Sobre a reciclagem nojenta
Pergunto ao leitor: você deixaria que seu cão chafurdasse na nojeira de um lixão? E acha digno que alguma pessoa mergulhe naquela nojeira para ali encontrar o próprio pão? Imagina o fedor da montanha putrefata? as nuvens de moscas?
Em que pesem as expectativas pessimistas e as queixas constantes dos descrentes, o mundo vai ficando cada vez mais rico, as pessoas acumulam bens e são necessárias muito menos horas de trabalho para saciar as necessidades da população.
Vivemos em uma era de prosperidade, de abundância, como nenhuma outra. Nunca tantos foram tão ricos. (Há também uma miséria gritante, coisa que, aliás, sempre houve; chama a atenção, no entanto, o contraste entre uma coisa e outra).
Nessa época, em que o lixo de alguns sustentaria uma imensa multidão, torna-se completamente injustificada a ganância dos que excluem, não apenas dos banquetes, mas das migalhas, a multidão faminta.
Nesse contexto, os antigos instrumentos de poder erigidos com o intuito de conter a multidão faminta, de excluí-la, revelam-se completamente anacrộnicos; torna-se óbvia, premente, a necessidade de mudança, A crueldade constituída pela exclusão dos miseráveis torna-se gritante, quando não há mais lugar para o lixo transbordante.
Mesmo nesses tempos, alguns ainda insistem em empurrar outros para o lixo. Bebem água e líquidos embalados em garrafas plásticas ou em latas; compram pequenos objetos embalados em enormes envólucros destinados ao lixo; queimam centenas de vezes mais combustíveis do que necessitariam para se deslocar, com o intuito de ostentar o poder simbólico que os agrilhoa. (Esses mesmos ainda tripudiam dos mais pobres tentando exigir a proibição da distribuição gratuita das sacolas de lixo).
Nesses tempos de abundância, ainda podemos assistir, mergulhados em uma tristeza atộnita e profunda, uma imensa profusão de pessoas chafurdando no lixo à cata do próprio alimento.
Visão ainda mais cruel e triste, em nossos tempos, é a contemplação dos que assistem toda a cena de camarote, saboreando suas garrafinhas de água mineral ou refrigerante. Assistem à distância, pela TV, incomodados pelo cheiro e pelas moscas, enquanto empurram uns coitados, como animais nojentos, para a montanha de lixo fétido.
As campanhas favoráveis à reciclagem de supérfluos são gritantemente desumanas. Garrafinhas plásticas e latinhas devem ser proibidas, não jogadas aos cuidados de animais humanos.
O sentimento que nos deve guiar nesses casos é o nojo, o mesmo nojo que teríamos ao enfrentar a nuvem de moscas, baratas e vermes que circundam a podridão fedorenta que constitui o nosso lixo.
Para reduzir essa nojeira, não nos cabe jogar sobre ela uma multidão de bestas humanas; isso é feito para escarnecer do semelhante! Para reduzir a nojeira devemos parar de comprar a porcariada excessiva com que empesteamos o mundo ao redor.
A reciclagem de supérfluos é nojenta!