Transposições de Águas: um “Ensaio Teórico” sobre essas situações ambientalmente perigosas

Transposições de Águas: um “Ensaio Teórico” sobre essas situações ambientalmente perigosas

Luiz Eduardo Corrêa Lima

(Professor Titular da FATEA/Lorena e Monitor de Ensino Profissional do SENAC/Guaratinguetá)

INTRODUÇÃO

Se formos procurar no dicionário uma definição para o termo “TRANSPOSIÇÃO”, poderemos observar que se trata de um conceito bastante claro, como o próprio nome diz. Isto é, transpor é trocar de posição. No “Dicionário Eletrônico Houaiss 3” diz precisamente assim: “permutação que troca somente (grifo nosso) as posições de dois elementos”. Desta forma é possível concluir que a transposição das águas consiste em trocar as águas de lugar, tirando a água de uma Bacia Hidrográfica e transferindo para outra. Do ponto de vista operacional, isto é apenas e tão somente uma obra de engenharia. Entretanto, isso não é algo efetivamente verdadeiro.

Se formos considerar o ponto de vista estritamente sociológico, a transposição é algo que, mesmo transcendendo amplamente o limite da simples troca de posição, pode se justificar pela necessidade antrópica e social da água para os mais diversos fins. Porém se pensarmos do ponto de vista naturalístico e ambiental, a transposição torna-se uma atividade extremamente complexa, que envolve a mudança do meio físico, químico e biológico de um ambiente para outro, contrariando, entre outras coisas, os mecanismos evolutivos e geomorfológicos naturais que permitiram a situação existente na área envolvida antes da transposição.

Quer dizer, a transposição (de águas) não é somente uma troca de posições, como, lamentavelmente, está escrito no dicionário, porque há muito mais coisas ecológica e socialmente envolvidas quando se faz uma transposição de águas. Na verdade, ocorre uma aglutinação, uma mistura e uma interação entre, pelo menos, dois ecossistemas diferentes numa aparentemente simples transposição de águas, o que condiciona mudanças claras e extremamente abrangentes nos ambientes envolvidos.

Em suma, quando se faz essa “transferência” de água de uma Bacia Hidrográfica para outra, talvez fosse mais adequado passarmos a usar e expressão “intromissão de águas” e quero crer que não se trata apenas de uma questão de semântica, mas sim de demonstrar a veracidade ambiental do que ocorre. Talvez, essa expressão mais contundente possa levar ao melhor entendimento da gravidade da questão de “transferir” água de uma Bacia para outra. De qualquer maneira, vou tentar ser mais claro e esclarecer a minha proposta conceitual, demonstrando a verdadeira situação que ocorre numa dessas obras, que até o momento, ainda são denominadas transposições de águas.

ESCLARECENDO O CONCEITO PROPOSTO À LUZ DA ECOLOGIA

Os grandes clássicos da Ecologia são unânimes na afirmação de que um ecossistema consiste numa unidade ecológica distinta das demais e que cada espaço geográfico característico compõe um ecossistema único.

ODUM, 1972 (p.7) afirma que “o ecossistema é em Ecologia a unidade funcional básica, porque inclui tanto organismos (comunidades bióticas) como um ambiente abiótico, cada um dos quais influi sobre as propriedades do outro”. O mesmo autor diz ainda que “o conceito de ecossistema é e deve ser amplo, sendo sua principal função no pensamento ecológico a de destacar as reações obrigatórias, a interdependência e as relações casuais, isto é, o acoplamento dos componentes para formar unidades funcionais”.

MARGALEF, 1977 (p.10) diz que “o ecossistema consiste de uma área geográfica com características próprias de composição e dinamismo expressas na forma de troca de matéria e energia entre os componentes e as populações associadas numa interação mútua”. Também afirma que é perigosa a interferência humana sobre os ecossistemas.

DAJOZ, 1978 (p.279) declara que “um ecossistema apresenta homogeneidade do ponto de vista topográfico, climático, botânico, zoológico, pedológico, hidrológico e geoquímico”. E diz ainda que “as trocas de matéria e energia entre seus constituintes fazem-se com intensidade característica”

Assim sendo, as “intromissões de águas”, denominadas de forma delicada e eufemística de transposições de águas, consistem verdadeiramente na junção de unidades ecológicas distintas e diferentes, e certamente sua ocorrência interfere em ambas as unidades ecológicas envolvidas e pode produzir impactos ambientais bastante significativos. Esses impactos consequentemente acarretam em mudanças generalizadas na conformidade de todo o meio hídrico envolvido e em toda a Biocenose (Biota Aquática) nele contida, além de interferir também na Biota Terrestre da área do entorno do empreendimento.

Quando a transposição ocorre em áreas novas, isto é, em áreas onde antes não existia nenhum recurso hídrico, os impactos no ecossistema aquático do receptor obviamente não existem, porém certamente tem que haver modificação no meio terrestre primitivo do local para o recebimento da água. É como se o rio inicial agora corresse também por outras áreas, as quais foram alagadas ou, pelo menos canalizadas. Os impactos assim estão aparentemente limitados às áreas de terras que serão ocupadas pela água introduzida, embora na verdade possa haver outros impactos significativos sobre o entorno por causa da mudança física do ambiente e das modificações microclimáticas gradativas da região e ainda podem ocorrer impactos resultantes da ação físico-química da água no novo substrato, o que poderia produzir mudanças mais abrangentes ao longo do tempo.

Porém, quando as “intromissões de águas” ocorrem para áreas onde já existe um determinado receptor hídrico, certamente haverá uma confrontação de duas biocenoses distintas oriundas de dois ecossistemas primitivamente diferentes. Cabe ressaltar que, por mais parecidos e próximos que esses ecossistemas possam ser, eles sempre serão diferentes. As “intromissões de águas” obviamente interferirão em ambos os ecossistemas e suas respectivas biocenoses, que, após as “intromissões”, passarão a ser apenas um “novo” ecossistema e uma “nova” biocenose resultante da mistura das águas oriundas das condições ambientais hídricas primitivas.

Além disso, em qualquer dos dois casos, o recurso hídrico que passa a correr no novo sítio, vai deixar de existir no sítio original e obviamente isso também irá interferir qualitativa e quantitativamente na condição do reservatório hídrico fornecedor e isso, de alguma maneira, certamente causará interferência na dinâmica de toda a biocenose ancestral, que terá que se adaptar a nova condição, resultante da interferência no meio físico (hídrico), que, depois da transposição, passará a ser quantitativamente menor.

Uma Bacia Hidrográfica é em certo sentido um universo físico, químico e principalmente biológico único, que se estabeleceu naturalmente e cujos organismos, lá presentes, evoluíram ao longo do tempo, de acordo com as condições microclimáticas primitivas daquele local. Esses organismos, a rigor, estão isolados de outros organismos de bacias distintas e ambientalmente adaptados às condições da Bacia Hidrográfica em que vivem. Sendo assim, qualquer mudança pode ser significativa e produzir danos catastróficos à biocenose nativa da Bacia Hidrográfica.

Quando são alteradas as condições primárias básicas de uma Bacia Hidrográfica com uma transposição de águas, na verdade está se alterando praticamente tudo no ambiente daquela Bacia, pois novas condições físicas e químicas passam a ser estabelecidas no local e isso consequentemente também resultará em mudanças biológicas, pois os organismos terão que se adaptar para tentar sobreviver nas novas condições. Além disso, o próprio ecossistema antrópico ancestral também é alterado.

A “NECESSIDADE” DAS TRANSPOSIÇÕES

As experiências anteriores de transposições de águas têm demonstrado que estes empreendimentos têm sido absolutamente insatisfatórios (MELLO, 2006), pois seus resultados costumam ser economicamente vultosos, socialmente injustos e ambientalmente drásticos. Ou seja, estão totalmente fora dos preceitos da sustentabilidade que hoje tanto se fala e deseja. Esses fatos são os principais argumentos, tanto técnico quanto científico, contra a realização de novas transposições. De maneira geral, os resultados sempre trouxeram mais prejuízos do que benefícios, tanto às Bacias fornecedoras quanto às Bacias receptoras das águas, ainda que existam alguns casos de sucesso aparente, se pensarmos num contexto estritamente antropológico e puramente social. Entretanto essas vantagens sociais são ilusórias, pois o pensamento sociológico exclusivo é um contrassenso quando se trata de interferir e modificar acentuadamente ambientes naturais. Os benefícios sociais de hoje, costumam ser as tragédias e catástrofes ambientais de amanhã e nem sempre a compensação é efetivamente tão vantajosa como aparenta ser no primeiro momento.

É claro que existem transposições, que mesmo sendo ambientalmente incorretas, são absolutamente necessárias por conta de carência de água para o abastecimento e a dessedentação de humanos. Nesse caso o dano ambiental passa a ser compensado pela necessidade social antrópica, porém, ainda assim não se pode esquecer que existe um prejuízo ambiental. Mas, em muitos casos essa necessidade efetivamente não existe, ou é no mínimo discutível e assim não há justificava plausível para que essas transposições ocorram.

São conhecidos vários exemplos de transposições de águas pelo mundo afora e infelizmente tenho que ressaltar, mais uma vez, que os resultados obtidos ao longo do tempo, por essas diferentes transposições, têm sido extremamente desastrosos e prejudiciais. (LASSERRE, 2005; MELLO, 2006; NOVAES, 2006).

O caso mais conhecido é o do Mar de Aral, que já foi o quarto maior lago de água salgada do Planeta e que hoje está à míngua e praticamente seco, por conta da forma aleatória e totalmente sem critérios ambientais que foram tratadas as suas águas. O fluxo de navegação, graças ao pescado farto que lá existia, hoje simplesmente acabou e a paisagem é assustadora e fantasmagoria com inúmeros barcos e navios abandonados e encalhados na areia. A imagem é desoladora, inclusive, traduzindo também um empobrecimento cultural dos grupos sociais da região.

Outro caso interessante é o do Rio Colorado, formador do “Grand Canyon” e que atravessa boa parte dos Estados Unidos, passando por cinco estados e que antes desembocava na costa Mexicana do Oceano Pacífico, no Golfo da Califórnia (Mar de Cortez). Embora haja um sucesso aparente, com a irrigação de áreas desérticas e o consequente desenvolvimento da agricultura nessas áreas antes inutilizáveis. Por outro lado, pouco à frente, a desertificação e a salinização do solo são contundentes e já faz algum tempo que o Colorado não chega mais a sua foz, porque ele morre cerca de 100 km antes dela, trazendo inúmeros outros problemas. Realmente para alguns, que foram beneficiados, o empreendimento foi bom, porém para outros, que foram prejudicados, o empreendimento foi muito ruim e para o meio ambiente foi terrível.

Recentemente temos ouvido falar em outras transposições do Canadá para os Estados Unidos, na China no Rio Yang Tse (Rio Azul), que é o terceiro maior rio do mundo e o maior rio chinês e o Rio Huang He ou Huang Ho (Rio Amarelo), que é o sexto maior do mundo e o segundo maior da China, principalmente em consequência da grande carência de água no norte daquele país. Assim, a água será levada do sul para o norte, para abastecer as populações. Essa talvez seja uma transposição necessária, mas levou 50 anos de discussão para que começasse a ser efetivada pelo governo chinês. Mas, cabe ressaltar ainda, que essa é uma obra de grande magnitude, pois terá que transferir também cerca de 450 mil pessoas que vivem nas áreas que serão inundadas.

Houve também transposições na Austrália, na Espanha, no Peru e em vários outros países do mundo. Entretanto, ambientalmente, quase sempre, como disse BOCAGE: “a emenda sempre foi pior do que o soneto”. Ou seja, o resultado futuro da mudança oriunda da transposição, pelo menos até aqui tem sempre sido pior do que a situação presente, pelo menos do ponto de vista ambiental.

OS NOSSOS PROBLEMAS PARTICULARES

Aqui no Brasil, ultimamente temos ouvido falar muito de transposições, particularmente por conta da obra, lamentavelmente, já iniciada e em franco andamento, de Transposição do Rio São Francisco. Mais recentemente, passamos a ser atormentados por causa da pretensa Transposição das águas do Paraíba do Sul para a região da macro-metrópole paulista, basicamente a área do entorno da capital do Estado de São Paulo, conforme estabeleceu o Decreto 52.748 de 26/02/2008, que criou Grupo de Trabalho para propor alternativas de aproveitamento dos recursos hídricos da Macro-metrópole de São Paulo.

Assim como toda a comunidade científica desse país e do mundo, eu sou frontalmente contra a Transposição do Rio São Francisco, mas não vou aqui me ater a discutir sobre esse empreendimento absurdo, porque entendo que essa discussão já foi feita e o Governo Federal, por interesses outros, não quer ouvir os cientistas. Além do mais, a questão do Rio São Francisco foge ao nosso propósito neste momento.

Entretanto, quero dizer, a quem interessar, que existem algumas centenas de artigos que discutem muito a questão dessa Transposição e que de maneira geral esses artigos comprovam o total descabimento do empreendimento. Por exemplo, ALVES FILHO, 2005; COSTA, 2005 e NOVAES, 2006, trazem uma boa síntese sobre a questão.

Eu mesmo publiquei algumas coisas sobre esse assunto (LIMA, 2005 A; 2005 B). Não tenho dúvidas de que aqui ocorrerá o mesmo que aconteceu no Rio Colorado, vai se resolver um problema e se criar outro, com grandes perdas ambientais. De qualquer maneira, quero salientar que o futuro próximo dirá quem tem razão, mostrando a incoerência desse empreendimento famigerado e infundado.

Por outro lado, quero discutir um pouco mais sobre a questão da Transposição das águas da Bacia do Paraíba do Sul para o Rio de Janeiro, que ocorre desde 1953 e a possível transposição da Bacia do Paraíba do Sul para as águas da Bacia do Tietê, a fim de nutrir os “interesses” e as “necessidades” de água da região da macro-metrópole paulista. Aliás, vale referenciar, que essas duas bacias hidrográficas, Paraíba do Sul e Tietê, são “irmãs”, mas ainda assim, guardam diferenças significativas entre si, porque, além de tudo, do ponto de vista geológico, elas se separaram já faz, relativamente, muito tempo. Em suma, são ecossistemas distintos, embora haja gente se utilizando dessa proximidade entre as duas bacias como justificativa para diminuir a significância dos impactos ambientais.

A Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, por conta de sua posição geográfica é, do ponto de vista sócio-econômico, a mais importante Bacia Hidrográfica do País e por isso mesmo também é a mais degradada ambientalmente, pois está inserida entre os três principais Estados da Federação. Suas águas atendem diretamente a uma população superior a 14 milhões de pessoas, milhares de indústrias, milhares de propriedades agrícolas. O Rio Paraíba do Sul, principal rio da Bacia, há muito tempo já tem suas águas comprometidas quantitativamente, por conta do mau uso e do desperdício, além de altamente poluídas qualitativamente em algumas áreas.

Desde 1953, quando houve a primeira Transposição do Rio Paraíba do Sul para garantir a água na região de entorno da cidade do Rio de Janeiro (GRANDE RIO), que naquela época era a capital federal da república, o estado do Rio de Janeiro, em especial a região do Grande Rio, tem uma dívida incalculável com o estado de São Paulo. A água que chega ao Grande Rio é produzida na Serra do Mar no estado de São Paulo, a partir dos pequenos olhos d’água que formam os Rios Paraitinga e Paraibuna, primitivamente os formadores do Rio Paraíba do Sul e responsáveis diretos pela produção da maior parte da água da Bacia. Também publiquei um artigo no Boletim do Instituto de Estudos Valeparaibanos – IEV (LIMA, 2003), onde tentei esclarecer um pouco melhor essa situação.

A água sempre foi um problema para a região do Grande Rio, haja vista que grande parte dessa região se constitui numa depressão geológica (BAIXADA FLUMINENSE), que anteriormente era inundada pela Baia de Guanabara e sendo assim, a influência da água salgada é muito grande na região e consequentemente a água do subsolo é salobra, pois a maior parte da região se compunha geologicamente de área de recôncavo da Baía. Em suma, a água para consumo humano na região do Grande Rio naturalmente não existiria.

Mas, o pior é que as pessoas, que vivem lá na região do Grande Rio e que recebem essa água, não fazem a mínima idéia de onde ela vem. Ou melhor, todos pensam que essa água vem do Rio Guandu, que, aliás, vem mesmo. Porém, eles não sabem que a água que corre no Guandu é água oriunda da Bacia do Paraíba do Sul. O Governo do Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, não sei o porquê, também não tem feito nada para mudar esse status quo de desconhecimento generalizado da população e, além disso, também não contribui absolutamente em nada para que o Estado de São Paulo possa continuar mandando água na quantidade e na qualidade necessária.

Se não tivesse ocorrido a transposição, a cidade do Rio de Janeiro e quase toda a região do Grande Rio não teriam água suficiente e obviamente toda a área, que hoje é o segundo maior centro populacional e econômico do país, não teria se desenvolvido. Ou seja, a transposição do Paraíba do Sul foi fundamental para o desenvolvimento econômico dessa região. Entretanto, essa mesma transposição, que fez muito bem ao Grande Rio, progressivamente, tem feito muito mal ao Rio Paraíba do Sul e sua Bacia e àqueles que vivem a jusante do represamento de Santa Cecília, no município de Barra do Piraí, onde são capturados e transpostos 2/3 da água do Paraíba para abastecer o Grande Rio.

Por conta disso, em vários momentos, na época da seca, o Rio Paraíba tem tido dificuldade para cumprir seus últimos 300 km até atingir o Oceano Atlântico, em Atafona no Norte do estado do Rio de Janeiro. Mesmo com o reforço das águas vindas de Minas Gerais, oriundas principalmente dos rios Muriaé e Pombas, já houve problemas para a chegada à foz. Na seca histórica de 2003, mesmo com todas as medidas contingenciais que foram tomadas, o Rio Paraíba do Sul por alguns dias esteve praticamente seco pouco antes da chegada à sua foz.

De qualquer maneira, os tempos são outros e, penso eu, que, por vários motivos, a transposição citada não ocorreria atualmente. Entretanto, agora está sendo pensada, sugerida e discutida outra possibilidade de transposição de águas da Bacia do Paraíba do Sul para a região do entorno da capital do Estado de São Paulo (GRANDE SÃO PAULO). Isso é, no mínimo, muito estranho, haja vista que a Bacia está com sua capacidade praticamente saturada. Além disso, a retirada dessas águas logo no início do Rio Paraíba do Sul, poderá comprometer a distribuição para as cidades localizadas ao longo do Vale do Paraíba e até mesmo inviabilizar a retirada posterior da água para o Grande Rio, na Barragem de Santa Cecília, em Barra do Piraí.

Bem, de qualquer maneira isso é algo que certamente ainda promoverá muita discussão, mas penso que talvez fosse menos complicado e mais barato minimizar a poluição das águas e evitar o grande desperdício de água que ocorre na Grande São Paulo para impedir a criação de problemas maiores e garantir o abastecimento de água. Não podemos continuar apenas abrindo novas torneiras para distribuir água a quem quer que seja. É preciso que se fechem as torneiras abertas do desperdício e também é preciso que trate melhor a águas. Por outro lado, se for inevitável as novas aberturas de torneiras para garantir a distribuição, certamente isso terá que ser feito. Porém, haverá um custo e alguém vai ter que se responsabilizar por esse encargo. Penso que o encargo em questão, não deva cair sobre os municípios do Vale do Paraíba, haja vista que esses municípios, na verdade, são os produtores, guardiães e distribuidores da água. Além do mais, cabe ressaltar, a água que será transposta se constitui numa água de melhor qualidade, menos poluída.

Acho que está na hora de começarmos a pensar de outra maneira e traçarmos mecanismos para evitar e o colapso populacional da Grande São Paulo, que se continuar inchando e não crescendo, como enganosamente dizem alguns, do jeito que vai, sempre terá carência de água e de outros recursos naturais e sempre terá que buscar de algum lugar aquilo que não tem, no caso em questão, a água. Já passou da hora de começarmos a fazer como as grandes cidades européias e procurar desenvolver mecanismos que levem a diminuição progressiva do tamanho das cidades e das grandes concentrações urbanas, para evitar a eterna dependência de outras áreas. Mas, eu devo estar ficando maluco para pronunciar tal blasfêmia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para terminar e concluir o meu pensamento, quero dizer que as chamadas Transposições de Águas não são assuntos para políticos resolverem, mas sim para cientistas e pessoas diretamente envolvidas na questão discutirem e concluírem sobre sua necessidade e sobre sua viabilidade ambiental e social ou não. E somente depois de serem confirmadas a necessidade e a viabilidade é que será, por fim, discutida e determinada à maneira tecnicamente menos impactante e mais eficiente de desenvolver o empreendimento. Caso contrário, me atrevo a dizer que: “qualquer projeto de transposição terá consequências drásticas”, como, aliás, sempre vale ressaltar, tem sido visto até aqui.

Entretanto, enquanto as questões desse quilate forem tratadas nesse país como coisas pequenas e sem importância, que qualquer sujeito investido de poder político-administrativo pode decidir, baseado no seu entendimento, no seu interesse pessoal ou apenas na opinião de seus “amigos”, as transposições, que infelizmente já viraram moda pelo mundo afora, continuarão acontecendo e causando problemas ambientais e sociais gravíssimos. Os nossos administradores e políticos precisam entender, de uma vez por todas, que o Brasil não precisa imitar as coisas erradas dos países ricos, mormente no que se refere à água, recurso natural em que somos os mais ricos da Terra, com cerca de 13% da totalidade planetária. No que diz respeito ao Brasil e a nossa Bacia do Paraíba do Sul, temos que deixar claro aos administradores que as águas não podem ser tratadas como mercadoria de barganha, nem como produto de negociatas.

Água é garantia de vida e como tal, deve ser prioritariamente utilizada no interesse da comunidade local, sendo, quando possível, devidamente distribuída dentro de preceitos compatíveis com a sustentabilidade, para garantir a manutenção do potencial hídrico que Bacia Hidrográfica possui. Além disso, deve ficar claro que todos aqueles que se utilizam das águas devem ter compromissos ambientais, sociais e principalmente econômicos na manutenção de sua quantidade e principalmente de sua qualidade.

Para terminar devo dizer o seguinte: “enquanto o planeta suportar, nós humanos continuaremos aqui, mas a situação está caótica e ficando cada vez mais tétrica para ambos”. O pior é que fomos nós mesmos quem criamos o “monstro”, ou melhor, lamentavelmente nós mesmos é que temos sido e agido como os “monstros”, principalmente quando cometemos deliberadamente mudanças ambientais de impactos bastante significativos como são as “transposições de águas”.

REFERÊNCIAS

• ALVES FILHO, J., 2005. Transposição insensata in. COELHO, M.A.T., 2005. Os descaminhos do São Francisco, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 272p.

• ANÔNIMO, 2001. China anuncia gigantesco projeto de transposição de águas, http://www.alerta.inf.br/Geral/710.html

• ANÔNIMO, 2007. Transposições de bacias hidrográficas colocam em risco o mais vital recurso da natureza: a água.

http://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?8280

• COSTA, R.S., 2005. A Transposição do São Francisco, Cirrus – UNIMET – Brasil, Maceió, Ano I, Número 4, setembro-outubro.

• DAJOZ, R., 1978. Ecologia Geral, Vozes, Petrópolis, 472p.

• HOUAISS, A., 2009. Houaiss Eletrônico - Versão Monousuário 3.0, Instituto Antônio Houaiss, Editora Objetiva.

• LASSERRE, F., 2005. Os faraônicos projetos de ’transposição’ da água, Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, http://diplo.org.br/

• LIMA, L.E.C., 2003. “O Pagamento pela Transposição das Águas do Rio Paraíba do Sul”, Informativo do IEV, (152): 8, nov/dez de 2003.

• LIMA, L.E.C., 2005 A. “Os Franciscos: o Santo e o Rio”, www.vejosaojose.com.br

• LIMA, L.E.C., 2005 B. “A Transposição das Águas do Rio São Francisco: Diálogo entre os Ambientalistas e o Governo Federal sobre a Transposição das Águas do Rio São Francisco”, www.vejosaojose.com.br

• MARGALEF, R., 1977. Ecologia, Omega, Barcelona, XV+951p.

• MELLO, M., 2006. Integralizar bacias gera polêmica em todo mundo, http://www3.atarde.com.br/especiais/futurodaagua/integralizar.html

• NOVAES, W., 2006. A transposição demolida antes de começar, Estud. av. 20 (56) São Paulo, Jan./Apr.

• ODUM, E.P., 1972. Ecologia, Interamericana, México, XVI+639p.

• SÃO PAULO, 2008. Decreto Estadual Número 52.748 de 26 de fevereiro de 2008, que cria o Grupo de Trabalho para propor alternativas de aproveitamento dos recursos hídricos da Macro-metrópole de São Paulo.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (56) é Biólogo, Professor, Escritor e Ambientalista;

é membro do Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul – CBH-PS;

foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.

Trabalho Científico originalmente publicado na Revista Ângulo, Lorena, Número 123: 64-69, 2010.

Também publicado nos Anais XIX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Maceió, 27/11 a 01/12 de 2011.