato de que Marx, em seus estudos, se concentrou na exploração da força de trabalho e na divisão social das classes antagônicas: burguesia versus proletariado, tratando em “O Capital” de assuntos como os mecanismos utilizados pelo capitalista para explorar a classe trabalhadora e suas condições de vida e conforme Cantor (2007), explica:
(...), Marx sublinhou, em diferentes momentos de sua vida, a maneira como o capitalismo não apenas baralha e modifica as relações entre os homens e a natureza, senão que, além do mais, destrói a base natural da riqueza até limites impensados, tais como o esgotamento dos solos, a destruição das florestas e a contaminação nas cidades. (p. 103)
Por mais que Marx em seus escritos tenha sido um homem à frente do seu tempo, ele jamais poderia comensurar a proporção em que a natureza seria espoliada pelos interesses capitalistas no decorrer dos séculos. E apesar de o termo ecologia não ser citado em seus escritos, tanto Marx quanto Engels fizeram menção à necessidade de uma relação equilibrada entre o homem e a natureza, e que essa supunha a superação do capitalismo.
De acordo com a atual lógica capitalista, está no consumo a chave para a felicidade, em contrapartida é nele que também está o motivo para a acelerada extração dos recursos naturais. Concernente a isso, segundo Bernardelli e Jesus (2009, p. 2), “(...) a ideologia do consumo tem como fundamento suscitar incessantes necessidades, sejam elas materiais ou ilusórias (...)”, tal ideologia favorece ao crescimento do capitalismo, pois o consumo exagerado propicia a produção em larga escala.
Para desvendarmos a questão ecológica contemporânea, é importante que nos lembremos das circunstâncias atuais. Para Cantor (2007), “(...) a raiz dos problemas ambientais não se deve buscar na natureza, mas na sociedade capitalista e em seus mecanismos básicos de funcionamento.” (p.104). Entendemos nessa declaração o quanto o capital está imbricado na atual situação em que se encontra o planeta. Conforme Bernardelli e Jesus (2009), afirmam:
A contradição que nos parece evidente nesta problemática é o próprio modelo de sociedade que mantém na sua essência a destruição dos recursos naturais ainda disponíveis juntamente com o discurso do consumismo via comunicação de massa presente na sociedade. (p.7)
Em sua análise acerca da questão ecológica envolvendo o capitalismo, Cantor (2007, p.106) cita a contribuição que o renomado economista James O’Connor propõe, ao declarar a existência de uma segunda contradição capitalista. Sabemos que em O Capital, Marx analisa a contradição típica do sistema capitalista, em que capital e trabalho se contrapõem, sendo a partir dessa relação que o capitalista extrai a mais-valia , fonte de acumulação de capital. Haveria uma segunda contradição que não foi considerada por Marx, que seria: capital versus natureza. Segundo O’Connor, citado por Cantor (2007), alega
Tal contradição manifestar-se-ia numa ampla escassez de recursos, motivada pela expansão do consumo produtivo de recursos não renováveis (tais como as matérias-primas de tipo mineral, petróleo e outras), como pela degradação das condições naturais (solos, rios, águas), que dificultam a reprodução do capital. (p.106)
A partir do momento em que o capitalismo toma proporções mundiais, torna-se mais evidente a forma inapropriada com que o mesmo faz a extração dos meios naturais em prol de seu descomunal desenvolvimento. Não se preocupando que os recursos do planeta são limitados, causando poluição do ar e da água, aumento da temperatura do planeta, a derrubada indiscriminada de árvores, entre outros desastres ecológicos. Para Bernardelli e Jesus (2007), “vivemos numa sociedade onde os problemas ambientais gerados pela humanidade colocam em risco a própria sobrevivência do planeta e seu amplo e complexo ecossistema.” (p. 8). Tal sociedade não entende que para continuar produzindo mercadorias da forma ilimitada como vem fazendo, precisa extrair cada vez mais da natureza, pois, segundo Marx, o capital se apropriou da natureza e assim construiu seus bens, e posteriormente seus monopólios.
Citando O’Connor, Cantor (2007, p. 107), declara que “o capitalismo não é sustentável”. A partir dessa afirmação passaremos a analisar o tema sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, conforme Bernardelli e Jesus (2009), explanam: “(...) refere-se ao desenvolvimento capaz de atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades” (p. 8).
Apesar de parecer “estar na moda” falar em sustentabilidade, torna-se cada vez mais difícil enfrentar os valores impostos pelo capital. Pensar em “desenvolvimento sustentável” frente à atual sociedade que vive do/e para o consumo é um verdadeiro problema, pois o sistema capitalista dissemina a necessidade de novas aquisições e para isso incentiva o desperdício; o que foi comprado ontem, hoje não serve mais e amanhã estará no lixo, que cresce em proporções inimagináveis, dia após dia.
Considerações Finais
Apesar de a palavra ecologia não figurar entre os escritos de Marx, teóricos modernos utilizaram-se de alguns de seus pressupostos para construir novas ideias acerca do capitalismo e do seu avanço destruidor da natureza. Fala-se inclusive numa possível “segunda contradição”, em que aparece capital versus natureza, numa luta desigual, pois estando subjugada pela força e inteligência do homem, a natureza vê seus recursos naturais sendo exauridos.
Em meio a isso, emerge uma cruzada entre os ecologistas com seus discursos sobre sustentabilidade, e o sistema capitalista com seu forte apelo consumista, que leva a sociedade à busca do prazer por meio de um novo consumo, que remete ao desperdício do que acabou de ser adquirido, pois um produto novo é melhor do que um velho, mesmo que esse ainda funcione e ainda possa ser utilizado. Resta saber até quando a natureza suportará esse abuso.
Referências
BERNARDELLI, Tânia Mara; JESUS, Altair Reis de. O discurso da sustentabilidade e as práticas de consumo na sociedade contemporânea. V ENECULT: Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura; Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador - Bahia – Brasil; 27 a 29 de maio de 2009.
ENGELS, Friedrich. Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 1999. Disponível em: www.jahr.org.
GRANEMANN, Sara. Processos de trabalho e Serviço Social. Programa de Capacitação Continuada para assistentes sociais. Módulo 2. Reprodução Social, Trabalho e Serviço Social- Brasília: CEAD, 1999;
NÓVOA, Jorge (Org.); CANTOR, Renan Vega. Marx, a ecologia e o discurso ecológico in Incontornável Marx. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Editora UNESP, 2007. p.99-115.