Agrotóxicos, Transgênicos e a Benevolência da Legislação Brasileira
Agrotóxicos, Transgênicos e a Benevolência da Legislação Brasileira
Luiz Eduardo Corrêa Lima
(Professor Titular de Biologia/FATEA/Lorena/SP)
(Monitor de Educação Profissional/SENAC/Guaratinguetá/SP)
Enquanto a população humana ultrapassa à casa dos 7 bilhões e caminha rapidamente para os 10 bilhões ou mais em 2050 e o mundo parece estar entrando, ou pelo menos antevendo, uma crise de carência de alimentos sem precedentes e sem comparação na história da humanidade, aqui no Brasil não paramos de bater recordes de produção e de produtividade no setor agrícola. Somos os primeiros do mundo em vários produtos agrícolas e temos o maior rebanho de gado bovino do planeta (cerca de 200 milhões de cabeças).
Aliás, como eu costumo dizer para os meus alunos: “há um boi para cada ser humano nesse país”. O problema é saber qual o impacto ambiental e quanto custa alimentar e manter essa imensa quantidade de bois que têm em média, cada um deles, 8 vezes o tamanho de um ser humano? Se olharmos por esse lado e somarmos os 200 milhões de humanos mais a quantidade referente aos 200 milhões de bois, que equivale a outros 1bilhão e seiscentos milhões de humanos, já que são 8 vezes o tamanho., chegaremos a conclusão que, com uma população equivalente a 1 bilhão e oitocentos milhões, estaremos brigando com a China no que diz respeito a “maior população humana do planeta”. Mas, deixemos isso de lado por enquanto e voltemos ao foco da nossa produção agrícola.
Enquanto nos estamos nos glorificamos, por um lado, pelos recordes bons de produção, por outro também deveríamos nos crucificar pelos recordes ruins de primeiro lugar em Queimadas, primeiro lugar em Uso e Consumo de Agrotóxicos, segundo lugar em plantio de Transgênicos. Mas, esse outro lado não parece ser importante e assim quase ninguém comenta. Pois é, aqui cabe outra questão: a que preço temos conseguido nossos bons recordes de produção agrícola?
Somos o país que mais consome Agrotóxicos no planeta e recentemente superamos a Argentina e já estamos caminhando para alcançar os Estados Unidos na área plantada com Organismos Geneticamente Modificados – OGMs (Transgênicos). Isto é, brevemente seremos os primeiro do mundo também nesse quesito. Será mais um recorde que nada agradável de ser comentado. Hoje já temos algumas variedades de milho, de soja e de algodão, largamente plantadas em várias regiões e temos usado os transgênicos em inúmeros produtos aqui produzidos.
Enquanto a Europa de uma maneira quase que geral se recusa a usar os transgênicos, porque lá os países estão preocupados com os riscos que o desconhecimento sobre a utilização desses tipos de organismos pode trazer ao planeta e a saúde humana, nós aqui no Brasil não estamos nem aí com esses possíveis riscos e seguimos o modelo americano e chinês, pensando apenas nos lucros para a Economia e principalmente para as grandes empresas multinacionais que atuam no setor. Infelizmente as pessoas e a vida são o que menos importa.
Nossa Legislação sobre o uso de agrotóxicos ainda permite o uso de algumas substâncias já banidas do resto do mundo e mesmo alguns produtos que já foram proibidos também aqui, ainda continuam circulando normalmente no país. Além disso, a reavaliação de determinados produtos notoriamente perigosos à saúde, custa muito tempo para ser realizada porque os interesses econômicos sempre falam mais alto. Infelizmente a nossa Agricultura Orgânica, como uma agricultura apenas de subsistência se arrasta para sobreviver, contra aos interesses das multinacionais e sem nenhum incentivo governamental.
Se não bastasse tudo isso, ainda temos um grupo de empresas químicas do setor de Agrotóxicos que se cartelizaram para controlar o mercado agrícola do país e lamentavelmente com respaldo e anuência do governo federal. E como se isso fosse pouco, agora estamos aprovando um “Novo Código Florestal”, que de novo não tem nada e que, portanto é um retrocesso ambiental que amplia os limites das áreas agricultáveis invadindo a Áreas de Preservação Permanentes – APPs, já estabelecidas e, como agravante, ainda está anistiando dívidas vencidas de fazendeiros ricos que transgrediram leis anteriores e que se escondem atrás da humilde condição de agricultores. É bom lembrar, que essas APPs são fundamentais para garantir a manutenção de alguns ecossistemas naturais, mormente às margens dos rios, onde servem de proteção às águas contra o assoreamento e de abrigo para inúmeras espécies animais que vivem nesse ambiente.
Ora como diria uma antiga personagem da televisão: “brasileiro é tão bonzinho”. Pois é, meu pai sempre me disse que “bonzinho” é sinônimo de bobo. Essa nossa “bondade” (talvez fosse melhor, idiotice), que está nos levando a bater recordes de produção é a mesma que também nos levará à degradação total, ao caos ambiental e ao envenenamento generalizado do solo agrícola brasileiro. A Desertificação que se agiganta em inúmeras áreas desse país é deixada para segundo plano, talvez até intencionalmente, porque ninguém comenta absolutamente nada a respeito dela.
As multinacionais do setor de agrotóxicos encontraram no Brasil solo fértil para distribuir (vender) os seus venenos, plantar os seus transgênicos e lamentavelmente, o que é pior, estão mandando e desmandando por aqui. A Monsanto, por exemplo, chega mesmo a exigir coisas absurdas dos produtores, vendendo produtos casados, e o governo federal parece assistir a tudo de camarote sem considerar nenhuma maneira de interferência. Ou melhor, numa situação dessas, quando o governo não interfere, ele infelizmente está tomando partido no interesse das empresas multinacionais.
Não tenho poder para impedir o que está acontecendo, mas gostaria de ter ou gostaria que existisse alguém ou algo que pudesse fazer alguma coisa contra mais esse descalabro. A Agricultura Brasileira não pode continuar vivendo a reboque de interesses econômicos de grandes grupos de agrotóxicos e se autodestruindo ambientalmente, economicamente e, o que é pior, também socialmente, porque em última análise esses venenos acabam indo para as nossas mesas e envenenando os cidadãos brasileiros.
Recentemente vimos o caso de 62 mulheres no município de Lucas do Rio Verde no Estado do Mato Grosso que estavam com seu leite materno contaminado por agrotóxicos e que assim estavam envenenando os seus filhos através da amamentação. O que aconteceu desse fato, que ninguém mais comentou sobre o assunto? Que providências foram tomadas? Quem foi responsabilizado pelo caso? O assunto surgiu e desapareceu sem que ninguém dissesse nada.
Mas esse é apenas um dos muitos problemas que decorrem de magnificação trófica e de acúmulo de compostos químicos venenosos, mas existem vários outros como, por exemplo, a alta taxa de suicídios em alguns municípios, que é oriunda de depressão por conta dos altos índices de agrotóxicos no Sistema Nervoso das pessoas que convivem com essas substâncias químicas. Está na hora de pararmos de brincar com a vida, em particular com a vida humana, em benefício de algumas empresas que nada tem a ver conosco.
Está na hora de nos lembrarmos de que se não tivermos a nossa vida, nós também não precisaremos ter dinheiro. Estamos vendendo barato o nosso maior bem, que é o nosso solo, a nossa terra fértil e por tabela, ainda estamos acabando com a nossa vida. Precisamos parar com isso, pois a vida nãotem preço e por isso mesmo tem que estar sempre em primeiro lugar. A Legislação Brasileira tem que ser capaz de impedir esses absurdos e o Brasil tem que procurar outros modelos de produção agrícola enquanto ainda existe possibilidade.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (56) é Biólogo, Professor, Ambientalista, Escritor.