UMA CONDENAÇÃO REAL OU SURREAL

Prólogo

Dedico o presente artigo a todos os estudantes de Ciências Jurídicas e Sociais – Direito.

Claro que todos os meus notáveis leitores poderão, se quiserem, usufruir destes modestos esclarecimentos estribados nas leis vigentes. – (Nota deste Autor).

REAL – significa em uso comum "tudo o que existe". O real é tido como aquilo que existe, fora da mente.

SURREAL – denota estranheza, transgressão da verdade sensível, da razão, ou que pertence ao domínio do sonho, da imaginação, do absurdo. Trata-se de algo que se encontra para além do real.

UMA HISTÓRIA PUBLICADA NO ESTADÃO

Um homem foi condenado a 1.080 anos de prisão por estuprar a enteada por um período de quatro anos, desde que ela tinha apenas 8 anos de idade, em Santa Catarina.

A sentença, divulgada nessa quarta-feira, 10/Mai, é uma das mais longas da história do Poder Judiciário no Estado, segundo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).

Pela legislação brasileira, mesmo com tanto tempo de condenação, o réu não deve ficar mais de 40 anos preso.

O processo tramita em segredo de Justiça e, para preservar a vítima, os detalhes não foram divulgados. O tribunal informou apenas que o caso aconteceu em uma cidade do norte do Estado.

O juiz que deu a sentença entendeu que por 90 vezes o acusado cometeu o crime de conjunção carnal e atos libidinosos com a menina.

Para a consumação dos atos, ele se aproveitava da condição de vulnerabilidade da criança devido à tenra idade e à sua condição de padrasto, o que lhe facilitava ficar a sós com a vítima dos abusos.

A história é REAL, mas o cumprimento dessa condenação é SURREAL. – (Nota deste Autor).

40 (QUARENTA) ANOS – ARTIGO 75 DO CÓDIGO PENAL

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. § 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.

Por que existem penas surreais de anos de prisão se só se pode cumprir, no máximo 40 (quarenta) anos de reclusão?

Resposta: É como se fossem duas penas diferentes: a nominal, no momento da condenação, que leva em conta cada detalhe do(s) crime(s) cometido(s), e a pena unificada, que “funde, isto é, unifica” o cumprimento de todas essas punições.

É essa última que precisa respeitar o limite de 40 anos previsto no Código Penal (CP) – o que não impede que, ao fim do julgamento, o juiz sentencie um valor maior, seja lá qual for necessário para fazer valer a lei.

A quantidade final de anos de uma sentença é importante para a progressão de regime, concessão de liberdade condicional ou substituição por multa.

EXPLICANDO MELHOR

Para progredir para o regime semiaberto, por exemplo, é necessário que se cumpra, em regime fechado, pelo menos 1/6 da pena, no caso de crime comum, 2/5 da pena, no caso de crime hediondo, e 3/5 da pena, no caso de reincidência em crime hediondo original.

Em alguns casos, essa parcela já passa dos 40 anos, o que significa que o réu não terá direito à progressão de regime.

LIMITE DAS PENAS

A Constituição Federal brasileira prevê, em seu art. 5º, inc. XLVII, alínea b, a vedação às penas de caráter perpétuo, consagrando o princípio da limitação das penas.

Mas, então, qual o limite das penas? O caput do art. 75 do Código Penal assim disciplina:

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.

§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.

Logo, o condenado, no Brasil, poderá cumprir no máximo 40 anos da pena privativa de liberdade a que foi condenado, por mais dura e longa que seja a dosimetria aplicada.

Note que estamos falando de um limite para o cumprimento da pena e não para a condenação.

O réu pode ser condenado a tanto tempo quanto cabível pelos seus crimes: 40, 50, 100, 200, 1080 anos etc. Mas o período de encarceramento será sempre limitado pela lei, isto é, 40 (quarenta) anos.

UM EXEMPLO ESCLARECEDOR

Ernesto, vulgo “bode rouco”, já teve uma pena unificada em 40 anos, cumpriu 5 anos e foi condenado por novo crime a pena de 20 anos. Então ele tem 35 a cumprir da pena anterior e mais 20, em tese, pela pena de crime cometido a posteriori.

Neste caso, ele deverá cumprir mais 40 anos a partir deste momento, desconsiderando-se os 5 anos já cumpridos. (Somou-se o restante da pena antiga com a nova até o limite de 40 anos e desprezou-se o restante da pena).

ATENÇÃO! Note que, diante deste exemplo, é possível que alguém cumpra mais que 40 anos de prisão. Isso pode ser considerado uma teratologia jurídica? Talvez! Há teorias e teses variadas nesses entendimentos.

Ora, embora ninguém devesse cumprir pena maior que 40 anos por uma mesma condenação, há, sim, a possibilidade de que alguém fique para sempre preso se continuar cometendo novos crimes e sendo condenado por eles.

CONCLUSÃO

Enfim, depois de citar a nossa Constituição Federal, de 1988 e o artigo 75 do Código Penal... Estou envergonhado.

Envergonhado por ser sabido e notório que, em nosso país, atualmente, primeiro se prende para depois investigar, processar e julgar quando deveria ser o contrário. Tudo em atenção ao devido processo legal.

O devido processo legal é um princípio legal proveniente do direito anglo-saxão, no qual algum ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei.

O devido processo legal é um princípio originado na primeira constituição, a Magna Carta, de 1215, mas atualmente consta elencado, de forma cristalina, no artigo, 5º, inciso LIV da Constituição Federal de 1988.

Repito acabrunhado: Em nosso país, atualmente, primeiro se prende para depois investigar, processar e julgar quando deveria ser o contrário.

Detalhe: Não me refiro a necessidade de uma prisão preventiva prevista no artigo 312, do CPP.

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NOTAS REFERENCIADAS

– Artigo 5º, da Constituição Brasileira, de 05 de outubro de 1988;

– Artigo 75, do Código Penal Brasileiro;

– Textos livres para consulta da Imprensa Brasileira e “web”;

– Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstanciais e imparciais.