"LATA D'ÁGUA NA CABEÇA"

No domingo do último dia 3 de junho, o Globo Rural, programa exibido pela TV Globo levou ao ar, numa matéria comovente, cenas dramáticas sobre a seca que atinge o sertão nordestino, principalmente na região de Irecê, na Bahia. As imagens e depoimentos são de cortar o coração de quem tenha um mínimo de sensibilidade. Só mesmo vendo pra crer e compreender o que significa o sofrimento desta brava gente do semiárido que desde sempre enfrenta o problema da falta de chuvas.

Vastas paisagens de extrema desolação, árvores ressequidas, o chão aberto em profundas rachaduras, desérticos leitos de rios. Aqui e ali, perdidos na aridez do sertão apenas alguns poços lamacentos que vão minguando pouco a pouco até desaparecerem por completo. Animais morrendo de sede, tombando sem forças, se transformando em montes de ossos espalhados pelos caminhos. No horizonte nem sinal de uma gota d’água que represente um fio de esperança. E o sertanejo, a pele curtida pelo sol causticante, se emociona ao falar da angústia de ver se perdendo todo o esforço de seu trabalho. Famílias inteiras padecem, a fome é uma ameaça constante...

Como mostrou a reportagem, só no município de Mulungu do Morro, 58 povoados dependem de caminhões-pipas para sobreviver. Do Rio Tijuco vem a água que abastece estas comunidades. São horas inteiras por estradas poeirentas transportando o milagre da vida: a água. O precioso líquido, ao chegar à população que o espera com ansiedade, é bravamente disputado, gota a gota. Mulheres e crianças correm aos bandos para as longas filas, movidas pelo desespero de levar para casa o quinhão de água que será armazenado em barris... Até que retorne o tão esperado caminhão.

Água para beber: essa é a prioridade desse povo sofrido. Banho, lavagem de roupa, só depois de saciada a sede... Limpeza? Coisa remota nas preocupações de quem sabe o valor de uma gota d’água. Quem não consegue pegar o suficiente, tem de comprar, e não podendo comprar, resta mendigar a quem tenha um tantinho a mais. O fenômeno da seca nordestina é história antiga de muito sofrimento, mas vivemos, todos nós, tempos de pensar seriamente nos destinos do Planeta. As enchentes no Sul e Sudeste também já são catástrofes que a todo ano deixam suas vítimas. Isso só nos faz pensar, nas mudanças climáticas que já atingem todas as regiões do País. Em dias nem tão distantes se era possível prever cada época de estiagem ou de colheita pelo simples cálculo das estações. Hoje, já não se pode prever mais nada.

Em tempos de Rio + 20 — Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontece no Rio de Janeiro de 13 a 22 de junho — é também momento propício para que cada um acompanhe os debates e decisões a fim de refletir sobre o próprio papel em relação aos destinos do Planeta. Cuidar do solo, da água, das plantas, dos animais, tratar adequadamente o lixo é função de todos nós. Mas muito ainda há por se fazer, no que tange às políticas públicas, à ação das grandes empresas ou à formação da consciência individual. A educação ecológica tem um importante papel nesta missão e precisa ser incluída — e levada a sério — como prioridade em todos os segmentos da sociedade.

É estranho pensar que o futuro do Planeta possa estar em nossas mãos? Talvez. Mas o certo é que não dá pra assistir às cenas mostradas no sertão nordestino e, sem culpa nenhuma, deixar uma torneira aberta enquanto se bate papo com a vizinha. Infelizmente ainda há gente que depois de uma noite inteira de uma chuvinha persistente, mansa e abençoada, ainda cisma de lavar a calçada. E enquanto a mangueira vira “vassoura hidráulica”, da torneira jorram litros e mais litros d’água... Gotas preciosas com que o povo nordestino há muito sonha...