Herança Cultural: Como o Capital Cultural Forma Gerações

No canal do YouTube de André Barcinski, às vezes ele traz sua filha, Nina Barcinski, para dar dicas de filmes e discos. Nina deve ter uns 16 anos e é da geração Z, mas não reflete nem um pouco os gostos dessa geração; ela foge de qualquer categorização ou estereótipo possível. Nina tem uma aparência meio andrógina, que não revela muito seu gênero, bem fluida, denotando singularidade de gosto e liberdade em sua criação. Uma bela jovem, cuja originalidade releva uma beleza rara e atípica. O sociólogo francês Pierre Bourdieu cunhou o termo “capital cultural” para se referir aos conhecimentos herdados de pai para filho, de geração em geração, através do contato e do convívio. Isso se personifica na figura de sua filha Nina, batizada em homenagem à Nina Simone.

 

Uma pequena biografia de seu pai. André Barcinski escreveu o livro Barulho, que conta a cena do surgimento do grunge nos anos 90, com entrevistas e fotografias tiradas por ele mesmo; Pavões Misteriosos, livro que explora a história e o impacto cultural de figuras populares e folclóricas da música brasileira, com um olhar único sobre mercado da música e do entretenimento. Mais ficou mais conhecido por um livro despretensioso de crítica gastronômica em estabelecimentos mais comuns, que é o Guia da Culinária Ogra. E seu mais novo livro é com entrevistas com figuras ilustres, que ele chama Encontro com Figuras Notáveis, nas quais entrevistou astros do rock, diretores de cinema e grandes escritores mundiais. Barça tem um texto direto, objetivo, como um romance policial, que prende o atenção do leitor desde o início, mas rico em conteúdo e detalhes, que é muito gostoso de ler. Colabora na Folha desde a década de 90, escrevendo sobre música, cinema e culinária. Cinéfilo inveterado, foi o grande responsável por popularizar a obra de Zé do Caixão mundo afora, que ficou conhecido como Coffin Joe, e seu documentário sobre ele, chamado Maldito, ganhou o prêmio do júri no maior festival de cinema independente, o Sundance. Hoje ele tem o canal cultural no YouTube com dicas do que ler, ouvir e assistir. E mantém um site de jornalismo cultural, que pretendo assinar, agora que me sobram um pouco mais de recursos financeiros. 

 

E é natural que ele tenha transmitido essa bagagem, ou parte desse capital cultural, para sua filha, e as dicas que Nina dá fogem totalmente do convencional para alguém da sua idade. Nina cita a banda independente Fugazi com a naturalidade de quem estaria falando do Jota Quest. No Instagram do Barcinski, ela aparece lendo contos de Edgar Allan Poe. No final deste texto, irei falar quais foram as 6 indicações que ela deu, que vão desde filmes contemporâneos até clássicos consagrados de Hitchcock, de extremo bom gosto, embora de temática pesadíssima. Eu ainda não vi todos, mas verei suas recomendações, e os que vi são excelentes. E ela e eu temos algo em comum: não gostamos de filmes de terror. É curioso porque o pai dela, André, é grande fã do gênero, amigo pessoal do Zé do Caixão, era o produtor do programa de entrevistas dele no Canal Brasil, também aclamava Dario Argento e Mario Bava. Mas Nina não gosta.

 

André tem outro filho, que ainda não apareceu nas câmeras, mais novo, que se chama Noel, em homenagem ao grande sambista, alguém que sou grande fã também, e que considero o melhor compositor da língua portuguesa, que é Noel Rosa. Mesmo jovem, Noel tem uma playlist no Spotify de extremo bom gosto musical. Novamente, o capital cultural. E chegamos a mim. Meus pais não são grandes leitores ou intelectuais, mas sempre incentivaram minha educação e a de meu irmão. Meu irmão assinava a Placar desde que estava na primeira série, e aprendi a ler com minha mãe, que assinava a Revista Veja Kids mais. Recordo-me bem de uma matéria que me impactou muito, que era sobre o primeiro beijo de diversos (pré)adolescentes no mundo, com descrição e dicas e tudo mais. Aquela matéria me gerou enorme ansiedade, e lá ia eu reproduzir as técnicas da bexiga e de tentar pegar o gelo no copo d’água com a língua, esperando minha vez. Talvez um dia eu conte como ela foi (assim que ela chegar, rs).

 

Mas voltando ao assunto, li desde cedo essa revista junto com os quadrinhos da Turma da Mônica, depois assinei a Superinteressante, Mundo Curioso, lia eventualmente as Placar do meu irmão, etc. E aí descobri os livros infanto-juvenis: Harry Potter, Senhor dos Anéis, Aragorn, A Bússola de Ouro. Nunca tive preguiça de ler, não. Aí, mais pra frente, meu gosto sofisticou. Meus pais não são afeitos à leitura ou cinema, mas têm muita facilidade em estudar e passar em concurso. Minha mãe era CDF e disciplinada. Ela gosta muito de poesia cristã e tem grande talento cênico para interpretá-la. As pessoas que a viram atuando, inclusive meu irmão, se emocionaram.


Segunda-feira, irei ver “Ainda Estou Aqui” com meu pai, que deve fazer décadas que não vai ao cinema. Pra você ver o tamanho do sucesso que o filme fez. Eu, quando tinha tempo e dinheiro para gastar à toa, costumava ver até 3 filmes no mesmo dia. Aqui em São Paulo, temos o conceituado Festival Internacional de Cinema, no qual produções do mundo todo chegam com antecedência ao lançamento. Eu via muitos filmes, inesquecíveis, de países diferentes. Devido à adicção, faz algum tempo que não vou ao cinema. Vai ser bom retomar essa experiência indo no cinema no qual me sinto mais confortável, que é o do Shopping Bourbon, na Pompeia, do lado do estádio do Palmeiras, meu time de coração, ao lado do meu velho pai. E, enquanto escrevo meus textos no Recanto, como estava com vontade de escutar algo inédito, recorri ao meu irmão, que entende bem mais de música do que eu. Talvez eu saiba um pouco mais sobre eletrônica contemporânea, mas foi ele quem me inseriu nesse universo, para me indicar álbuns completos disponíveis no Deezer e, assim, garantir a transmissão de capital cultural em nossa família.

 

Ah, e as recomendações da Nina, com o diretor, ano e sinopse, disponíveis no streaming.

 

1. As Bestas (2022)

 

Direção: Rodrigo Sorogoyen

 

Em uma aldeia isolada na Galícia, um casal francês tenta levar uma vida tranquila, mas logo se vê em meio a um conflito com os moradores locais. Quando um confronto iminente se transforma em violência, segredos e tensões do passado revelam a verdadeira face da comunidade. Uma obra tensa, sombria e cheia de reviravoltas, que explora os limites entre a civilização e a selvageria.

 

2. Whiplash (2014)

 

Direção: Damien Chazelle

Andrew Neiman, um jovem baterista, sonha em alcançar a perfeição na música. Ao ser treinado por Terence Fletcher, um professor impiedoso e excêntrico, ele mergulha em um mundo de disciplina extrema e pressões psicológicas. Uma história elétrica sobre os limites da dedicação e o preço da busca pela excelência.

 

3. Animal Kingdom (2010)

 

Direção: David Michôd

Quando o adolescente Joshua “J” Cody se vê órfão, ele é acolhido por sua avó e seus tios, membros de uma família criminosa de Melbourne, Austrália. Enquanto ele tenta se adaptar a essa nova realidade, J começa a perceber a complexidade e a brutalidade do mundo em que está inserido, sendo puxado cada vez mais para o lado sombrio da sua família. Um drama de crime tenso e fascinante sobre lealdade, traição e sobrevivência.

 

4. Rain Man (1988)

 

Direção: Barry Levinson

Quando Charlie Babbitt descobre que o irmão autista Raymond herdou a fortuna de seu pai, ele decide levar Raymond em uma viagem para tentar obter sua parte da herança. O que começa como uma missão egoísta se transforma em uma profunda jornada de compreensão e vínculo familiar. Uma história emocionante e comovente sobre o significado de família, amor e aceitação.

 

5. Festim Diabólico (Rope) (1948)

 

Direção: Alfred Hitchcock

Dois estudantes matam um colega e escondem o corpo em um baú, planejando realizar um jantar em cima dele. Quando convidados começam a chegar, a tensão cresce, e o suspense se desenrola de forma brilhante, enquanto o plano dos assassinos começa a ser desconstruído. Hitchcock cria uma obra-prima de suspense psicológico com planos sequenciais que mantêm a tensão do início ao fim.

 

6. Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon) (1975)

 

Direção: Sidney Lumet

Sonny e Sal tentam roubar um banco para financiar a cirurgia de sua parceira, mas o plano sai totalmente errado. O assalto se transforma em um impasse, com reféns e negociações com a polícia, enquanto a história real por trás do crime se desenrola. Um drama intenso e fascinante, com Al Pacino em uma das suas performances mais memoráveis.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 11/01/2025
Reeditado em 12/01/2025
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