Filosofia e Natureza

Pensar a questão ambiental hoje é sem duvida um dos maiores desafios da civilização contemporânea, imersos em vários conflitos e crises que demandam um esforço imensurável para reparar um erro histórico a sociedade moderna se depara hoje com um grande problema que sem duvida poderá determinar a condição de vida das civilizações futuras.

Percebesse através de uma breve analise histórica e etimológica, que varias palavras ou termos, perderam o seu sentido original, termos que outrora designavam algo muito mais abrangente foram reduzidos a sentidos que não determinam a essencialidade presente em sua origem. A questão ambiental é um tema recorrente em rodas de debates e discussões em todo o planeta, fala-se hoje de maneira veemente em desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade, ou seja, de um modelo que prevê a integração entre economia, sociedade e meio ambiente.

Todas essas palavras remontam á uma única palavra que de forma mais ampla determina toda essa problemática presente em nossa sociedade atual, tal palavra é conhecida por nós ocidentais como Natureza, essa palavra seria a redução de um termo que possui um sentido bem mais amplo, a “Physis”, este termo é originário da Grécia antiga no período dos pré-socráticos, e ao longo das eras históricas da civilização ocidental teve o seu sentido moldado, influenciando de forma significativa a maneira como os homens se relacionavam com a Physis.

A Física dos pré- Socráticos nada tem a ver com a física na definição moderna da palavra, assim como a Physis não pode ser traduzida sem mais pela palavra natureza, “hoje a natureza tende a confundir-se sempre mais como objeto das ciências da natureza, como algo que pode ser dominado pelo homem e que pode ser posto a seu serviço e canalizado em termos de técnica, desta forma a natureza transforma-se em expressão da vontade de poder”.

A palavra Physis é o conceito fundamental de todo pensamento pré-socrático, ela abarca a fonte originaria das coisas, ela indica aquilo que surge por si, se abre, insurge, “o desabrochar que surge de si próprio e se manifesta neste desdobramento”, pondo-se no manifesto a Physis se apresenta como uma unidade dinâmica, trata-se de um conceito que não tem nada de estático, caracterizando-se por esse dinamismo que permite encontrar em si mesma a sua gênese o seu arké¹.

Por ser o próprio surgir, o vir a ser das coisas, a Physis não pode ser compreendida como uma cártula capaz de tudo envolver, “enquanto puro surgimento a Physis não é uma cártula neutra, um “continente” como a cúpula de um abajur que envolve a lâmpada sem que a lâmpada deixe de ser o que é, mesmo envolta ou recoberta”, os elementos da Physis não necessitam desse invólucro porque em sendo são como surgimento.

À Physis pertence todos os elementos naturais, o céu a terra a pedra e a planta, o animal e o homem, o surgir humano como obra do homem e dos deuses e os próprios deuses, como expressão mais intensa da Physis, é importante saber que esta palavra não invoca somente a pedra, a planta ou o homem, mais o próprio surgir que nos mostra que a experiência do real vivida pelos gregos antigos, é a experiência da prática, do constante devir, o vir a ser das coisas, que está presente no admirar do ser humano,

Já é sabido que a Physis compreende a totalidade de tudo que é, ela pode ser apreendida em tudo que acontece, a Physis foi à primeira palavra usada para designar a palavra Ser, Vale dizer que na base do conceito de physis não está a nossa experiência da natureza, pois a physis possibilita ao homem uma experiência totalmente outra, que não a que nós temos frente à natureza.

Assim, a physis compreende a totalidade daquilo que é; além dela nada há que possa merecer a investigação humana, por isto, pensar o todo do real a partir da physis não implica em “naturalizar” todos os entes ou restringir-se a este ou aquele ente natural.

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¹Arché é a fonte inaudita de tudo que é, e de onde tudo brota incessantemente; é também o poder, a força e o principio regente e constitutivo da Physis.

Pensar o todo do real a partir da physis é pensar a partir daquilo que determina a realidade e a totalidade do ente, isso demonstra o nível de uma relação intrínseca entre o homem Grego e a Physis, por todo o sentido ontológico que essa palavra possui.

No período medieval tínhamos como ponto central a questão de Deus, diante disso, para entender minimamente a relação do homem medieval para com as outras criaturas e consequentemente com a natureza, é necessário antes, pensar na relação entre o homem medieval e Deus.

Como totalidade o mundo pode ser compreendido como uma manifestação do sagrado, ou seja, uma Hierofania, o homem medieval compreende o sagrado como algo inscrito na própria estrutura do mundo, por isso ao ler um medieval, é necessário pensar no sagrado em um sentido mais amplo que abarque a totalidade do real, assim como a Physis para um grego.

O homem medieval é entendido como uma criação divina, assim como todos os elementos que compõem o cosmos sagrado, portanto, para um medieval é extremamente importante conhecer a criatura como um sinal, um sinal da Criação divina presente em todo cosmos sagrado.

O que se pretende mostrar através dessa breve comparação, é que tanto para um grego antigo, quanto para um medieval, aquilo que compreendemos hoje como natureza, possuía uma abrangência de significados e sentidos infinitamente maior, podemos então levantar uma questão, “porque historicamente o homem moderno perdeu a sensibilidade com o sagrado, a ponto de perder suas referencias centrais existentes no período antigo e medieval ?” .

Como foi dito no inicio desse texto, vivemos hoje imersos em vários conflitos ambientais, a atual situação do nosso planeta é alarmante, o aquecimento global, o desmatamento das florestas, a falta de políticas ambientais com o objetivo de minimamente conter os impactos causados pelo modo de vida da sociedade atual, é insuficiente diante da atual situação em que se encontra nosso planeta.

Na modernidade o homem passou a estabelecer uma nova forma de se relacionar com a natureza, enquanto para os gregos antigos e os medievais a Natureza era uma força de extensão do real, na modernidade a natureza passou a ser vista como algo a ser dominado e explorado pelo homem,

“A grande diferença entra a modernidade e as civilizações precedentes é que, enquanto outras sociedades fizeram do eixo de sua cultura a elaboração de técnicas para controlar a tendência humana aquele desejo desmesurado que os gregos nomeavam com a palavra Hybris, a nossa fez da Hybris sua virtude máxima, o projeto de dominação e controle de tudo que existe, forma o eixo em torno do qual esta civilização gravita.” ( Nancy, Filosofia e Natureza)

O anseio pela dominação, a busca desenfreada pelo poder é sem duvida um dos marcos da civilização moderna e essa condição acaba levando o homem à ilusão de um domínio da natureza e essa dominação inclui a possibilidade de se dispor da natureza, uma espécie de posse, a natureza passa a ser visa como uma reserva de matéria-prima cujo valor reside somente em atender os anseios humanos.

“ A natureza é reduzida a condição única de objeto manipulável pelo sujeito humano, auto-erigido em referencial ontológico do universo.” (Nancy, Filosofia e Natureza)

Diante disso, para pensar uma possibilidade de superação da nossa condição atual no mundo, é preciso compreender o que desencadeou tal situação, a crise instaurada no mundo é evidente, no entanto a atual condição do nosso planeta nos permite uma reflexão, analisar a relação que outras civilizações estabeleciam com a natureza, nos possibilita repensar a forma como nos modernos nos relacionamos com a mesma será que a perda da essência da palavra Physis e de sua compreensão, nos levou hoje a estabelecer essa relação tão conturbada e conflituosa com a natureza?.

um cara qualquer
Enviado por um cara qualquer em 01/08/2012
Reeditado em 05/11/2013
Código do texto: T3808159
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