Afinal, Deus está ou não está morto?

Aquele filme Deus Não Está Morto—que assisti duas vezes, uma em casa só para passar raiva e outra durante a internação—é uma proliferação de clichês e estereótipos. Tem de tudo: o intelectual pedante beirando a misoginia, casado com uma aluna universitária evangélica; o fiel fervoroso que é ironizado pelo professor militante ateu e precisa combater sua incredulidade; uma muçulmana cristã que desafia a religião de seus pais.

 

Parece que os roteiristas pensaram: “Vamos fazer um filme o mais estereotipado e maniqueísta possível”. E conseguiram. A cena final é um espetáculo de pregação: o show lotado, a multidão gritando Deus não está morto e, para coroar, o professor ateu atropelado, convertendo-se a Cristo em seu último suspiro. Se eu fosse cristão, ficaria constrangido.

 

Na época, lembro de pensar: “Não é possível que um professor universitário tenha sido refutado com argumentos tão frágeis por um aluno”. Cheguei até a escrever um artigo—perdido no meu iPad—com formas irrefutáveis de desmontar as falácias do filme. Mas tudo foi construído da maneira mais simplória possível para tornar os argumentos da narrativa inquestionáveis. E, no fundo, o filme acaba revelando muito sobre a lógica de pensamento de parte do cristianismo fundamentalista.

 

No final, negam a crença dos muçulmanos em Maomé, punem o ateu como se Deus ainda fosse aquele do Velho Testamento e reduzem toda a questão religiosa à pregação dogmática de que apenas o evangelho evangélico e o criacionismo são válidos—nem mesmo o catolicismo escapa.

 

Os Cavaleiros do Ateísmo

Os grandes cavaleiros do ateísmo são Freud, Nietzsche e Marx.

 

Para Freud, Deus é uma ilusão; para Nietzsche, um fruto do ressentimento; para Marx, uma consequência das relações de produção econômica, uma construção da superestrutura moldada pela infraestrutura.

 

E há também o Deus de Espinosa, que se confunde com a própria natureza. Para mim, Deus representa a vida, a criação e a fertilidade. O contrário disso—morte, destruição, aniquilação do outro—é o que chamamos de mal.

 

Quem Criou Quem?

A questão que se coloca é: Deus criou o homem, ou foi o homem quem criou Deus?

 

Para Freud, a segunda opção. Já Foucault diria que tanto Deus quanto o homem são criações sociais, frutos das relações de poder e de suas formas históricas.

 

Em As Palavras e as Coisas, Foucault sustenta que o conceito de “homem” é uma invenção recente, do século XVIII, e que seu fim está próximo. Ele exemplifica essa tese ao analisar Las Meninas, de Velázquez. No quadro, observa-se a transição de uma sociedade hierárquica—com rei e rainha ao fundo—para uma nova configuração onde indivíduos, como as crianças, os anões e as amas, ganham protagonismo. Essa mudança simbólica coincide com o surgimento de disciplinas como antropologia, psicologia, economia e sociologia—todas elas, para Foucault, formas de relações de poder adaptadas à sociedade capitalista.

 

Aqui, há uma convergência com Marx: as relações econômicas determinam a superestrutura—ou seja, as ideias dominantes e as instituições que as propagam, como igrejas, escolas e a mídia.

 

Foucault acrescenta que a forma como punimos reflete essa transformação. No passado, a punição era um espetáculo público—massacres e execuções serviam para reafirmar o poder do soberano. Com o tempo, o foco mudou para a correção do indivíduo. A punição tornou-se um meio de moldar o sujeito para que ele fosse útil à sociedade, e não apenas eliminado. Não se castiga mais o corpo, mas a mente, por meio da disciplina—regras internalizadas nas instituições.

 

O exemplo mais emblemático é o panóptico de Jeremy Bentham: uma prisão onde o detento nunca sabe se está sendo vigiado, obrigando-o a se autocontrolar. Com medo da punição, ele internaliza as regras e se disciplina sozinho. A sociedade, assim, se inscreve no corpo. É por isso que ruborizamos, nos envergonhamos e até nos reprimimos inconscientemente quando violamos normas sociais.

 

Deus, Culpa e a Morte do Divino

O fiel e a religião operam de forma semelhante. O pecado internaliza a culpa, e o sujeito se sente mal por suas ações, desaprendendo a viver no presente. Esse Deus punitivo, que não cria, apenas controla e castiga, está morto.

 

Mas o divino que representa a criação, a fertilidade e o amor ao próximo—esse, para mim, está vivo eternamente.