O Estado de Direito

 

O Estado de Direito é um sistema onde as leis são postas para facilitar a interação entre os membros da sociedade. E dessa interação ele se retroalimenta, criando novas leis e disciplinando novas relações. Nesse sentido ele poderia ser representado, esotericamente, pela serpente Ouroboros ou uraeus, o místico réptil que se enrola e engole a própria cauda, simbolizando o eterno fluxo energético que sustenta a vida do universo e não precisa de fontes externas para ser alimentado.
Assim é o Direito em sua estruturação filosófica. Suas leis são alimentadas por outras leis, criando um continuo fluxo dialético que faz com que o sistema evolua por si mesmo. Da mesma forma, esse contínuo ciclo evolutivo ocorre no interior do universo físico e na própria estrutura biológica das espécies vivas.
O universo é um produto de múltiplas relações onde tudo se forma a partir das interações entre seus elementos. As coisas anteriores se transformam em coisas posteriores garantindo esse fluxo, que passa de uma realidade a outra, sempre num grau mais alto da espiral.
Essa é a essência do discurso gnóstico de ontem e de hoje, que tem sido confirmado pelos cientistas em suas observações do íntimo das energias que formatam as realidades universais. É nisso que esse tema interessa dentro de um círculo de estudos maçônicos porque a Maçonaria, em sua origem, foi fundada justamente para essa finalidade: discutir e encontrar soluções honestas e exequíveis que possam trazer ordem, prosperidade e felicidade para as sociedades nas quais se inserem. Por isso é que a elevação a um dos seus mais importantes graus filosóficos é feita através de um interrogatório no qual o iniciando responde perguntas referentes ao ordenamento jurídico do país, fazendo a distinção entre as leis maiores, constitucionais e complementares da Constituição, e às menores, que são as leis ordinárias, regulamentares e normativas. As primeiras são as leis fundamentais, das quais as demais derivam. E quando as leis se tornam obsoletas, são substituídas por outras, mais elaboradas, mais abrangentes, mais conformes com o tempo e com as condições em que vive a sociedade. Evoca-se um Poder Constituinte e suas funções e prerrogativas. Evoca-se, também, a organização do Poder Judiciário e a razão de sua existência. Enfim, tudo se destina a demonstrar que o “espírito das leis” deriva da própria natureza e que o universo jurídico é governado pelas mesmas tendências que orienta o universo físico. 
Nesse postulado, o ensinamento do grau reflete, novamente, o velho preceito hermético, mediante o qual tudo está em tudo, o que está em baixo é igual ao que está em cima e o que está dentro é igual ao que está fora. Ensina-se que não deve haver intermissões entre as leis no ordenamento jurídico, quer dizer, não é bom que ocorram rupturas abruptas em um ordenamento jurídico e adoção de outro, simplesmente, mas sim uma mudança que só deve acontecer como resultado de uma adaptação que vai se processando na medida que a sociedade vai evoluindo. Dessa forma, o melhor sistema jurídico é aquele que acompanha a própria evolução orgânica da sociedade. Nota-se, ademais, que no discurso iniciático do grau está presente o espírito iluminista de Montesquieu, no que tange o estabelecimento de um sistema de poder capaz de sustentar, alimentar, suportar e fiscalizar uns aos outros, informando-se mutuamente e garantindo a vida da sociedade e do governo que a administra. Justifica-se assim, a razão de a maçonaria moderna ter nascido a partir da reunião de cidadãos interessados em criar um sistema social mais justo e abrangente, unificando os seus principais valores norteadores. E nessa esteira de entendimento, procurar, entre os cidadãos mais comprometidos com essas ideias, aqueles que possam ser iniciados nessa que é mais famosa confraria do mundo.  
Filosoficamente, como dissemos, podemos ver nessa estrutura um símbolo do fluxo energético do universo, que alimenta a si mesmo tirando da própria interação social a sua capacidade de sobrevivência. Por isso é que nenhum governo autoritário, seja qual for a sua orientação ideológica, jamais conseguiu produzir ordens jurídicas duradouras. Isso acontece porque o Direito não pode ser produto da vontade dos homens no poder, mas sempre um resultado da interação dos psiquismos humanos em sua procura pela felicidade. Nesse sentido, caem por terra, por inócuas e inconsequentes, todas as manifestações ideológicas que tentam impor, seja por conta de argumentos bem urdidos, ou até pela força das armas, as suas ideias supremacistas. Por que no fim, o que norteia mesmo o espírito do povo é o resultado das políticas que fazem a sua felicidade. Destarte, não importa de onde elas venham, se de governos de esquerda, de direita ou de centro, pois nenhuma ideologia enche a barriga de quem tem fome, mas pode muito bem envenenar os espíritos despreparados para uma verdadeira democracia.

 

                                                         Montesquieu e o espírito das leis

 

Charles Louis de Secondat, mais conhecido como Barão de Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689, de uma nobre família francesa. Aos 16 anos entrou para a faculdade de Direito na Universidade de Bordeaux, pela qual se formou. Depois da formatura mudou-se para Paris,  onde começou a exercer a profissão de advogado. Com a morte do pai foi obrigado a assumir os negócios da família. Homem rico e respeitado, aos 30 anos deixou os negócios nas mãos da esposa e resolveu dedicar-se à filosofia, à literatura e ao estudo do Direito. 
Crítico mordaz da sociedade francesa da época, Montesquieu foi um dos maiores pensadores do chamado Iluminismo. Seus trabalhos mais importantes foram no campo do Direito, sendo a sua principal obra, o famoso "Do Espírito das Leis", obra iluminista por excelência, que até hoje é leitura obrigatória para todos os profissionais do Direito. Nessa obra, publicada pela primeira vez em 1748, o autor faz um vasto estudo nas áreas de direito, história, economia, geografia e teoria política, traçando um retrato pormenorizado da sociedade francesa da época.
Seu pensamento influenciou sobremaneira os revolucionários franceses de 1789, pois foi principalmente com base nas suas teorias a respeito da separação dos poderes que eles se inspiraram para derrubar a monarquia e abolir o antigo regime que vigorava na França.
Montesquieu pregou a extinção do absolutismo e combateu a concentração de poder nas mãos de uma única classe social. Foi o criador da divisão do poder em três estruturas, independentes e integradas, que eram o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, de onde se originou a composição dos estados modernos. Por isso, entendemos que fez muito bem a Maçonaria em dedicar um dos seus graus filosóficos ao estudo do pensamento de Montesquieu. 
A propósito, esse grande filósofo iluminista também era maçom.