Monstro é Aquele Que Não Sabe Amar: Entre o Samba e a Constituição

O Carnaval pode ter passado, mas alguns sambas-enredo ecoam na memória coletiva como mensagens atemporais. Em 2018, a Beija-Flor entoou “Monstro é aquele que não sabe amar – os filhos abandonados da pátria que os pariu”. Essa mensagem, imortalizada, transcende o universo carnavalesco e se inscreve, de forma contundente, no imaginário da sociedade que clama por justiça, dignidade e afeto.

Ao mesmo tempo em que os tambores ressoam, a consciência jurídica se faz presente ao lembrar que o nosso ordenamento jurídico, cristalizado na Constituição Federal, não apenas prevê, mas exige o reconhecimento da dignidade da pessoa humana – um dos fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito. Em seu artigo 1º, a Constituição eleva essa dignidade a valor supremo, princípio esse que se manifesta na proteção dos direitos fundamentais de cada cidadão.

A temática estampada no samba, que denuncia o abandono daqueles que deveriam ser cuidados pela própria pátria, remete à reflexão sobre os direitos sociais e humanos, daqueles destinados a amparar os mais vulneráveis. A ideia de "filhos abandonados da pátria" dialoga diretamente com o artigo 227 da Carta Magna, o qual determina que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar. Se a falta de amor e solidariedade gera um "monstro", é justamente a ausência na efetivação desses direitos que clama por reparação.

No compasso jurídico, o direito ao afeto e à proteção familiar transcende o mero sentimento e converte-se em obrigação estatal. Assim como o samba exalta a importância de amar e acolher, a Constituição faz morada no dever de proteger e assegurar os direitos fundamentais. Cada verso, cada batuque é uma alegoria da luta diária pela efetivação desses direitos, pois é justamente através do amor – e do cumprimento de deveres legais – que se constrói uma sociedade que respeita a dignidade do ser humano.

No cenário dos tribunais, a garantia dos direitos fundamentais não se restringe à letra fria da lei. A interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, obriga o Poder Judiciário a buscar interpretações que ampliem a proteção social. Assim, o grito "não sabe amar" ressoa também como uma crítica à falha dos estatais em prover condições mínimas para o desenvolvimento pleno de seus cidadãos. Esse descuido, que se torna um verdadeiro abandono, pode ser juridicamente enquadrado como uma violação dos deveres impostos pelo Estado, que deve, por meio de políticas públicas, proporcionar o pleno exercício dos direitos sociais.

A análise jurídica se fortalece com a observância do artigo 5º da Constituição Federal, que consagra a inviolabilidade dos direitos individuais e coletivos. Quando o abandono dos mais vulneráveis se perpetua, o Estado se torna omisso em sua missão constitucional de proteger os direitos à igualdade, à liberdade e à segurança – direitos esses que se interligam naturalmente ao direito de ser amado e cuidado. O samba, portanto, não é só um espetáculo, mas também um manifesto cultural que denuncia e convoca para a ação a partir do sentimento de justiça.

Em uma perspectiva integradora, o samba e o Direito se unem na defesa da ideia de que o amor e a proteção são indispensáveis à construção de uma sociedade justa. Se "monstro é aquele que não sabe amar", então há de ser monstruoso não oferecer ao ser humano o acesso pleno aos direitos que a Constituição garante. Essa dialética entre o lirismo do samba e o rigor da norma jurídica convoca a todos – políticos, juristas e cidadãos – a repensar as estruturas que falham em proteger a infância, a família e os direitos sociais.

E assim, entre acordes e fundamentos, fica evidente que os direitos fundamentais não residem apenas na lei escrita, mas também na cultura que nos convoca a cuidar uns dos outros. É nessa interseção, onde o samba e o Direito se encontram, que emergem as exigências de uma sociedade mais justa, onde o amor se faz lei e a cidadania floresce.