VISITA FORA DE HORA

Naquela noite, fiquei até mais tarde no escritório, lendo e respondendo e-mails que se acumularam no decorrer da agitada semana anterior.
Passava da meia noite quando resolvi recolher-me. Por precaução, sempre acendo as luminárias do quarto para ver se está tudo em ordem. Retirei a colcha da cama e, antes de mergulhar sob os lençóis, tive a impressão de ter ouvido um pequeno barulho na parede atrás da cabeceira. Olhei naquela direção e a vi, a mais ou menos meio metro do teto e um metro da janela. Parecia um pequeno enfeite transversal, de cor acinzentada, na parede branca. Devia medir cerca de dez centímetros da cabeça ao final do rabinho.
- É um filhote perdido, pensei.
Estava estabelecido que eu ganhara mais uma tarefa para aquela noite, antes de cair no sono. Retornei ao escritório, desci as escadas em busca de algo que pudesse facilitar a remoção da visita inoportuna. Não queria machucá-la, mas também não iria dormir com ela ali.
Na área de serviços, apanhei uma vassoura de pelos e uma pá de recolher lixo e subi novamente, torcendo para que não tivesse se mexido.
Por sorte, estava lá quietinha. Parecia dormir. Aproximei-me devagarzinho e, com um olho nela e outro na janela, ergui o mais silenciosamente que pude as duas persianas e abri os vidros para a esquerda e para a direita. A entrada de ar fez com que se movesse mais para cima e para o canto da parede.
- Agora é só ir empurrando-a com a vassoura em direção à janela, pensei. Errado!
Ágil, ela fez justamente o contrário. Desceu para se esconder embaixo da cama, entre a cabeceira e a lateral, confundindo-se com a madeira. Foi um custo localizá-la novamente.
- Achei! Ah, sua danadinha, agora eu te pego!
Coloquei a pá sob a cama e, com a vassoura, tentei fazer com que ela caísse dentro, onde eu rapidamente iria prendê-la com os pelos da própria vassoura, para jogá-la janela afora.
Outra vez, fui mal sucedida e ela desapareceu dentro do quarto.
Murmurei para mim mesma:
- Quer saber de uma coisa: deixa pra lá. Que mal irá me fazer um inocente filhote
de lagartixa? Além do mais, tenho que acordar cedo e já é mais de uma hora da manhã.
Fechei novamente a janela, apaguei a luz e tentei dormir em vão.
- E se ela subir novamente pela parede e cair sobre mim, já que lhe dei uma canseira?
Aí vou sentir aquele negócio mole e gelado percorrendo o meu corpo... Arrepiei-me!
Enrolei-me toda no lençol, deixando só a cabeça de fora.
- Não adianta nada! Vai que ela cai no meu rosto ou se enrosca nos meus cabelos...Apavorei-me!
Sentei novamente na cama e acendi a luz. Lá estava ela, praticamente no mesmo lugar em que a vi pela primeira vez.
Olhei para o relógio. Duas e cinco. Suspirei cansada e tomei uma decisão radical. Desci novamente as escadas, fui até a área de serviços, abri o armário de material de limpeza, apanhei um spray de matar moscas e baratas e subi pisando duro como se fosse um general.
Olhei para ela ameaçadora e, enquanto apertava de leve o spray, disse em voz alta:
- Sinto muito. Não há espaço para nós duas aqui.
Desta vez ela correu para o outro lado do quarto e foi se esconder atrás do maleiro, certamente para morrer em paz.
Lavei as mãos, apaguei a luz e deitei-me novamente.
- Amanhã recolho os restos mortais. Agora vou dormir.
Após o café, fui ao provável local dos funerais. Retirei aos poucos as caixas, bolsas e malas. Finalmente encontrei-a. Estava vivinha, mas movendo-se vagarosamente, devido à toxidade do veneno. Alegrou-me o fato. Agora, amansada e dia claro, pude recolhê-la com facilidade, utilizando-me da vassoura e da pá de lixo e levá-la até a janela para devolvê-la à mãe-natureza.
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Sandra Fayad Bsb
Enviado por Sandra Fayad Bsb em 16/02/2007
Reeditado em 19/02/2015
Código do texto: T382877
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