A VINGANÇA DA NATUREZA?
Mal o ano de 2010 se iniciou e os noticiários televisivos atiraram nos olhos de todos as cores de variadas tragédias com muitos mortos. Ao invés dos tiroteios costumeiros, desabamentos de encostas, enchentes de cidades, quedas de pontes. O número de vítimas aumentando a cada novo boletim até alcançar a casa das dezenas. E isso não apenas no Brasil, pois que na Europa, nos Estados Unidos e também na China, e na Índia os rigores do tempo puderam ser sentidos através de queda intensa nas temperaturas, chegando em alguns locais à sensação térmica de menos 50 graus, até as nevascas que paralisam as cidades. Enquanto isso, no Brasil e na Austrália os termômetros subiam sem parar também chegando aos 50 graus positivos.
Com olhos arregalados o telespectador começa a pronunciar entre perplexo e assustado as frases de praxe: _ “É o fim do mundo”, “- O mundo está perdido”, “- Valei-me Deus e Nossa Senhora”, “- É a vingança da natureza”.
Das quatro afirmativas, a última é a que merece um pouco mais de reflexão uma vez que afirmar que o mundo está perdido ou perto do fim não é nenhuma novidade pelo menos desde que o ser humano aprendeu a falar, assim como rogar aos deuses proteção. Agora, falar em vingança da natureza, aí sim, estamos diante de algo que merece atenção.
Desde o final da década de 1980, que a temática do aquecimento global começou a ganhar espaço nos noticiários. A princípio era uma questão altamente polêmica tanto que havia duas correntes de cientistas que debatiam se o efeito estufa traria aumento ou diminuição da temperatura. Atualmente as provas mais evidentes já demonstraram que a temperatura global não só está subindo como vai continuar a subir.
Se essa questão é consenso, a partir daí tudo fica absolutamente nebuloso pois os próprios cientistas não conseguem entender muito bem como funciona esse nosso planeta azul, até porque, a ciência costuma separar a parte do todo para então investigar, e a natureza é um organismo complexo, vivo, e que, como já dizia Lavoisier, o sábio francês, ainda no século XVIII, “na natureza nada se cria, tudo se transforma”. O que significa dizer que as alterações pelas quais o planeta passa e passará nos próximos 50 ou 100 anos, já estão em curso, só que é difícil dizer exatamente como se processarão.
Ao que parece, o que assistimos nos primeiros dias de 2010, foi uma espécie de avant premiére daquilo que certamente será a tônica nos próximos anos com temperaturas extremadas para cima e para baixo, enchentes provocadas por chuvas torrenciais e o pandemônio decorrente de tudo isso em todo tipo de cidade das maiores às menores, sem discriminação de raça, credo, sexo ou grana.
E depois de atravessar um de seus verões mais radiantes dos últimos tempos com sol brilhante sete dias da semana, apesar do calor intenso e abrasivo, e céus claros e dias luminosos, eis que a própria cidade maravilhosa, assim como municípios próximos como Niterói, foi vítima da fúria incontrolada da Mãe Natureza. Uma chuva torrencial e descomunal caiu do céu com a intensidade de uma verdadeira praga do Egito antigo. Em poucas horas a cidade parou, ruas transbordaram, carros viraram entulhos a obstruir ainda mais a já precária passagem e as pessoas se desesperaram. Nos morros, as sofridas e desnudas encostas não se seguraram e ao som estrondoroso de barracos caindo junto vieram abaixo.
Além disso, a cidade passou a sentir o ranger aflito de um ciclone extra tropical, coisa que somente ouvimos falar como coisa longínqua, dos mares do sul, de outras terras, mas nunca em tempo algum, em nossa terna e linda Baía de Guanabara. E enquanto o tal ciclone extra tropical assobiava e a chuva caía, eis que nos deparamos com a desabamento quase integral de um morro em Niterói, numa região que por quinze anos fora um lixão e que depois, por conta do descaso de uns e da pobreza de outros, terminou por virar abrigo para dezenas de casebres suadamente construídos pelas mais variadas pobrezas.
A imprensa nessas horas logo se esmera na transmissão e faz da catástrofe um espetáculo que o dileto público cujo destino lhe poupou o desagrado de uma tragédia assiste entre compungido e preocupado, afinal, nunca se sabe se seremos nós os próximos a sucumbir na passagem de um tufão, de um ciclone ou no desabar democrático do temporal. Comentaristas de plantão vociferam na busca de culpados quando em muitos casos a própria imprensa encobriu erros e descalabros de muitos governantes passados. E muitas vezes fez a propaganda que interessava aos corvos sugadores da riqueza do povo.
Mas a tragédia está instalada e não é a primeira, e infelizmente não será a última desse ano, e olha que nem estamos computando os terremotos, pelo dois de grande magnitude, o do Haiti e o do Chile, pois afinal, são eventos onde não entra a mão insensata do Homem, nem dos atentados à bomba e nem das inúmeras guerras espalhadas pelo pobre planeta. Agora, pergunta o transeunte angustiado, é mesmo uma vingança da natureza?
Certamente que não, pois que a natureza não possui tais atributos humanos e nós para ela somos mais um dos inúmeros tipos de seres viventes a vagar por suas plagas. Longe de ser uma vingança, o que estamos passando é apenas e tão somente o colher daquilo que vem sendo plantado pelo menos desde meados do século XVIII quando a chamada Revolução Industrial despontou no horizonte humano a princípio restrito à Inglaterra e logo gradativamente passada às outras regiões do mundo até chegarmos à situação atual denominada de globalização.
Em cerca de 250 anos, a humanidade mexeu com o planeta de forma avassaladora e sem se dar conta realmente do que estava fazendo. Em sua crônica ignorância o ser humano passou a acreditar no fascínio do progresso e em seu nome foi se colocando contra a natureza, pois dela passou a exigir bem mais do que ela podia. E agora, bem, agora é a hora de chegar a conta. São cidades cada vez mais gigantescas e mal planejadas com problemas estruturais agravados pela pobreza e pela desigualdade. São árvores de menos e terras descobertas e solo encharcado já que as águas desreguladas se movem e removem sem ter lugar certo para pousar, pois os rios estão assoreados, cheios de lixo e cercados de asfalto e falta árvores para conter a água e o solo.
Não, não se trata de uma vingança da natureza, pois que para ela não temos a menor importância e nosso desaparecimento terá o mesmo efeito que o desaparecimento de um formigueiro inchado.
Paulo Luna