O ABSURDO DA EXISTÊNCIA
O que é o absurdo, em primeiro lugar?
O absurdo é a colisão entre a busca humana por sentido, ordem e propósito e a indiferença do universo, que não oferece respostas ou significado. O absurdo é o vazio que se manifesta quando percebemos que o mundo não possui uma lógica ou um propósito intrínseco e transcendente para nos guiar.
A condição absurda da existência humana é fielmente retratada na mitologia e na literatura, para que possamos compreendê-la antes de maiores digressões conceituais sobre o que significa o sentimento de “absurdo”.
No mito de Sísifo, ele engana os deuses e a morte. Ao morrer, ele diz a Zeus que sua esposa está negligenciando os rituais fúnebres para que ele possa descansar em paz (premeditado por ele). Por isso, ele deseja subir à terra uma vez mais para poder avisá-la. Porém, uma vez de volta, ele não retorna a Hades, o submundo equivalente ao inferno dos gregos, jamais. Quando Zeus descobre, fica furioso e o condena por hybris — equivalente ao pecado para os gregos, que é atentar contra a ordem cósmica, o dike. Sua condenação é a de rolar uma pedra gigantesca até um penhasco, mas, quando a pedra despenca, retorna à mesma posição, assim como ele se negava a morrer. Ele foi condenado a sempre empurrar a pedra de volta ao abismo.
Albert Camus, escritor argelino e Nobel de Literatura, exploraria esse mito justamente para falar sobre o absurdo da existência humana, em um ensaio de mesmo nome, O Mito de Sísifo. Ele diz que a experiência humana de existência se assemelha à condição de Sísifo, de rolar uma pedra que sempre retorna. Nesse livro, Camus afirma que, diante de todo esse absurdo, a única questão filosófica verdadeira e relevante é o suicídio — a de saber se, diante do despropósito da vida, o ser humano deve ou não escolher vivê-la. No entanto, ao final do livro, ele ganha um contorno mais otimista, e finaliza dizendo: “É preciso imaginar Sísifo feliz.” Essa frase sugere que, mesmo diante do absurdo da vida, que não oferece respostas definitivas para as grandes questões humanas, o ser humano pode encontrar uma forma de liberdade e uma existência autêntica, mesmo nas situações mais aparentemente sem sentido, criando significado para si mesmo, ou mesmo resignando-se a ela, como Sísifo, e sendo feliz.
Camus volta a explorar a condição absurda da existência no livro que lhe rendeu o Nobel, O Estrangeiro. Na famosa passagem em que um argelino mata um homem só porque o sol estava o incomodando, a despeito do fato de estar sendo acossado por ele, a indiferença que o argelino demonstra diante da condenação, da vida em geral, e até da morte de sua mãe, sua frieza existencial, denota a experiência do absurdo da vida, que muitas vezes é guiada pelo acaso. De maneira análoga, no filme Irreversível, de Gaspar Noé, um filósofo, de quem se espera racionalidade, em um momento extremo, acaba dilacerando a cabeça de um homem com um extintor de incêndio para evitar que seu amigo fosse sodomizado. Isso demonstra como a existência é absurda, como o acaso guia tudo, e tudo pode mudar de uma hora para outra.
Ainda partindo da literatura, Sartre explora essa ideia de maneira visceral no seu livro A Náusea, que é uma descrição do sentimento de absurdo da existência: desprovida de sentido, mas ao mesmo tempo com a sensação de que os objetos parecem ter vida própria, mas flutuam no ar. “A raiz da árvore se afundava na terra, exatamente como uma verruga, completamente sozinha, sem qualquer motivo. […] Aquilo me fascinava e, ao mesmo tempo, me enojava”,observa Antoine Roquentin, herói de seu livro.
O sentimento de absurdo também se revela no não sentido da vida, na falta de significado transcendente no qual os homens possam se ancorar para viver, como Nietzsche exemplificou no aforismo 125 de A Gaia Ciência, onde descreve a figura de um homem louco que, em plena luz do dia, corre pelas ruas com uma lanterna acesa, gritando: “Procuro Deus! Procuro Deus!” As pessoas ao redor, que não o levam a sério, começam a zombar dele, perguntando: “Por acaso Deus se perdeu? Foi viajar? Está dormindo?”
O louco, então, responde com um discurso perturbador: “Deus está morto! Deus permanece morto! E nós o matamos!” Ele continua, afirmando que nós, os seres humanos, somos responsáveis por essa morte, e pergunta como seremos capazes de viver sem Deus:
“Como pudemos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? O que fizemos quando desprendemos esta terra do seu sol? Para onde ela está indo agora? Para longe de todos os sóis?”
Essa passagem representa como o homem já não pode se escorar em valores transcendentes para viver e está só, livre para tomar suas próprias decisões. O sentimento de absurdo e vazio da existência, do nada e da nossa finitude, segundo o filósofo alemão Martin Heidegger, faz surgir aquilo que ele chamou de “angústia”. Ou seja, quando percebemos que nossa existência é limitada e que não há garantias ou essências pré-determinadas. A angústia revela o “ser-para-a-morte”, destacando nossa individualidade e liberdade, pois nos coloca frente ao fato de que somos responsáveis por dar sentido à nossa própria existência. Sartre, discípulo de Heidegger, também trabalha com o conceito de angústia, mas a ideia que ele propõe é ainda mais extrema, dizendo que o sentimento de angústia revela nossa responsabilidade absoluta diante das nossas escolhas e liberdade no mundo, pois não existe uma essência do homem predeterminada; primeiro ele existe e depois adquire suas características. Em O Ser e o Nada, de 1943, Sartre explora a ideia de que a existência é um absurdo refletido pelo “nada”, e o ser é exemplificado, por exemplo, na figura do garçom. Este personagem age como garçom, levanta a bandeja, oferece o cardápio, age como garçom, seu ser virou garçom. Ele anda de maneira excessivamente ágil, suas ações são mecânicas, seus gestos quase caricaturais. Para Sartre, esse garçom está agindo por má-fé, por negar sua liberdade de escolha, vivendo um papel imposto pela sociedade. Ele escolheu “ser” garçom em vez de “ser” outra coisa, ser livre, ser ele mesmo.
Uma colaboradora de Sartre, Simone de Beauvoir, diria que a saída para o absurdo e o não-sentido é o engajamento ético em algo, como o feminismo. Kierkegaard, dinamarquês, por sua vez, pai do que se convencionou chamar de existencialismo cristão, encontra a saída da finitude humana através da infinitude da fé, na conversão ao cristianismo. Na sua mocidade, ele era um libertino, escrevendo até um diário de um sedutor, com suas memórias dessa época.
Por fim, Emil Cioran, filósofo niilista romeno, trabalhará profundamente a ideia do absurdo, a constatação do vazio e da futilidade da vida, em sua obra Breviário da Decomposição. Ele reflete sobre a inutilidade do esforço humano diante da inevitabilidade da morte. Sua filosofia é uma contemplação niilista e um convite à futilidade.
Como se pode ver, embora a condição de absurdo seja uma inexorabilidade e esteja intrinsecamente ligada à condição da miséria humana, ela é ao mesmo tempo um abismo e uma esperança. O homem, em sua liberdade, é capaz de moldar-se a si mesmo. A vida é uma folha em branco pendurada em um cavalete, e se o que resultar dela será uma obra de arte ou puramente rabiscos, dependerá da qualidade do artista.