A Falácia da Falta de Energia e a Termelétrica de Canas
A Falácia da Falta de Energia e a Termelétrica de Canas*
Luiz Eduardo Corrêa Lima**
(Professor Titular – FATEA/Lorena/SP)
“É lógico pensar que se o país quer continuar crescendo e que energia é fundamental para que o crescimento se realize, entretanto, não é lógico querer produzir energia de qualquer jeito em qualquer lugar”. Infelizmente, o Governo Federal e as empresas do setor energético, ou desconhecem a veracidade contida nesta afirmativa ou estão deliberadamente agindo de má fé para ganhar mais dinheiro e enganar a população. Quer dizer a idéia de crescimento de qualquer jeito ainda é a que impera no cenário nacional. O desenvolvimento sustentável, como eu já publiquei em vários outros artigos, infelizmente ainda é uma lenda e nem passa perto do pensamento dos administradores e empresários desse país.
Vou tentar ser mais claro, para esclarecer o que estou afirmando.
Os inúmeros editais de concorrência pública abertos para a construção de novas Usinas e Centrais para a produção de Energia, fundamentalmente, Grandes Centrais Hidrelétricas, Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Termelétricas de diversas modalidades, são ganhos por diferentes empresas do setor, oriundas de diferentes lugares. Para cada projeto, cada empresa vencedora da concorrência tem que fazer um Estudo de Impacto Ambiental e cada estudo é feito por uma Consultora que não conhece e obviamente nem quer conhecer o projeto da outra. Assim o país é retalhado como uma colcha de retalhos em vários pequenos projetos e todos os envolvidos na questão (Empresas de Energia e Consultoras) acham que o seu projeto é muito bom e terá um Impacto Ambiental muito pequeno, com ganhos sociais que justificam o impacto.
Bem, em muitos casos, isso talvez até seja verdade. Cada projeto por si só, pode efetivamente causar um impacto pouco significativo, porém a somatória de todos os impactos e a abrangência deles no cenário nacional é extremamente degradante e isso ninguém avalia. Além disso, o benéfico social da grande maioria deles é totalmente inócuo. Quer dizer, não existe benefício nenhum. Infelizmente, gerar energia é um mal necessário, pois a vida moderna não pode prosseguir sem energia. Sendo assim, o que devemos fazer para minimizar o problema é procurar tornar esse mal como sendo um mal menor, mas respeitando o meio ambiente, as pessoas e o obviamente o interesse nacional.
Será que o Governo e as empresas do setor energético não preparam propositalmente para que isso ocorra desta maneira errônea?
Eu queria ter certeza que não, mas ao contrário, lamentavelmente, cada vez estou mais tendenciado a pensar que isso é feito de caso pensado e que o objetivo é esse mesmo, pois assim ninguém poderá ser considerado culpado pelos resultados ambiental e socialmente danosos que certamente virão em decorrência da implantação desses inúmeros e absurdos projetos que se espalham sem nenhum critério pelo território nacional. Se não fosse assim, entendo que o Governo Federal poderia empreender um grande estudo em diferentes áreas que poderiam servir de locais específicos para implantação de Usinas Elétricas (de todos os tipos) e depois analisar o impacto, considerando todo o uso das áreas previamente definidas. Mas, aparentemente para não assumir responsabilidades, o Governo tem preferido deixar a coisa se espalhar, para que posteriormente não possa ser definido um culpado pelo malefício dos desastres que, por ventura, possam ocorrer.
A velha desculpa que existia de que a Energia precisa ser gerada em determinado local para cumprir as necessidades energéticas desse mesmo local é sabidamente mentirosa, pois todo mundo envolvido na questão já conhece que, na verdade, o Operador Nacional do Sistema (ONS) controla e transfere a energia produzida gerada no país de acordo com a necessidade e a disponibilidade maior ou menor naquele momento específico. Portanto a energia pode ser gerada em qualquer lugar do país, que ela cai sempre na mesma rede que é coordenada pelo ONS para ser distribuída e transferida exatamente para o local onde há necessidade.
Existe ainda uma agravante que é a “guerra” dos estados e municípios na eterna busca de ampliar os seus recursos financeiros oriundos dos impostos decorrentes da implantação de Usinas Elétricas em seus territórios, o que, obviamente, ajuda a retirar a responsabilidade maior do Governo Federal. Muitos estados praticamente acabam por se venderem aos interesses econômicos e muitos municípios seguem a mesma linha. Prefeituras de cidade pobres e sem recursos são facilmente “iludidas” com aumento de ICMS, de empregos e desenvolvimento de suas respectivas cidades com a implantação de algumas monstruosidades, cujo prejuízo ambiental e social não é nem imaginado pelos administradores e principalmente pela população local que, em última análise, será sempre quem acumulará as mazelas do péssimo negócio. Pior ainda, é quando as Prefeituras “iludidas” atuam em conluio com as empresas para também tentar iludir a população.
Nesse sentido, estamos nós, aqui na região do Vale do Paraíba, com um monstro de Usina Termelétrica para gerar 550 MegaWatts (capaz de manter uma população de quase 6.000.000 de pessoas) a ser instalado no município de Canas, a menos de 3 Quilômetros da margem direita (no sentido Rio de Janeiro) da Rodovia Presidente Dutra, a menos de 4 Quilômetros da zona urbana do município de Lorena e a menos de 6 Quilômetros de Cachoeira Paulista. A empresa responsável pela Usina está na dela, defendendo o seu peixe, promovendo o seu negócio e já prevendo o funcionamento total da termelétrica em 2016. A consultora que elaborou o Estudo de Impacto Ambiental, em apoio a Empresa responsável pela Usina, afirma que a obra é viável e benéfica. A Prefeitura acha que encontrou a sua “galinha dos potes de ouro” e que depois da Usina Termelétrica, o município de Canas vai virar uma potência regional.
Ora, por que uma Termelétrica em Canas?
Além das enganações e erros acima citados, os empregos e o “Super ICMS” gerado, existe também a facilidade de distribuição pelas linhas de transmissão que já existem no local; a facilidade de água pela proximidade com o Rio Paraíba d Sul, que fornecerá muita (muita mesmo) água para o resfriamento; a facilidade pela proximidade da Via Dutra que facilitará o acesso durante a construção e depois também; a facilidade pela proximidade com os dutos de gás que vem de Campos e o que virá de Caraguatatuba. Em suma, primitivamente tudo favorece a Empresa responsável pela Usina e nada favorece a cidade de Canas e seus moradores.
Mas, o que favorece e beneficia aos 4.400 habitantes de Canas, aos mais de 80.000 habitantes de Lorena e aos cerca 30.000 habitantes de Cachoeira Paulista?
Efetivamente, o ICMS do município de Canas vai aumentar muito, mas não vai dar para fazer milagres, porém todo o resto também vai piorar e muito, porque Canas, que ainda tem excelente qualidade de ar, rapidamente vai conhecer a significativa poluição gerada por uma grande Usina Termelétrica. O Ribeirão Canas que atravessa a cidade terá suas águas aquecidas e sua vazão significativamente ampliada, o que certamente não será nada benéfico, nem à população e muito menos à biota aquática do rio, além de potencialmente ampliar as possibilidades de enchentes rio abaixo, ou seja, no centro da cidade de Canas. A vida pacata e bucólica da cidade será muito transformada durante a construção e, como uma bolha que estoura, tudo acabará depois da Usina construída, mas certamente as marcas ficarão.
Para os municípios de Lorena e Cachoeira Paulista e suas respectivas populações não vai acontecer absolutamente nada de bom, entretanto certamente haverá significativo aumento do transtorno nos serviços sociais, dos problemas urbanos, do trânsito e obviamente da poluição atmosférica.
Além disso, cabe lembrar que nem mesmo empregos que serão gerados com a obra serão vantajosos para nenhum dos municípios diretamente envolvidos. Ou melhor, durante a construção serão gerados cerca de 700 empregos para atuar na Construção Civil, ou seja, a grande maioria desses empregos sem qualificação nenhuma. Depois da construção nada de emprego. Todos serão demitidos e apenas 30 funcionários qualificados, oriundos de outras unidades da empresa e já conhecedores do processo serão capazes de mantê-la funcionando 24 horas por dia, haja vista que ela é quase toda automatizada. Em suma, a Usina não gerará nenhum emprego perene para Canas e nem para a região.
É claro que muitos dos 700 empregados demitidos irão embora, porém, parte deles, com suas respectivas famílias, certamente vai ficar e isso poderá formar pequenas favelas ou coisas parecidas no entorno da Usina, ou então alguns vão ficar perambulando pela cidade à procura de novo emprego, após à demissão, porque não terão mais o que fazer. Quem irá resolver essa questão? A prefeitura “rica” de Canas, com o ICMS oriundo da usina, terá recursos para isso? As duas cidades maiores, Lorena e Cachoeira Paulista, arcarão com mais esse ônus?
Se é que faltará mesmo energia no país e parece que efetivamente isso vai acontecer, então vamos fazer um levantamento nacional de áreas específicas e definidas onde esta energia pode ser obtida causando o menor impacto ambiental possível e não distribuir e publicar editais para que as empresas do setor, literalmente, “saiam à caça de áreas” para implantar os seus negócios, porque elas sempre vão procurar aquilo que é melhor para elas, independentemente de ser bom para o país ou para a população do local. O interesse das empresas é puramente comercial. É bom lembrar que essas empresas do setor energético, quase sem nenhuma exceção, são multinacionais de origem estrangeira e não estão preocupadas com o Brasil ou quem nasce e vive em nosso país.
Elas não são empresas boas ou más, são apenas empresas e agem no seu interesse empresarial, isto é ganhar dinheiro a partir daquilo que produzem. O Governo Federal é que deveria trabalhar no sentido de proteger o patrimônio ambiental nacional, a população brasileira e impedir que o espaço físico do país fosse retalhado por empresas estrangeiras do setor energético. Aliás, na minha maneira particular de entender, energia deveria ser coisa de segurança nacional em todos os sentidos. Mas, não cabe discutir isso aqui, até porque essa não parece ser uma discussão importante para o governo brasileiro.
Bem, fica aí o relato local do que o Governo Federal historicamente tem deixado acontecer com alguns lugares no Brasil e em particular com algumas pequenas cidades brasileiras. Não podemos deixar que aqui no Vale do Paraíba também ocorra isso e que a nossa pequena Canas seja uma dessas cidades iludidas por valores e promessas totalmente insustentáveis. Já moramos numa região comprometida demais para suportarmos mais esse absurdo.
*Artigo anteriormente publicado no Informativo do Instituto de Estudos Valeparaibanos - IEV, Número 219, fever/mar/abril de 2011.
**Luiz Eduardo Corrêa Lima (55) é Biólogo, Professor, Ambientalista e Escritor;
Vice-Presidente da Academia Caçapavense de Letras – ACL;
Membro Associado do Instituto de Estudos Valeparaibanos – IEV;
Ex-Vereador e Ex-Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.