O SILÊNCIO DE DEUS E O SILÊNCIO DE QUEM AMO.

 

O Silêncio e a Voz de Deus

A questão central para Ingmar Bergman, além de sua genialidade como cineasta, era sua inquietação como pensador diante do silêncio de Deus. No início dos anos 1960, ele mergulhou nesse tema em sua famosa trilogia, composta por Através de um Espelho, Luz de Inverno e O Silêncio. Nessas obras, Bergman explorou a crise da fé, a angústia existencial e o sofrimento humano diante da ausência de respostas vindas do céu.

 

Mas essa obsessão não se limitou à trilogia. Mesmo em seus outros clássicos, como Morangos Silvestres e O Sétimo Selo—especialmente em Fanny e Alexander, um dos poucos filmes coloridos de sua filmografia e o meu preferido—, o tema da religião e da fé continua a permear sua narrativa. É uma busca incessante por Deus, pela presença divina ou, talvez, pela confirmação de que Ele simplesmente não está lá.

 

Deus e o Acaso

Talvez Deus seja esse poder invisível que age em nossas vidas em silêncio. Quem sabe, esse estado de graça que nos favorece seja o que Georges Bataille chamaria de “vontade de chance”, ou o que Maquiavel definiu como “fortuna”. Uma força que não fala, mas opera. Não se manifesta, mas influencia.

 

Foi o que aconteceu com Jules, personagem de Pulp Fiction, antes de sua conversão. Ele era um assassino que sempre recitava um suposto versículo da Bíblia antes de executar suas vítimas. A passagem, que ele dizia ser de Ezequiel 25:17, era na verdade uma invenção:

 

O caminho do homem justo está cercado por todos os lados pelas iniquidades dos egoístas e a tirania dos homens maus. Bendito aquele que, em nome da caridade e da boa vontade, conduz os fracos pelo vale das trevas, pois ele é verdadeiramente seu irmão e o guardião de seu irmão e o salvador das crianças perdidas. E aplicarei sobre ti grandes vinganças, com furiosas repreensões, para que saibas que eu sou o Senhor quando aplicar minha vingança sobre ti.”

 

E então, logo após proferir esse discurso, ele disparava uma rajada de tiros contra suas vítimas.

 

Mas um dia, algo aconteceu. Um homem que estava escondido saiu do armário e disparou contra ele à queima-roupa. Inexplicavelmente, nenhuma bala o atingiu. Julius interpretou aquilo como uma intervenção divina, um milagre. E, por isso, decidiu abandonar o crime.

 

Como diz a Bíblia:

 

“Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido.” (Salmo 91:7)

 

Seu parceiro, Vincent Vega, que ignorou o sinal e continuou no crime, acabou morto logo depois.

 

Seria essa força silenciosa a responsável por nos proteger? Seria ela quem escreve nosso destino e nos livra do mal, mesmo sem jamais se revelar?

 

A Presença Invisível

Da mesma forma que busco Deus e Ele não me responde, mas ainda assim me permite estar vivo, saudável e criando, assim também é a pessoa que amo. Sua presença em minha vida é um silêncio, mas um silêncio cheio de significado.

 

Assim como os olhos de Deus que nos observam sem se manifestar, talvez ela acompanhe meus passos à distância. Seu amor pode torcer por mim, me fortalecer, me proteger. Talvez, mesmo sem estar presente, ela influencie o universo a meu favor. Sua ausência se transforma em inspiração para que eu me torne uma pessoa melhor.

 

Fé no Amor

Bergman tentava dialogar com Deus, tentava senti-Lo de forma concreta e tangível. Talvez eu faça o mesmo com a pessoa que amo. Mas, assim como Deus, ela parece falar apenas ao meu coração.

 

Ainda assim, quero reencontrá-la fisicamente. Quero viver tudo que temos para viver. Com fé—não necessariamente em Deus, mas em mim mesmo, na energia positiva que esse Deus invisível opera em minha vida, e no amor que sinto por ela. Porque esse amor me fortalece, me apoia e me faz seguir em frente, acreditando que, em algum lugar do tempo e do destino, nós ainda nos encontraremos.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 17/03/2025
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