A Questão da Monocultura do Eucalipto no Vale do Paraíba.

A Questão da Monocultura de Eucalipto no Vale do Paraíba

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Já faz alguns anos, 20 pelo menos, que a região do Vale do Paraíba vem sendo “invadida” pelas “florestas plantadas de eucaliptos”. No início eram várias as empresas que atuavam na área: Florin, Dezorzi, Suzano, Papel Simão, mas hoje tudo é praticamente de uma única empresa, a Votorantim (VPC). Embora o número de empresas que atuam no setor tenha diminuído, o problema em si tem aumentado muito e agora atingiu proporções sem precedentes, haja vista que hoje existem mais de 300 fazendas na região com plantações significativas de eucaliptos. Alguns municípios da região têm mais áreas plantadas com eucalipto do que com qualquer outro uso ocupacional.

Quero deixar aqui claramente exposto que não vou defender uma posição contrária ou a favor do plantio de eucalipto no mundo, vou apenas tentar discutir o problema no Vale do Paraíba, do ponto de vista histórico, social e ambiental. Não vou fazer sensacionalismo e nem provocar uma “guerra fria” sobre o assunto, vou apenas e tão somente me ater aos fatos e a partir deles concluir.

O eucalipto foi introduzido no Brasil na década de 1930. Isso quer dizer que os bisavôs da maioria das pessoas hoje vivas, nunca viram, se quer, um pé de eucalipto, pelo menos aqui no Brasil. Desde então se passou a plantar eucalipto para a produção de carvão vegetal, depois como essência madeireira e mais recentemente se descobriu também sua aplicabilidade como matéria prima na produção de papel, além de sempre ter sido também empregado como terapêutico na área da saúde e como madeiramento estrutural na área da construção civil. Quer dizer, o eucalipto é realmente uma árvore de várias utilidades comerciais e de grande valor social e econômico.

Na época em que o eucalipto aqui chegou, nós ainda não tínhamos nenhum conhecimento acerca do que representava, do ponto de vista ambiental, a introdução de organismos exóticos e nem imaginávamos que o eucalipto fosse uma essência tão fortemente competitiva e que, além de tudo, exigia muita água do ambiente onde vivia. Nós apenas sabíamos que o eucalipto produzia uma madeira reta e bastante uniforme para ser usada como lenha, ou na carpintaria e na marcenaria.

Hoje nós temos muitas informações sobre o eucalipto, inclusive a sua capacidade de impedir que outras plantas se instalem e se desenvolvam nos locais onde ele se encontra, devido a sua capacidade competitiva. Sua exigência acentuada de água, principalmente nos primeiros anos de vida, que faz com que suas raízes pivotantes procurem água cada vez mais fundo, secando, ao longo do tempo, o ambiente à sua volta.

Ora, o Vale do Paraíba, como o nome diz é um vale banhado pelas águas do Rio Paraíba do Sul e seus afluentes e constitui-se numa região primitivamente plana e alagadiça. A vinda do eucalipto mudou um pouco essa condição, pois as áreas alagadiças foram desaparecendo, até porque uma planta como o eucalipto não se desenvolve bem num terreno alagado.

Entretanto, a condição hídrica do Vale do Paraíba e consequentemente o seu solo há muito tempo não são as mesmas do início (estado primitivo), por conta de sucessivos usos indevidos. Primeiro foram os cafezais, depois foi o pisoteio pelo gado leiteiro e o plantio da braquiária como forrageira para alimentar esse gado. O solo exauriu-se e em muitas áreas da região estagnou-se totalmente, caminhando para a desertificação e inviabilizando qualquer tipo de uso, além do industrial ou do imobiliário.

A História do Vale do Paraíba nos mostra que sempre tratamos do solo e da água abundante na região de maneira errada. Destruímos toda a Floresta Primitiva da calha do vale e se também não destruímos totalmente as Florestas de encosta das Serras do Mar e da Mantiqueira foi por causa do difícil acesso a algumas áreas.

Pouco sobrou do estado primitivo e esse pouco se encontra exatamente nas encostas das serras, pois no vale propriamente dito, toda a vegetação primitiva desapareceu. Por outro lado, mesmo os processos sucessórios naturais que se desenvolveram ao longo do tempo nas áreas abandonadas, levaram a formação de uma vegetação muito diferente daquela que anteriormente existiu na região. Em outro trabalho que publiquei (LIMA, 1989), chamei essa vegetação estranha de “cerrado valeparaibano”.

Obviamente o eucalipto não tem culpa nenhuma desses fatos, porque as fazendas com o solo exaurido e a carência de água já estavam ocorrendo na região por conta do uso indevido histórico, muito antes da chegada do eucalipto. Mas, de qualquer forma, implantar a monocultura de eucalipto numa região com as características que o Vale do Paraíba apresenta hoje é o mesmo que “tentar apagar um incêndio colocando gasolina”, ou seja, isso só aumenta o problema e o risco de desertificação.

É claro que as empresas que exploram o eucalipto têm recuperado muitas áreas e isso seria muito bom se não fosse plantado o próprio eucalipto nessas áreas ou se fosse deixada alguma coisa sobre o solo posteriormente. Quando acaba o ciclo proposto, em torno de 21 anos, se o local onde se plantou o eucalipto for novamente recuperado e plantado tudo bem. Entretanto, não é isso que acontece e depois da última retirada da madeira, dificilmente nascerá qualquer coisa naquela área, pois o solo volta a ficar totalmente incapaz de manter qualquer cultura. Assim, o processo de desertificação desencadeia-se na área.

No início da década de 1990 tive a oportunidade de escrever um pequeno artigo (LIMA, 1992), onde chamei a atenção para a desertificação na região e sugeri algumas coisas a serem feitas para minimizar o problema. De lá para cá, nada mudou. Ou melhor, quase 15 anos depois, mudou sim, certamente a situação está muito pior do que antes porque existem muito mais áreas abandonadas e nada foi feito em relação à questão.

Nosso país é o número 1 do mundo em biodiversidade natural, nada se compara ao Brasil no que diz respeito as diferentes formas de organismos vivos do planeta. Será que nós não podemos encontrar uma essência nativa menos exigente que o eucalipto para suprir e quem sabe até superar os múltiplos usos do eucalipto para o bem do Brasil, da manutenção das florestas nativas brasileiras e quem sabe até da humanidade.

No que diz respeito ao nosso Vale do Paraíba acho que transcendemos o limite do possível e temos que começar a frear a monocultura de eucalipto na região, principalmente por conta da fragilidade ambiental em conseqüência dos erros históricos. No passado não sabíamos que fazíamos errado, nós apenas errávamos. Mas hoje, temos muitas informações e todos os motivos para não errarmos mais. O interesse estritamente econômico de alguns pode nos levar a inviabilidade social e ambiental de toda a região.

Florestas plantadas só devem existir em áreas já degradadas e o Vale do Paraíba como tantas outras áreas nesse país são áreas degradadas e podem abrigar florestas plantadas. Entretanto é fundamental que compatibilize a cultura que se quer plantar com as condições biogeoquímicas e climáticas da região. O eucalipto por vários aspectos não se presta à região do Vale do Paraíba, assim como outras culturas não se prestam a outras regiões.

Apenas os empresários e os comerciantes do produto conseguem ganhar com o plantio do eucalipto. Mesmo a geração de empregos no setor é muito pequena e o nível desses empregos é baixíssimo. Além disso, alguns municípios se quer ganham alguma coisa com o plantio em seus territórios, pois as sedes das fábricas e distribuidoras das toras de madeira estão localizadas em outros municípios e todo o imposto vai para esses outros municípios.

O que está faltando nesse país é um projeto que viabilize novas tecnologias a partir da exploração de espécies nativas que possam ser economicamente viáveis. Ao invés de ficarmos imitando o resto do mundo nas coisas erradas, por que não desenvolvemos tecnologias novas com coisas nossas. Não é possível que não se encontre uma planta na flora brasileira que não possa fazer tudo o que o eucalipto faz, sem causar os problemas que ele causa. Certamente essa planta existe, o que precisamos é trabalhar no sentido de procurá-la e encontrá-la.

Há um ditado que diz que muitas vezes “o barato sai caro”. Plantar eucalipto pode ser aparentemente mais barato, entretanto, ao longo do tempo o preço a ser pago não compensará a economia obtida no início. Quem continuar duvidando que pague para ver. Mas eu, humildemente, recomendo que se reavalie essa forte tendência de achar que o eucalipto é a solução de todos os problemas humanos. No Brasil, em geral e no Vale do Paraíba, particularmente, o eucalipto só tem trazido muito mais problemas do que soluções.

De qualquer forma, entre o nada e o eucalipto, que fique o eucalipto, pois qualquer coisa é sempre melhor do que nada, mas é preciso que não se corte a floresta periodicamente. É preciso que se deixe a floresta seguir o seu curso. Isto é, como cobertura do solo, por pior que seja o eucalipto ele ajuda e algumas décadas depois o sub-bosque que se forma completa o serviço, mas é claro que, por melhor que possa parecer, nada será como antes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LIMA, L.E.C., Considerações Ecológicas sobre o Vale do Paraíba, Fundação Nacional do Tropeirismo, Caçapava e Centro Cultural Objetivo, São Paulo. 1989.

LIMA, L.E.C., A Desertificação do Vale, Jornal O Vale Paraibano, N˚. 11016, São José dos Campos, 10 de julho de 1992.

Luiz Eduardo Corrêa Lima