Introdução ao livro "Amazônia, Um Brasil à Parte"
Em face dos problemas que a humanidade vem enfrentando, representados pelas desigualdades sociais, motivadoras das guerras, das invasões injustificadas e das ameaças assustadoras, nós, brasileiros, não podemos, de forma alguma, prostrarmo-nos neutros e inativos diante de tal quadro preocupante. Vivemos num país de dimensões continentais, abençoados por todas as espécies de riquezas. Somos um povo pacifico por natureza, acostumados que estamos com as dádivas. As cores da nossa bandeira representam tudo aquilo que possuímos. Farta e abundante é a extensão de nossas águas. O ouro, as pedrarias e a imensa quantidade de nossas substâncias minerais preciosas já foram, e continuam sendo, o sustentáculo de nossa independência. A paz reina soberana em nossos corações porque desconhecemos as mazelas tão comuns a outros povos que não tiveram a sorte de nascer nesta pátria. A colossal vastidão de nossa s matas, considerando-se unicamente a região amazônica, fala por si e dispensa adjetivos. Alias, não encontramos adjetivos para qualificar esta magnífica obra da natureza.
É estimulante e extremamente prazeroso falar sobre a Amazônia. Poderia, como a maioria das obras que tratam do assunto, discorrer indiferente pelo lado da crítica, absolvido pela onda de insatisfação que paira sobre nós. Levado, talvez, por um otimismo perturbador, fruto, quem sabe, do contato In Loco que tive com a floresta, decidi enveredar por outro caminho: o da esperança. Não discordo, em hipótese alguma, das mentes críticas que opinam sobre o assunto. Afinal, um patrimônio inestimável está em jogo. A preocupação com o que é nosso e o medo de ver entregue em mãos inescrupulosas um mundaréu de riquezas, as quais, se mal administradas, serão engolidas pela ganância e pelo egoísmo da espécie humana, é mais do que justificável.
A ocupação amazônica teve Início no século xvi, impulsionada pela abundância de produtos de fácil comercialização (madeira, especiarias, etc.) além da mão de obra oferecida pelo indígena. O crescimento populacional mais significativo deve-se ao ciclo da borracha, iniciado no século xix. Só de nordestinos, imigraram para a região cerca de 250.000. Hoje, a Amazônia ainda é um lugar do mundo capaz de surpreender. Os 500 anos da descoberta da América ainda não foram suficientes para dar conta da diversidade da Amazônia. Os ecossistemas da região têm a maior biodiversidade do mundo. A maioria das espécies ainda não são suficientemente conhecidas, embora muitas se encontrem em situação de fragilidade ou desapareceram.
Para se negociar com sucesso uma mercadoria, faz-se necessário o conhecimento técnico e prático de todas as suas funções, assim como a consciência e as possibilidades de falhas e desajustes. Dimensionando-se este ponto de vista, temos na Amazônia uma faca de dois gumes apontada na direção dos incautos e precipitados. O desconhecimento técnico e científico interfere no manejo da fauna e da flora. O emprego adequado de suas riquezas concorre para o prejuízo dos ecossistemas. A Amazônia continua a ser uma região economicamente pobre, embora suas populações vivam em uma área biologicamente privilegiada. O desconhecimento sobre a variedade dos solos das terras firmes e várzeas permite que a desavisada intrusão humana seja determinante nas alterações ambientais. Neste ritmo teme-se que a Amazônia esteja destruída em dois ou três séculos.
Quase cinco séculos depois que Francisco de Orellana (1490-1546) desceu pelo rio Amazonas desde suas nascentes, buscando alcançar o Atlântico, a região permanece mítica como o famoso tesouro das Icamiabas que povoou o sonho daquele Espanhol. O sonho do Eldorado não morreu com Orellana, tampouco com os que vieram depois. Contudo, o mistério persiste e continua desafiando as tentativas mais ousadas e bem intencionadas. Os segredos do Nilo foram rapidamente descobertos quando os desbravadores, seguindo a oeste de Zanzibar, alcançaram o lago Vitória. A Antártida, explorada pela primeira vez em 1820, um século depois, conduzia ao Pólo os intrépidos homens que a conquistaram.
Mas, com a Amazônia tem sido diferente. Este dossel inigualável de sete milhões de quilômetros quadrados guarnece, além do Brasil, mais oito países da América do Sul, da qual ocupa, com sua monumental cobertura, mais do que 20%. O fato de possuirmos, dentro do nosso território, mais de 60% desta imensa área verde deve constituir motivo de orgulho, não só para aqueles que habitam o dez estados abrangidos por ela, como para cada brasileiro. Os números impressionam: 20% das águas do mundo estão na Amazônia. Possuímos o maior rio do planeta, descarregando a cada segundo 20 mil m³ de água no oceano Atlântico. Muitos dos seus 1.100 afluentes possuem mais de 1.500 quilômetros de extensão. Suas bacias em conjunto ocupam dez vezes mais espaço do que todos os rio da Europa reunidos e nenhuma ponte o atravessa por mais de 65 km. Sem mencionar as milhares de espécies de peixes, aves, répteis e mamífe ros; os milhares de espécies de artrópodes e insetos; as formas primitivas de vida constituídas pelos fungos, liquens, musgos e outros, são simplesmente impossíveis de serem calculadas.
As condições climáticas da Amazônia favorecem a explosão biológica e variada de fungos, o que assegura o equacionamento de grandes problemas ambientais e de produção de alimentos. 69.000 espécies, uma pequena parcela dos mais de 1,5 milhões existentes, já foram estudadas e classificadas. Os ecossistemas dos trópicos possuem o privilegio de produzir a maioria absoluta desses organismos, dado as suas características de umidade e calor. E isto nos faz lembrar que a região Amazônica ocupa mais da metade da extensão territorial dos trópicos do planeta (Bull, goodfellow e Slater, 1992).
O Brasil é o país que abrange o banco genético mais rico de planeta. Estima-se que seu inventário de flora e fauna detenha 50% das espécies existentes. No presente, gás e petróleo. No futuro, soberbo potencial biológico; paraíso dos recursos minerais. Por essas e outras, assentados neste potencial ilimitado, nós, brasileiros, sem ufania, mas conscientes do que possuímos, precisamos sair à frente, erguendo nossa bandeira, lutando pelo que é nosso. Ser pacífico não significa se ignorante. Sem o uso de armas, podemos, se nos decidirmos a tal, combater o proselitismo e as palavras fáceis em torno do futuro da Amazônia. O conhecimento é a melhor defesa. Não precisaremos subjugar e tampouco seremos subjugados, se detivermos, em conjunto, o segredo das aplicações, a genialidade das negociações e a sustentabilidade no manejo dos recursos da Amazônia, os quais, uma vez, livres da a mbição desmedida e da falácia universal, tornar-se-ão generosos e infindáveis.