O Impossível não existe, por isso eu ainda posso sonhar
O Impossível não existe, por isso eu ainda posso sonhar
Luiz Eduardo Corrêa Lima
Professor Titular de Biologia/FATEA/Lorena/SP
Monitor de Educação Profissional/SENAC/Guaratinguetá/SP
Passados 40 anos, eu ainda lembro e lembro mesmo, de estar em casa colado no meu radinho de pilha e ligado nas notícias sobre a Conferência MAB – “Man and Biosphere” (0 Homem e a Biosfera), ocorrida em Estocolmo, na Suécia em 1972 e o que é pior, ainda lamento as fortes e amargas palavras do Ministro José da Costa Cavalcanti que representaram a posição apresentada pelo Brasil naquele evento. Vejam bem, ao contrário do que muitos dizem, aquela não foi a primeira Conferência da ONU para discutir Meio Ambiente, ao contrário ele discutiu a situação do homem no planeta, mas a preocupação única ainda era o homem, porque o Relatório do Clube de Roma apontava para o fim de inúmeras coisas que, até então, se tinha como quase eternas. Finalmente o homem começou a ver que tudo é finito, inclusive o planeta e o próprio homem.
Antes que alguém possa dizer que eu estou falando isso apenas para tornar minha imagem de ambientalista um pouco mais própria e brilhante, eu quero deixar claro que estou nesse negócio de Movimento Ambientalista, muito antes de ele ter nome, porque antes ele era conhecido como Movimento Conservacionista, portanto não sou como muitos que conheço ambientalista de última hora, eu tenho mais de 40 anos nesse negócio.
Na época da Conferência MAB eu tinha 16 anos e era um jovem estudante de Ensino Médio, naquele momento eu cursava o Segundo Ano do Curso Científico e, a propósito já havia decidido que iria fazer Faculdade de Biologia, pois sabia que precisava ser Biólogo para estudar os meus queridos caracóis. Além disso, tive grandes professores que me animaram mais a seguir nesse caminho. Nessa época eu já fazia parte do quadro de associados da Fundação Brasileira de Conservação à Natureza – FBCN (primeira ONG Ambientalista do Brasil, fundada em 1958). Também já acompanhava os trabalhos do Greenpeace International e ao WWF (World Wildlife Found) e dois anos depois eu me filiei ao Greenpeace Brasil.
Naqueles tempos a gente lia jornal, até porque existiam jornais de fato naquela época, particularmente o Jornal do Brasil (diário) e obviamente o Pasquim (hebdomadário). Aliás, como eu lia jornal... Além dos citados, eu ainda olhava e recortava notícias sobre meio ambiente (natureza e conservacionismo) da Última Hora, do Globo e do O Jornal. A propósito, naquela época a gente também ouvia rádio (rádio AM, pois FM ainda não existia). De hora em hora a Rádio Globo informava alguma coisa através do rádio jornal “O Globo no Ar” e a Rádio Mundial e a Tamoio que disputavam o público jovem, também faziam seus rádio jornais, seis vezes ao dia. Durante a Conferência em Estocolmo, sempre havia algumas citações e “flashes” sobre o andamento do evento e eu estava na escuta.
Em suma, não sei exatamente quando comecei a me interessar e me envolver por essas coisas do meio ambiente, mas sei que muito antes de 1972 eu já estava totalmente engajado com a questão ambiental (conservacionista) e fazia muito tempo. Tenho certeza que herdei esse lado efetivamente interessado pela natureza de meu avô materno e de minha mãe, mas não consigo identificar especificamente quando ele se tornou vital dentro da minha pessoa, a ponto de desde muito jovem estar preocupado com o planeta e seus ocupantes.
Então, em 1972, o Brasil dos Militares, do Presidente General Emílio Garrastazu Médici, do Milagre Brasileiro (PIB crescendo 10% ao ano) em pleno acontecimento, preferiu opinar favoravelmente ao desenvolvimento a qualquer custo com a falsa noção de progresso, porque como diziam os “slogans” da época: “esse é um país que vai p`ra frente” ou “ ame-o ou deixe-o”. Pois é, mas o país não foi p`ra frente e nem todo mundo que tinha que amá-lo ou deixa-lo resolveu proceder efetivamente dessa maneira e o que foi pior ainda, foi a posição assumida pelo Brasil naquele evento. O país assumiu, como já foi dito, uma postura lamentável e totalmente anti-ambientalista, que queria o “progresso” a qualquer preço. Com certeza isso nos atrasou alguns anos a mais para chegarmos ao lugar que queremos e devemos chegar.
Ao longo dos últimos 20 anos, eu acompanhei os vários encontros internacionais que discutiram as questões ambientais e foram muitos. Aliás, nesses encontros também se falou muito, mas se resolveu pouco em prol do meio ambiente, pois os governos na verdade, salvo raras exceções, não estavam muito, às vezes nada, dispostos a investir em meio ambiente (planeta) e nas pessoas (humanidade) e consequentemente terem que deixar de pensar em economia (dinheiro).
Em 1992, eu já estava residindo e trabalhando em São Paulo, na Universidade de Taubaté, fazia 12 anos e a ONU resolveu promover outra Conferência, agora aparentemente mais preocupada com a questão ambiental, tanto que se chamou CONUMAD (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) e esta reunião seria no Brasil e mais, na cidade do Rio de Janeiro, minha terra natal. Aí, eu disse para mim mesmo. Essa eu não vou perder. É claro que eu vou ver esse negócio de perto.
Assim, há 20 anos eu estive lá. O menino de 16 anos que queria estar em Estocolmo e não pode em 1972, agora homem feito, aos 36 anos, não poderia deixar de estar presente àquele evento. Mas ir era pouco, então ele resolveu levar alguns de seus alunos consigo. Os alunos já não eram tão alunos assim, porque ambos já estavam formados. Desta maneira, eu (Luiz Eduardo), o Paulo Senna (Paulo) e o Eduardo Guimarães (“Dú”) fomos para o Rio de Janeiro participar do Fórum Global e acompanhar a reunião da “Earth Summitt” (Cúpula da Terra), como também foi chamada Conferência Oficial. O Fórum Global foi o encontro paralelo das ONGs (Organizações Não Governamentais) que ocorreu no Aterro do Flamengo, enquanto a Conferência Oficial ocorreu do outro lado da cidade, no Rio Centro, que fica na Barra da Tijuca.
Chegamos ao Rio de Janeiro, na casa de minha mãe (Dona Lindalva) e ela também se interessou em participar conosco daquele evento grandioso. Pois bem, partimos os 4 para o Aterro do Flamengo, nos inscrevemos e depois adentramos a grande cidade ecológica que ali havia se instalado, com mais de 5000 ONGs diferentes. Na verdade, muitas dessas ONGs eram, na verdade, “INGs” (“Indivíduos Não Governamentais”), travando suas lutas. Cada uma dessas entidades estava ali para defender o seu espaço e tentar vender o seu peixe à sua maneira. Foi uma festa de gente, de cores, de culturas e principalmente de posturas inimagináveis, que só quem viu pode entender, mas que não dá para descrever integralmente. Uma fauna extremamente diversificada dentro daquelas barracas imensas, que constituíam grandes fóruns de discussão sobre os mais diversos assuntos. Uma visão fantástica e realmente indescritível.
No terceiro dia que já estávamos presentes e participando do Fórum Global, tivemos a ideia de ir até o Rio Centro no dia seguinte para ver o evento oficial, onde estavam os Chefes de estados dos vários (175) países presentes ao encontro. Na mesma hora eu disse que isso seria uma besteira porque certamente não conseguiríamos entrar, haja vista que o evento era fechado para as autoridades nacionais, seus assessores próximos e alguns parlamentares especialmente convidados. Mas, de qualquer maneira, havia também, próximo ao local da convenção oficial, uma exposição de novas tecnologias a serem empregadas em problemas ambientais e resolvemos então ir visitar a exposição, porque esta era aberta ao público.
No dia seguinte não fomos para o Aterro do Flamengo e fomos para o Rio Centro na Barra da Tijuca. Chegamos à exposição e observamos as inúmeras novidades para o setor ambiental naquela época e mais uma vez, veio àquela vontade de poder entrar na Reunião Oficial que estava ali ao lado, bem pertinho de nós. Mas, isso seria impossível. De repente, de tanto que eu, o Paulo e o Dú falávamos como poderia ser interessante se estivéssemos lá no evento oficial, minha mãe falou: “então vamos até lá nesse evento oficial”.
Embora parecesse meio louca a afirmativa de minha mãe, rumamos para o Rio Centro. Toda a vigilância do evento era feita pela Polícia do Exército e aparentemente a segurança era total. Parei o carro no estacionamento, descemos e nos dirigimos até o portão de entrada na maior cara de pau, como se fôssemos os reis da cocada preta. Eu sempre andava com uma valise. Aliás, desde que entrei na faculdade (1975), até hoje, eu sempre ando com uma maleta de mão. Fomos entrando pelo portão e um soldado me parou e questionou sobre o que eu tinha na maleta que o alarme eletrônico havia identificado. Cá comigo eu disse, pronto acabou o nosso sonho. Eu me virei para o soldado e disse que era um canivete de uso pessoal. Vejam bem, meus amigos, eu disse que era um canivete. E ele me respondeu: Ah! Está bem pode passar Senhor. E assim, eu, o Paulo, o Eduardo e a Dona Lindalva entramos onde ninguém poderia entrar.
Vimos tudo e todos: o Collor, o Bush, o Mitterrand, o Jacques Cousteau e vários outros. Ainda encontrei alguns Deputados e Vereadores amigos meus (Fábio Feldmann, Ricardo Tripoli e seu irmão Roberto Tripoli). Todo mundo devidamente trajado e nós, sabe lá Deus como, mas no meio das autoridades. Corremos pelos inúmeros “stands” dos diferentes países presentes e pegamos tudo o que era possível. Foi realmente uma tarde FANTÁSTICA.
Tiramos fotos, mas o pior é que todas elas queimaram, pois deu um problema na máquina do Paulo. Parece mentira, e nós efetivamente não temos como comprovar o fato. Ou melhor, nós temos todo o material que pegamos no local e nossas palavras, que são suficientes para comprovar, mas faltaram as fotos. É incrível, mas a Segurança no Brasil, mesmo com o Comando do Exército e da Polícia da ONU é uma piada antiga. Sem nenhum esforço e sem nenhuma propina e mesmo informando que estávamos com um canivete na maleta, entramos no evento onde não poderíamos se quer chegar à porta. Se fôssemos terroristas e se quiséssemos, certamente poderíamos ter explodido tudo aquilo.
Saímos da mesma maneira que entramos sem ninguém nos incomodar. A única coisa que mudou, foi que saímos com bolsas e mais bolsas cheias de livros, revistas, brindes e outras bugigangas que adquirimos nos “stands” gratuitamente, porque recebemos como se fôssemos autoridades. O carro ficou entupido de tanta coisa que pegamos. Estávamos num Corcel II do Paulo, que era o maior porta-malas da época e mesmo assim, não cabia absolutamente mais nada naquele porta-malas.
Na Rio+5, em Nova Iorque, não aconteceu absolutamente nada. É por isso que quase ninguém fala dela. A maioria das pessoas nem sabe que existiu uma Rio+5. Mas, infelizmente ela existiu e foram mais 5 anos passados em branco, pois quase ninguém fez a lição de casa. Apenas três ou quatro países cumpriram com o compromisso de apresentar a agenda 21 na Rio+5 e assim ela não pode efetivamente acontecer. Talvez esse tenha sido o maior fiasco da história.
Na Rio+10, em Joanesburgo, os países cumpriram o combinado e apesar do fiasco funcional por outros aspectos, vimos o Brasil surgir efetivamente como líder dos pequenos e encarar as grandes potências de igual para igual. Pelo menos valeu pela mudança de posição brasileira que agora passava a ser bastante diferente daquilo que havia acontecido 30 anos antes em Estocolmo. Porém, depois de liderar durante a reunião, voltamos para casa e infelizmente tornamos a fazer as mesmas bobagens e absurdos ambientais de antes.
Continuamos sendo recordistas de queimadas; de desmatamento; de ocupação descontrolada de áreas naturais, inclusive áreas indígenas; instalamos hidrelétricas absurdas e ilógicas, como Santo Antônio, Girau e mais recentemente Belo Monte; desenvolvemos projetos infundados e inúteis com a Transposição do São Francisco, contra toda comunidade científica nacional, apenas para atender aos interesses de alguns amigos dos dirigentes; inventamos a tal da Rodovia Transpacífica, que é o maior desperdício de dinheiro público que esse país já viu, pois está sendo construída pelo Brasil em outro país, com dinheiro brasileiro.
Além disso, ainda assumimos o primeiro lugar em Uso de Agrotóxicos, o segundo em Uso de OGMs (Transgênicos); estamos destruindo graciosamente a nossa Biodiversidade que é a maior do planeta e construindo um “Novo Código Florestal” que dá vergonha para qualquer cidadão decente; mas em compensação estamos mantendo bravamente, o que muito nos “orgulha”, o fabuloso Centésimo Décimo Quinto, lugar em Educação no mundo. Meus amigos que país é esse? E olha que eu nem falei de corrupção.
Quer dizer, aprendemos a discutir politicamente e superamos os grandes, mas ainda não aprendemos ou não queremos empreender as políticas públicas no interesse do Desenvolvimento Sustentável do Brasil para melhorar a qualidade de vida do nosso povo. Infelizmente, falamos bem, mas não fazemos o que falamos e ficamos apenas nas conversas.
Bem, agora estamos às portas da Rio+20, temos mais uma vez, em nosso território, a oportunidade de mostrar para o mundo o que deve ser feito no interesse da melhoria da qualidade de vida planetária. Temos que dar um bom exemplo para poder cobrar dos grandes. O mundo se volta para o Brasil e por incrível que pareça, já começamos perdendo, porque hoje estaremos com menos força do na Rio 92, quando tiveram presentes 175 chefes de estado em nosso país. Dessa vez teremos, no máximo, 110 chefes de estado, mas ainda assim podemos fazer bonito e ser o marco da mudança e da construção de um novo planeta para aqueles que ainda virão, a partir do estabelecimento de práticas concretas de Desenvolvimento Sustentável.
Essa mudança só depende dos seres humanos e nós brasileiros, temos a obrigação moral de dar o tiro de meta, por conta de nossa responsabilidade maior com a biodiversidade planetária. Que Deus ilumine a mente de nossos dirigentes e dos demais dirigentes das nações do mundo presentes ao evento. Eu ainda acredito no homem, pois como diz o velho chavão: “sonhar não custa nada”. Sendo assim, tenho a esperança de que dias melhores certamente virão e que nossa espécie ainda caminhará muito por esse nosso planeta único e maravilhoso.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (56) é Biólogo (Zoólogo), Professor, Ambientalista, Escritor.
Caçapava, 05/06/2012
P.S O presente artigo foi escrito antes da Rio+20 e acabou não sendo publicado por questões outras. Entretanto por conta da insistência de alguns amigos que leram o material, estou publicando só agora e embora fora de prazo, em certo sentido ele continua atual.