Nada pode ser pior do que já foi
Nada pode ser pior do que já foi
Luiz Eduardo Corrêa Lima
(Professor Titular da FATEA/Lorena/SP)
Existe um ditado antigo que diz: “nada pode ser pior do que já foi”. Na verdade esse ditado é mais ou menos igual aquele outro que diz: “estamos perto de chegar ao fundo do poço”. Em ambos os casos a referência lógica é a seguinte: a situação da questão é tal que teoricamente não dá mais para piorar.
Pois é, no que diz respeito à questão ambiental, aparentemente nenhum dos dois ditados supracitados estão fazendo sentido, porque sempre temos conseguido, pelo menos até aqui, piorar um pouco mais as coisas e complicar a situação. Isto é, sempre temos conseguido piorar cada vez mais aquilo que já está ruim e assim parece que o fundo do poço nunca chega.
Assim, a Terra, embora esteja, a seu modo, reclamando bastante, com a produção de inúmeras catástrofes, cada vez mais significativas, ainda tem resistido as nossas ações perturbadoras, incoerentes e inconsequentes. Quer dizer, o planeta, apesar de tudo, ainda tem resistido aos efeitos maléficos produzidos pelo “bicho-homem” ao longo da história.
Mas, a pergunta que fica é a seguinte. Até quando a Terra ainda irá resistir às nossas atrocidades ambientais?
No mundo de hoje, há inúmeras pessoas efetivamente preocupadas com a resposta dessa pergunta e lutando para que a Terra possa resistir mais ou para que o homem pare de agir errado. Existem mesmo alguns países, onde parece existir o consenso sobre os problemas ambientais e onde a busca de soluções tem sido constante, inclusive com compromissos governamentais sérios assumidos pelos seus respectivos governos nas diferentes esferas do poder.
Entretanto, o mundo é muito grande e diferente e, em contrapartida há outros países em que essa não pode ser de maneira nenhuma a prioridade, porque as pessoas ainda passam fome e sede; não têm onde morar; não têm como se tratar e morrem de doenças simples e corriqueiras, por falta de higiene e saneamento básico. Crianças morrem porque suas mães não têm leite para alimentá-las, ou porque são abandonadas à sorte pelos seus pais, que também têm que lutar para tentar conseguir sobreviver e optam por suas vidas ao invés da vida de seus filhos.
Enfim, o mundo, embora devesse ser, definitivamente não é um lugar maravilhoso para muitos humanos, pelo menos ¼ da população mundial. É claro que esses seres humanos não estão preocupados com as questões ambientais planetárias, pois seus problemas pessoais são muito mais sérios. Aliás, eles talvez nem saibam que essas questões ambientais existem, haja vista que seus problemas pessoais infinitamente maiores, pois lutam pelas suas respectivas sobrevivências. Desta maneira, não devemos esperar “milagres ambientais” oriundos desses países e dessas pessoas, porque certamente eles não acontecerão.
Por outro lado, é preciso resolver as questões ambientais planetárias e essa tarefa só pode ser desenvolvida pelos países que conhecem e identificam essas questões como sendo importantes. As pessoas dos países “ricos” precisam estar envolvidas no processo de transformar o planeta num lugar melhor para todos os humanos e também para as demais criaturas do planeta, independentemente da alienação das pessoas dos países “pobres”. Mas, como fazer com que isso realmente aconteça?
Só existe uma maneira: acabando com a miséria e a pobreza no mundo e exterminando as diferenças sociais entre os países “ricos” e “pobres”, porque assim os “pobres” reconhecerão os problemas ambientais e também passarão a atuar na recuperação planetária. Os “ricos” têm que pagar a conta para que se consiga acabar com a pobreza e não há o que discutir, haja vista que só eles podem realizar tal tarefa, pois só eles têm os recursos econômicos necessários para isso.
Alguns dirão que isso que estou propondo é uma utopia e talvez seja mesmo uma utopia, mas precisa ser tentada, porque esta é a única solução possível, não há nenhuma alternativa adicional. Só salvaremos o planeta e os humanos nele viventes se investirmos em recuperar a qualidade de vida dos ecossistemas naturais e dos ambientes antropomorfizados urbanos ou rurais. Para que isso possa ocorrer, precisamos garantir a vida dos seres humanos no planeta, tanto os “humanos ricos” quanto os “humanos pobres”.
O primeiro e mais importante passo na direção da recuperação planetária passa pela revitalização do homem, de todos os representantes da espécie humana, existentes sobre a superfície da Terra. É fundamental exterminarmos a miséria humana e só conseguiremos isso, distribuindo a riqueza sem discutir valores econômicos. Enquanto o homem continuar achando que pode ganhar enquanto outro homem perde, estaremos sempre andando na contramão. A humanidade tem que andar por igual e crescer junta. Se quisermos resolver os problemas ambientais e sociais do planeta, dinheiro e valores econômicos têm que ser levados para um grau menor de importância. O capital social tem que ser a moeda forte.
Nosso planeta ainda pode nos dar muito e ainda podemos sobreviver nele por muito tempo. Porém, temos que cuidar de todos sobre a superfície para garantir a nossa sobrevivência, mormente os demais grupos humanos. Aliás, cabe lembrar que, até aqui só podemos mesmo sobreviver nele, porque é o único lugar possível, o único planeta em que existe vida, pelo menos da forma como entendemos.
É inadmissível que ainda tenhamos homens criados e tratados como inferiores perante outros homens no planeta. Somos uma espécie única, que se manteve assim por conta de termos nos mantido em populações intercruzantes ao longo de nossa história evolutiva. Isto é, no início, apesar das diferenças morfológicas de nossas raças, de não sabermos nada de genética, éramos iguais ou, pelo menos, agíamos como se fôssemos iguais, por mais diferentes que pudéssemos ter sido. Assim, trocamos tantos genes que ficamos cada vez mais parecidos do ponto de vista genético.
Agora, quando as diferenças morfológicas quase não existem e se até existem, certamente não são importantes. Hoje nós somos sabedores que essas diferenças são apenas características adaptativas que se formaram ao longo de nossa curta evolução planetária. Pois é, exatamente agora que temos certeza de nossa unicidade genética específica, estamos deixando de lado alguns de nossos iguais (semelhantes).
Que comportamento estranho, esse que é produzido pela nossa espécie, que se diz racional, que se entende social e culturalmente educada, se intitula civilizada e segrega parte de seus semelhantes e ainda considera as demais espécies selvagens. Aliás, que considera alguns de seus semelhantes também selvagens e os relega a outros planos inferiores, esquecendo sua natureza humana e, portanto, igual (idêntica) aos demais humanos.
Salvar o planeta passa obrigatória e prioritariamente por salvar o homem como espécie, acabando com essas diferenças de cunho estritamente social que renegam a própria realidade biológica que nos indica e define como espécie viva. O representante da espécie humana, seja ele, preto, branco, amarelo ou vermelho; seja ele, europeu, africano, ameríndio ou latino; seja ele civilizado, educado, letrado ou não; seja ele tecnológico, científico, religioso ou não; seja ele rico ou pobre; ou qualquer outra diferença que se queira considerar é naturalmente uma espécie só, o Homo sapiens.
Cada gene perdido dessa espécie é parte do nosso patrimônio genético que está se extinguindo e nós não podemos cruzar os braços para essa realidade natural que destrói a todos nós gradativamente e que empobrece geneticamente a nossa espécie. Portanto, temos que trabalhar para acabar com a miséria humana planetária, pois ela é maléfica a todos nós. Utopia ou não, temos que tentar tornar o planeta melhor para todos os humanos e não para alguns.
Apesar de todas as coisas erradas que temos feito, particularmente nos últimos tempos, ainda não chegamos ao fundo do poço e está na hora de provar que efetivamente “nada pode ser pior do que já foi” e partir para melhorar a qualidade de vida da espécie humana em todos os sentidos. Até porque, isso também nos encaminhará, ainda que indiretamente, para a recuperação do planeta como um todo, haja vista que a nossa melhora como habitante planetário, por aspectos óbvios também trará melhorias para todo o planeta e para as diferentes criaturas que nele habitam.
A recuperação planetária e de todo o passivo ambiental que temos acumulado passa necessariamente pela ação efetiva em prol das diferentes populações humanas isoladas e esquecidas que estão dispersas pelo planeta afora. A realidade social que hoje está estabelecida infelizmente é uma criação humana e só o próprio homem pode modificar isso. O fim da miséria e da pobreza se faz mister para que a espécie humana possa continuar a sua trajetória evolutiva e para que o planeta possa continuar abrigando nossa espécie por mais algum tempo.
Então, considerando que não dá mais para piorar a situação estabelecida, a lógica indica e a Biologia confirma que para os humanos, os outros humanos devem ser importantes. Ou melhor, devem ser os mais importantes organismos planetários. Nossa racionalidade precisa identificar, reconhecer e praticar essa lógica o mais rápido possível, pois estamos chegando ao fundo do poço e não queremos ver as coisas piores do que já vimos até aqui, porque ainda acreditamos que nada pode ser pior do que já foi.
Luiz Eduardo Corrêa Lima (55), Biólogo (Zoólogo), Professor de Ensino Superior, Médio e Técnico;
Vice-presidente da Academia Caçapavense de Letras (Cadeira 25);
Ex-Vereador e Ex-Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.